Violência de Gênero no Exercício da Advocacia: Implicações Jurídicas e Desafios da Atuação Profissional
O enfrentamento da violência de gênero no ambiente jurídico
A violência de gênero transcende os lares e as relações afetivas, manifestando-se também no ambiente profissional, inclusive na atuação de mulheres advogadas. A dinâmica dessa violência, quando direcionada ao exercício da advocacia, apresenta contornos jurídicos específicos e demanda uma abordagem técnica, normativa e analítica aprofundada.
Trata-se de uma violação de direitos fundamentais, em especial da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), da igualdade entre os gêneros (art. 5º, I) e do livre exercício da profissão (art. 5º, XIII). O sistema jurídico brasileiro dispõe de normas que devem ser acionadas quando essa violência se concretiza em atos de assédio, discriminação ou qualquer forma de constrangimento baseado no gênero durante a atuação profissional de mulheres advogadas.
Conceito e formas da violência contra mulheres advogadas
A violência contra mulheres na advocacia pode se manifestar de maneira velada ou explícita, física ou simbólica. Inclui o assédio moral, o assédio sexual, a exclusão deliberada de ambientes decisórios, a deslegitimação técnica pelo simples fato de ser mulher, além de ameaças e hostilizações específicas em razão do gênero.
Esses comportamentos atentam não apenas contra os direitos da mulher advogada, mas também contra o funcionamento justo do sistema de justiça, já que comprometem os princípios da imparcialidade e da ética processual, além de engessarem a atuação técnica plena e igualitária no processo.
Fundamentos legais aplicáveis
Diversos dispositivos legais podem ser acionados para tutelar os direitos das advogadas vítimas de violência de gênero no exercício profissional:
1. Constituição Federal
Já citado, o art. 5º garante a igualdade de tratamento e proíbe quaisquer formas de discriminação. O art. 1º, III, consagra a dignidade da pessoa humana, norte básico da ordem jurídica nacional. A atuação do Estado é exigida também pelo art. 226, § 8º, que impõe o dever de coibir a violência no âmbito das relações familiares – conceito que pode ser ampliado, na doutrina constitucional, para as dinâmicas profissionais que refletem estruturas de dominação.
2. Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/1994)
O art. 7º do Estatuto assegura à advocacia uma série de prerrogativas profissionais, incluindo o direito a ser tratada com urbanidade e o respeito à sua atuação técnica. O parágrafo 1º deste mesmo artigo determina que “as autoridades e os servidores públicos devem garantir e respeitar os direitos assegurados ao advogado”, reforçando a imperatividade do Estado na proteção de seus agentes jurídicos.
A violação dessas prerrogativas, quando motivada por discriminação de gênero, pode caracterizar abuso de poder e dar ensejo a sanções disciplinares, ações indenizatórias e apuração penal, se couber.
3. Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006)
Embora originalmente voltada à violência doméstica, a Lei Maria da Penha também se aplica a contextos institucionais ou profissionais, desde que o fator de gênero seja um elemento determinante na ocorrência do abuso. Dessa forma, práticas de opressão institucionalizadas em escritórios, fóruns, delegacias ou outros ambientes jurídicos podem configurar modalidades de violência psicológica e moral previstas na lei, conforme já admitido por entendimentos doutrinários e decisões isoladas.
4. Código Penal
Diversos tipos penais podem ser invocados em situações concretas, como os crimes de injúria (art. 140), ameaça (art. 147), perseguição (art. 147-A), constrangimento ilegal (art. 146), ou violência sexual (arts. 215 e seguintes). Quando praticados no exercício da advocacia e com motivação discriminatória de gênero, tais delitos podem ter agravantes reconhecidas com base no art. 61, II, “h”, do Código Penal (motivo torpe) e jurisprudência consolidada em prol da proteção de minorias.
Dificuldade de comprovação e os caminhos legais para enfrentamento
Um dos principais obstáculos enfrentados por mulheres advogadas vítimas de violência de gênero é a comprovação dos fatos. Por vezes, as situações ocorrem sem testemunhas ou em ambientes onde o silêncio institucional predomina. Registros de e-mails, comportamentos reiterados, omissões deliberadas, ofensas verbais e microagressões são elementos que, analisados em conjunto, podem formar um conjunto probatório coerente.
Cabe à vítima, com o auxílio de sua assessoria jurídica ou institucional, avaliar as medidas cabíveis, como o ajuizamento de ação indenizatória (dano moral), pedido de providências nas seccionais da OAB, representação junto ao Ministério Público ou mesmo a instauração de procedimento criminal, quando houver tipicidade penal.
O fenômeno da revitimização institucional
A mulher que denuncia comportamentos discriminatórios no meio jurídico muitas vezes enfrenta a chamada “revitimização institucional”, ou seja, a reiteração da violência por meio da desmoralização da denúncia, da culpabilização da vítima e da omissão deliberada dos atores envolvidos. Isso demanda do operador do Direito — especialmente aquele que atua junto ao sistema de justiça — atenção ética redobrada.
A ausência de um protocolo claro para recepção e apuração de condutas de violência de gênero no meio jurídico contribui para a naturalização do problema. Um dos caminhos recomendados é a institucionalização de canais internos de denúncia nas instituições públicas e privadas do meio jurídico, com observância aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da responsabilidade objetiva da estrutura organizacional.
Responsabilidade civil por danos morais decorrentes da violência de gênero
Além da esfera penal e disciplinar, a violência de gênero contra advogadas na atuação profissional pode gerar responsabilidade civil em função do abalo à honra objetiva e subjetiva, da exposição vexatória, das ameaças à integridade física e dos prejuízos à imagem profissional. O Código Civil, em seu art. 186, dispõe que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, causar dano a outrem comete ato ilícito, ensejando a devida reparação (art. 927).
A jurisprudência já reconhece o dever de indenizar em situações de assédio moral e discriminação de gênero no ambiente corporativo, entendimento que pode ser estendido aos ambientes jurídicos nos quais a mulher exerce a advocacia regularmente.
A importância da capacitação jurídica sobre gênero e violência institucional
A atuação jurídica eficaz no combate à violência de gênero exige atualização legislativa constante, conhecimento técnico aprofundado e sensibilidade jurídica diante de tensões normativas e fáticas complexas. Profissionais do Direito, juízes, membros do Ministério Público e Advogados devem entender os elementos teóricos e processuais que envolvem a responsabilização civil, penal e institucional de ofensas motivadas por gênero.
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Prevenção estratégica e boas práticas institucionais
A prevenção da violência de gênero no ambiente jurídico não depende apenas de normas formais. Exige também uma mudança na cultura institucional. Algumas medidas relevantes para os escritórios de advocacia, órgãos públicos e ambientes forenses incluem:
1. Códigos internos de conduta com cláusulas sobre igualdade de gênero
Devem prever sanções claras e específicas quando houver violação por razão de sexo ou identidade de gênero.
2. Programas de compliance com dimensão de responsabilidade social
Os planos de governança ética das instituições jurídicas devem incluir o combate à discriminação de gênero como valor organizacional, vinculando essa pauta ao desempenho funcional e à avaliação dos gestores.
3. Políticas de escuta protegida e acolhimento das denunciantes
Sem mecanismos seguros e efetivos de denúncia, sem assédio institucional, o ambiente não é confiável para vítimas. Equipes treinadas em escuta qualificada são fundamentais para o acolhimento inicial.
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Insights finais
O enfrentamento jurídico à violência de gênero na advocacia exige articulação entre diferentes ramos do Direito: constitucional, penal, civil, administrativo e deontológico. Mais do que garantir a legalidade, trata-se de garantir justiça na prática.
Cabe aos profissionais do Direito não apenas punir a violência quando identificada, mas também atuar preventivamente em seu ambiente de trabalho, reforçando a ética e a equidade em suas relações e estruturas.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. A violência de gênero contra advogadas precisa ocorrer em ambientes do Judiciário para ser caracterizada?
Não. Ela pode ocorrer em qualquer ambiente relacionado ao exercício profissional: escritórios, departamentos jurídicos, salas de audiência, espaços de reuniões ou digitalmente.
2. A Lei Maria da Penha se aplica para situações de violência ocorridas no âmbito profissional?
Sim, desde que a violência tenha como base o gênero da vítima e envolva uma relação de poder ou dominação, mesmo fora do ambiente doméstico.
3. O que uma advogada pode fazer se sofrer violência de gênero durante uma audiência?
Ela pode registrar o fato junto à OAB, fazer um boletim de ocorrência, buscar responsabilização civil e enviar representação ao CNJ se o ofensor for magistrado, além de tomar medidas cautelares.
4. Existe agravante legal para crimes praticados com motivação de gênero?
Sim. O motivo torpe (art. 61, II, “a”) pode ser reconhecido e, em alguns casos, há agravantes específicas previstas para crimes com motivação discriminatória.
5. Escritórios de advocacia podem ser responsabilizados por assédio cometido por sócios?
Sim. Se houver omissão, falha de supervisão ou conivência, a responsabilidade civil da pessoa jurídica pode ser reconhecida, além de potenciais medidas trabalhistas e administrativas.
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-27/oab-rj-lanca-pesquisa-inedita-sobre-violencia-contra-advogadas/.