Identidade de Gênero e Direito Eleitoral: A Tutela Jurídica da Pessoa Não Binária
O Princípio da Igualdade e os Direitos Políticos
A Constituição Federal de 1988 assegura, no caput do artigo 5º, que “todos são iguais perante a lei”, sem distinção de qualquer natureza. Essa previsão constitucional confere fundamento jurídico para a proteção de grupos vulneráveis e a promoção da igualdade substancial. Dentro desse contexto, a identificação de gênero — inclusive das pessoas não binárias — torna-se um relevante aspecto da efetivação de direitos fundamentais, inclusive no âmbito dos direitos políticos.
O artigo 14 da Constituição trata do direito ao voto e da elegibilidade. No entanto, a forma como o indivíduo se identifica e é identificado perante o órgão eleitoral pode interferir na plena fruição desses direitos. Isso nos leva à necessidade de estudar como o Direito Eleitoral está se adaptando (ou deve se adaptar) para aceitar formas de identidade de gênero diversas da cisnormatividade masculina ou feminina.
Conceito Jurídico de Pessoa Não Binária
Pessoas não binárias são aquelas cuja identidade de gênero não se enquadra exclusivamente nas categorias “homem” ou “mulher.” Podem se identificar com ambos os gêneros, com nenhum, ou com uma variação fluida dependendo do tempo ou contexto. Em termos jurídicos, a ausência de registro adequado dessa identidade representa uma omissão do Estado em reconhecer a personalidade jurídica plena dessa pessoa — violando, portanto, o artigo 1º, III da Constituição, que estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República.
Também cabe ressaltar o artigo 16 do Código Civil, que define a personalidade civil como início a partir do nascimento com vida, e que o nome é um elemento essencial dessa personalidade (art. 16 c/c art. 18). O nome e, por extensão, o gênero, são atributos que integram a personalidade jurídica do sujeito.
Documentação e Gênero no Sistema Eleitoral
O alistamento eleitoral e o registro como eleitor prescindem da apresentação de documentos oficiais, especialmente o documento de identidade civil (RG ou CNH). Tradicionalmente, esses documentos limitavam o campo de identificação de gênero às categorias masculino e feminino. No entanto, a jurisprudência recente e a atuação dos órgãos públicos têm buscado reconhecer a possibilidade de retificação de registro civil, incluindo gênero, mesmo sem procedimento cirúrgico, com base na autodeterminação (ADIn 4275/DF, STF).
No campo eleitoral, a identificação correta e voluntária do gênero é condição para que o indivíduo seja tratado com respeito durante todas as etapas do processo eleitoral: desde o cadastro, até a votação e eventual candidatura. A ausência de tal reconhecimento pode gerar constrangimentos, erros cadastrais, e entraves à ampla participação política.
Regramento Atuais e Normas da Justiça Eleitoral
Embora não haja uma lei específica regulando, até o momento, o reconhecimento de pessoas não binárias no âmbito eleitoral, a normatização infralegal está em constante evolução. Um exemplo é a Resolução TSE nº 23.659/2021, que trata do cadastro eleitoral. Essa resolução ainda não contempla campos específicos para gênero não binário, o que indica um vácuo normativo.
Por outro lado, o Provimento nº 73/2018 do CNJ foi um marco ao estabelecer a possibilidade de alteração, diretamente em cartório, do nome e do gênero nos registros civis, com base na autoidentificação. Esse provimento serve como parâmetro para interpretação evolutiva das regras eleitorais, de modo a garantir segurança jurídica e respeito à dignidade.
Implicações na Elegibilidade e Representação Política
O reconhecimento do gênero não binário tem implicações que ultrapassam o nível individual. A depender da interpretação legal aplicável, poderá impactar, por exemplo, o cumprimento de cotas de gênero previstas no artigo 10, §3º da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), segundo o qual cada partido ou coligação deve indicar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.
Na ausência de regulamentação específica para pessoas não binárias nessas cotas, surgem questões jurídicas importantes: serão computadas em qual das categorias? Devem integrar uma terceira categoria? Essas dúvidas indicam a importância do debate técnico e da construção jurisprudencial para consolidar parâmetros inclusivos e juridicamente seguros.
Jurisprudência Emerente e Papel do STF e TSE
O Poder Judiciário vem evoluindo no reconhecimento de identidades de gênero diversas, inclusive mediante decisões paradigmáticas. No RE 845.779, por exemplo, o STF reafirmou a proteção à identidade e ao nome como direitos fundamentais. A própria Suprema Corte já reconheceu o direito à retificação de gênero mesmo sem cirurgia de redesignação, com base no princípio da dignidade (ADIn 4275/DF).
Os avanços no âmbito do TSE, por sua vez, ainda são tímidos. Em casos pontuais, houve decisões que garantiram o direito de candidatos trans a registrarem seu nome social e identidade de gênero no sistema de candidaturas. No entanto, falta regulamentação para garantir tratamento específico às pessoas não binárias.
Consequências Para a Advocacia e Aplicações Práticas
Advogados que atuam em Direito Eleitoral precisam estar preparados para lidar com situações que envolvam o reconhecimento de identidades de gênero não binárias, tanto na inscrição de eleitores quanto em processos de registro de candidatura. A atuação profissional exige conhecimento aprofundado de dados cadastrais, direito antidiscriminatório, normas de registro público, além de princípios constitucionais como dignidade, igualdade e liberdade.
Com o avanço da jurisprudência e da legislação infraconstitucional, é fundamental dominar as interfaces entre o Direito Eleitoral, o Direito Civil e o Direito Constitucional. Nesse sentido, o estudo aplicado dos princípios constitucionais e das normas eleitorais voltadas à representação democrática torna-se um diferencial para a advocacia que busca soluções inovadoras e legítimas.
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Desafios Regulatórios e Demandas Futuras
A principal lacuna a ser enfrentada está na ausência de positivação do gênero não binário nas bases cadastrais da Justiça Eleitoral. Enquanto o registro civil já admite tal hipótese, o sistema eleitoral ainda não dispõe de campos ou classes de gênero que reconheçam essa realidade. Trata-se de um desafio técnico, jurídico e político.
Do ponto de vista normativo, uma possível saída seria a reforma da Resolução TSE nº 23.659/2021 para incluir uma terceira opção de gênero no cadastro. Alternativa normativa seria a regulação específica por meio de resolução complementar que trate apenas do reconhecimento da identidade de gênero no processo eleitoral.
Por fim, a educação jurídica precisa se atualizar para incluir essas temáticas em salas de aula, bancas examinadoras e práticas jurídicas. O domínio do impacto dessas questões nos direitos políticos é hoje uma competência essencial para os operadores do Direito que desejam atuar com visão transformadora.
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Insights Relevantes
1. A identidade de gênero transcende o registro civil
Juristas devem compreender que o reconhecimento da identidade de gênero, inclusive não binária, impacta a plena realização da personalidade jurídica do sujeito e deve ser respeitada em todos os campos do ordenamento, incluindo o eleitoral.
2. Princípio da dignidade da pessoa humana como eixo interpretativo
A hermenêutica constitucional encontra na dignidade da pessoa humana seu centro gravitacional, sendo ela a chave para a legitimação de medidas administrativas que reconheçam o gênero autodeclarado.
3. Ausência de regulamentação não impede a tutela judicial
Mesmo que inexistam normas expressas no sistema eleitoral para o gênero não binário, é possível obter medidas judiciais com base na Constituição Federal e em precedentes do STF e do CNJ.
4. Cotas de gênero: redefinição necessária?
A inclusão de pessoas não binárias impõe uma releitura da legislação sobre cotas eleitorais, suscitando debates jurídicos complexos sobre paridade de representação e adaptação normativa.
5. Advocacia eleitoral precisa se adaptar
É imprescindível que os profissionais da área estejam preparados para manejar esses temas com profundidade jurídica e sensibilidade social, visto seu impacto direto na cidadania e nos direitos fundamentais.
Perguntas e Respostas
1. Pessoas não binárias podem solicitar retificação do gênero para fins eleitorais?
Sim. Embora o sistema eleitoral ainda não tenha campo específico, é possível recorrer à retificação de nome e gênero com base no Provimento nº 73/2018 do CNJ e solicitar à Justiça Eleitoral que reflita essas alterações.
2. O cadastro eleitoral reconhece o gênero não binário?
Ainda não há campo específico na base de dados da Justiça Eleitoral. Há uma lacuna normativa que precisa ser suprida por regulamentação específica ou adequações técnicas futuras.
3. Pessoas não binárias devem ser incluídas nas cotas de gênero das candidaturas?
A legislação atual não contempla explicitamente essa hipótese. No entanto, a questão está em debate e pode ensejar alterações legislativas ou interpretações jurisprudenciais que contemplem uma terceira categoria.
4. Como a ausência de reconhecimento de gênero afeta os direitos políticos?
Pode gerar constrangimentos durante o processo eleitoral, dificuldades de registro de candidatura ou mesmo invalidação de cotas. Além disso, compromete o exercício pleno da cidadania.
5. Há precedentes judiciais sobre o tema?
Embora ainda esparsos, há decisões do STF e do STJ que reconhecem o direito à autodeterminação de gênero. Esses precedentes podem e devem ser invocados em litígios eleitorais.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-22/pessoas-nao-binarias-e-o-direito-eleitoral-mudancas-para-hackear-o-cistema/.