Liberdade de Expressão, Liberdade Religiosa e Direitos Fundamentais em Conflito
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um marco sobre a proteção da dignidade humana e da liberdade, criando um sistema jurídico baseado no pluralismo e na tolerância. Entretanto, o convívio entre os diversos direitos fundamentais exige constante análise em casos em que esses direitos parecem colidir. Um exemplo disso é o conflito entre liberdade de expressão, liberdade religiosa, proteção da infância e não discriminação, sobretudo entre grupos vulneráveis.
Este artigo aprofunda os fundamentos jurídicos envolvidos quando o Estado tenta limitar a presença de crianças em eventos públicos ligados a manifestações identitárias, como ocorre em contextos de organizações LGBTQIAPN+. Advogados, juristas e operadores do Direito precisam compreender a delicada relação entre controle estatal, direitos fundamentais e os limites constitucionais de atuação do poder público.
O papel dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura um amplo rol de direitos fundamentais, entre eles:
– Liberdade de expressão (art. 5º, IX)
– Liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI)
– Liberdade de reunião pacífica (art. 5º, XVI)
– Proteção contra discriminação (art. 5º, caput e XLII)
– Princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III)
– Proteção integral da criança e do adolescente (art. 227)
Esses dispositivos refletem valores essenciais do Estado Democrático de Direito e orientam toda a interpretação normativa. Em situações de conflito entre esses direitos, cabe à hermenêutica constitucional promover uma ponderação equilibrada entre os bens jurídicos disponíveis.
A colisão de direitos é comum em sociedades plurais, onde as expressões culturais, religiosas, sexuais ou ideológicas entram em contato com outras garantias constitucionais. A atuação do intérprete jurídico deve, nessas hipóteses, preservar o núcleo essencial de cada direito.
A dignidade humana como fundamento interpretativo
A dignidade da pessoa humana — artigo 1º, inciso III da Constituição — atua como vetor axiológico para resolver tensões entre normas constitucionais aparentemente contraditórias.
Portanto, qualquer análise que envolva a limitação da liberdade de indivíduos ou de grupos sociais deve ser conduzida com base nesse princípio, resguardando a autonomia individual, a não discriminação e os direitos da personalidade.
Limitações constitucionais impostas ao legislador
O poder de legislar, mesmo quando exercido por entes federativos como municípios e estados, encontra limites na Constituição Federal. O controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos que afrontem os direitos fundamentais é um pilar da supremacia constitucional.
Ao propor limitações à participação de indivíduos — especialmente crianças — em manifestações baseadas em identidade de gênero ou orientação sexual, o Estado potencialmente viola os seguintes princípios:
– Igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput)
– Proibição à censura (art. 5º, IX e XIV)
– Competência legislativa privativa da União sobre direito civil e direitos da infância (art. 22, I e XXIV)
– Proteção à convivência familiar e comunitária infantojuvenil (art. 227)
Assim, legislações locais ou deliberações administrativas que tentem proibir crianças de frequentar ambientes públicos sob a justificativa da “proteção moral” muitas vezes encobrem, sob aparência legítima, uma forma velada de discriminação ou censura.
O papel do Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) reafirma a proteção integral e prioritária da criança, assegurando seu direito à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (arts. 3º, 16 e 19).
Contudo, esse amparo legal não pode ser utilizado como instrumento de exclusão social ou repressão a manifestações culturais e políticas de qualquer natureza, salvo em casos estritamente fundamentados em interesse legítimo e comprovado da criança.
Decisões genéricas ou abstratas que pressupõem que toda manifestação identitária LGBTQIAPN+ é inadequada para menores de idade incorrem em discriminação estrutural, violam o princípio da presunção de licitude das manifestações públicas e ferem o pluralismo social.
Controle de constitucionalidade e parâmetros do STF
Ao longo dos anos, o Supremo Tribunal Federal tem consolidado entendimento firme contra normas municipais ou estaduais que legislem de modo a criar barreiras ou censura disfarçada contra manifestações feitas por minorias.
Destacam-se precedentes em que o STF reiterou a impossibilidade de o legislador municipal criar vedações à livre expressão de identidade de gênero ou sexualidade. A instituição entende que a diversidade de pensamento e expressão está inerentemente ligada à Constituição democrática.
Também é pacífica a jurisprudência quanto à inconstitucionalidade de leis baseadas em juízos morais sem respaldo empírico claro, sob pena de afronta direta à liberdade individual, à igualdade e ao princípio da não discriminação.
Quando a liberdade religiosa colide com outros direitos
A liberdade religiosa é protegida no art. 5º, VI da Constituição. No entanto, ela não pode anular ou suprimir outros valores constitucionais em nome de uma “moral dominante”. A moral religiosa não se confunde com a moral pública no Estado laico.
Tentativas de usar fundamentos religiosos para barrar manifestações públicas ou restringir direitos de determinados grupos sociais configuram pretensões inconstitucionais. A laicidade do Estado atua como limite objetivo à imposição de preceitos morais vinculados a crenças específicas.
A jurisprudência é clara ao afirmar que, embora todos possuam o direito à liberdade de crença, ela termina quando começa a prática de atos discriminatórios ou a limitação de direitos de terceiros com base em convicções individuais.
Proteção da infância: instrumento ou escudo?
O princípio da proteção integral da criança e do adolescente não pode ser manipulado como justificativa para segregar, censurar ou ocultar realidades sociais e culturais legítimas.
O art. 227 exige do Estado e da sociedade dever de assegurar à criança “o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade” — o que inclui a proteção de sua convivência com a diversidade.
Vedação genérica ou apriorística à presença de menores em manifestações públicas visivelmente identificadas com grupos minoritários representa uma espécie de tutela opressiva, contraproducente e discriminatória.
Cabe lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou pela necessidade de proteção à convivência familiar conforme os valores de cada núcleo familiar, reconhecendo inclusive estruturas familiares não heteronormativas.
Implicações práticas para a advocacia e políticas públicas
Profissionais do Direito que atuam em controle de constitucionalidade, defesa de direitos fundamentais ou políticas públicas precisam dominar os fundamentos teóricos e práticos sobre colisão de direitos constitucionais e limites do poder legislativo frente aos direitos humanos.
Tais profissionais estão cada vez mais diante de demandas que envolvem:
– Ações diretas de inconstitucionalidade
– Mandados de segurança contra atos administrativos restritivos
– Representações extrajudiciais por discriminação
– Assessoria jurídica em políticas públicas inclusivas
Por isso, a compreensão aprofundada da teoria dos direitos fundamentais, da jurisprudência constitucional e da proteção de grupos vulneráveis é chave para uma prática jurídica atualizada e combativa.
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Insights Finais
– O Direito não pode ser instrumento de exclusão social. Manifestações culturais e identitárias gozam da presunção de licitude e legitimidade em um Estado democrático.
– A proteção da infância precisa ser exercida com zelo, mas também com respeito ao pluralismo e ao direito ao convívio social diverso.
– O controle de constitucionalidade impede legislações que ofendam a dignidade humana, a igualdade e a liberdade.
– A religião é protegida, mas não pode servir como justificativa para medidas proibitivas que violem direitos de terceiros.
– Advogados devem estar preparados para enfrentar essas questões por meio de sólida formação em direitos fundamentais, prática constitucional e argumentação jurídica estratégica.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Uma lei municipal pode proibir menores em determinado evento?
Não, salvo se houver clara demonstração de risco real e específico à integridade física ou psíquica do menor. Legislações genéricas violam os princípios constitucionais.
2. O direito à liberdade religiosa permite impor valores religiosos às políticas públicas?
Não. O Estado é laico. A moral religiosa não pode fundamentar medidas legais que limitem direitos fundamentais de outras pessoas ou grupos.
3. A presença de crianças em eventos com diversidade sexual é legal?
Sim, desde que não haja conteúdo explicitamente inadequado para a faixa etária e observadas as regras de proteção previstas no ECA. Não pode haver exclusão baseada apenas na identidade do evento.
4. Qual a diferença entre moral pública e moral religiosa no Direito?
A moral pública decorre de princípios constitucionais e direitos fundamentais. Já a moral religiosa vem de crenças particulares. No Estado laico, a primeira prevalece para fins normativos.
5. Qual o recurso jurídico cabível contra essas leis?
É possível propor ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ou mandado de segurança coletivo, dependendo da hipótese, para combater normas ou atos que violem direitos fundamentais.
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-12/o-parecer-da-pgr-na-adi-7584-o-dever-de-protecao-integral-das-criancas-e-adolescentes-e-a-inconstitucionalidade-da-lei-estadual-6-469-2023/.