Direito Concorrencial e o Controle de Abuso de Posição Dominante
O papel do Direito da Concorrência na preservação de mercados
O Direito da Concorrência, também chamado de Direito Antitruste, representa um dos pilares regulatórios mais relevantes para garantir a livre concorrência e prevenir práticas empresariais que distorcem o ambiente competitivo. Seu objetivo não se limita à proteção de concorrentes individuais, mas à defesa da estrutura concorrencial do mercado como um todo.
Como regramento jurídico inspirado nos princípios da ordem econômica estabelecida pela Constituição Federal de 1988 (art. 170, IV), o Direito Concorrencial visa coibir condutas anticompetitivas que possam prejudicar o interesse coletivo, seja por meio da formação de cartéis, fixação de preços, acordos de exclusividade que bloqueiam o mercado ou pelo abuso de posição dominante, tema central deste artigo.
Entendendo a posição dominante no mercado
A posição dominante não é, por si só, ilícita. Trata-se de uma situação de proeminência de uma empresa em determinado mercado relevante, a qual lhe confere a capacidade de influenciar unilateralmente, em grau considerável, as condições concorrenciais do segmento em que atua.
No ordenamento jurídico brasileiro, essa figura encontra base legal na Lei nº 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). O artigo 36, §2º da referida lei dispõe:
“Presume-se posição dominante a empresa ou grupo de empresas que controla 20% ou mais de um mercado relevante. Essa presunção pode ser infirmada conforme as particularidades do mercado e das firmas nele atuantes.”
Portanto, embora a concentração de mercado possa ser indicativa de domínio, é sempre necessário considerar a estrutura de mercado e as barreiras à entrada. O ponto crítico surge quando essa posição é explorada de forma abusiva.
O abuso de posição dominante: conceito, hipóteses e fundamentação legal
O que configura abuso
O abuso de posição dominante ocorre quando uma empresa, detentora dessa posição privilegiada, adota práticas que restringem injustificadamente a livre concorrência ou prejudiquem os consumidores. Trata-se de um desvio da livre competição que pode se apresentar sob diversas formas, como:
Exemplos típicos de condutas abusivas
– Preço predatório: prática de fixação de preços abaixo do custo para eliminar concorrentes.
– Venda casada: condicionamento da venda de um produto à compra de outro.
– Discriminação entre adquirentes: prática de favorecer clientes com condições exclusivas sem justificativa técnica.
– Interoperabilidade restritiva: práticas que limitam a compatibilidade de produtos ou sistemas para manter domínio sobre o mercado secundário.
– Recusa injustificada de contratar: negativa em fornecer produtos ou acessar plataformas ou serviços essenciais com o objetivo de excluir concorrentes.
O caput do artigo 36 da Lei nº 12.529/2011 prescreve:
“Constitui infração à ordem econômica, independentemente de culpa, qualquer ato que tenha por objeto ou possa produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; […] III – exercer de forma abusiva posição dominante.”
Portanto, basta o potencial de dano à concorrência para que a conduta seja apurada, não se exigindo a verificação de dolo ou culpa.
Instrumentos de investigação e repressão
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, é o órgão responsável pela apuração de infrações concorrenciais no Brasil. O procedimento pode ser iniciado por denúncia, representação ou de ofício, culminando em inquéritos administrativos ou processos administrativos sancionadores.
Durante a investigação, o CADE pode requerer documentos, realizar diligências, ouvir testemunhas e aplicar medidas preventivas, como a imposição de obrigações de cessação de condutas.
Concluída a instrução, o Tribunal do CADE julga o caso. Se reconhecida a infração, podem ser aplicadas multas que variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa no último exercício anterior à instauração do processo. Além disso, o CADE pode impor medidas estruturais ou comportamentais, tais como obrigação de licenciar tecnologias, cessar contratos, modificar práticas comerciais ou até decidir pela cisão da empresa, nos casos mais graves.
Para o profissional do Direito, compreender essa sistemática é crucial para atuação em setores regulados ou no assessoramento consultivo para empresas que detenham posição relevante no mercado. O domínio técnico sobre estrutura de mercado, barreiras à entrada, poder de mercado e seus desdobramentos jurídicos é um diferencial competitivo essencial. Para um aprofundamento completo no tema, vale a pena explorar a Pós-Graduação em M&A, que oferece sólida base em práticas de mercado e estrutura concorrencial.
Mercado relevante: a peça-chave na análise antitruste
A definição do mercado relevante é um dos aspectos mais técnicos e sensíveis da análise de condutas sob a perspectiva do Direito Concorrencial. A delimitação adequada do mercado relevante permite entender a real extensão do poder de mercado e identificar se a conduta pode ter efeitos anticompetitivos.
De acordo com o Guia para Análise de Atos de Concentração Horizontal do CADE, o mercado relevante é dividido em duas dimensões:
1. Mercado relevante do produto
Refere-se aos bens ou serviços que são razoavelmente substituíveis sob a ótica do consumidor, levando-se em conta a elasticidade-preço da demanda. A testagem da substituibilidade pode envolver métodos quantitativos como o SSNIP (Small but Significant, Non-transitory Increase in Price).
2. Mercado relevante geográfico
Diz respeito à área geográfica dentro da qual ocorre a efetiva competição entre as empresas. Podendo variar conforme o setor, a área pode ser local, regional, nacional ou até mesmo internacional.
A correta definição do mercado relevante é estratégica para sustentar jurídica e economicamente uma acusação (ou defesa) por abuso de posição dominante. Sem ela, há risco de decisões desproporcionais ou tecnicamente equivocadas.
Aspectos processuais da investigação de condutas anticompetitivas
A Lei nº 12.529/2011 prevê um trâmite específico para a apuração e julgamento de infrações. Uma vez instaurado o inquérito administrativo, o investigado é formalmente notificado e tem direito à ampla defesa.
Trata-se de procedimento com características inquisitoriais na fase preliminar (inquérito), mas que adquire natureza contenciosa ao se converter em processo administrativo. Durante a tramitação, o investigado pode apresentar memoriais, participar de audiências e propor Termos de Compromisso de Cessação de Conduta (TCCs), com efeitos semelhantes a um acordo de leniência.
Importa observar que decisões do CADE são passíveis de revisão pelo Poder Judiciário, especialmente em casos de ilegalidade ou abuso de poder discricionário.
Direito Concorrencial e as plataformas digitais: novos desafios regulatórios
A digitalização da economia reconfigurou completamente as relações concorrenciais. Empresas que atuam em ambientes de rede, com efeitos de plataforma e modelos de dois lados (two-sided markets), desafiam os conceitos tradicionais utilizados para identificar concentração e dominância.
Além disso, práticas como priorização de serviços próprios, discriminação algorítmica, auto-preferência e restrições de acesso à interface ou dados de usuários podem constituir abusos modernos de posição dominante. O desafio das autoridades antitruste é apurar condutas que muitas vezes não implicam aumento de preço, mas sim exclusão de concorrentes por meio de economias de escopo e controle de dados.
Nesse contexto, cresce a importância da interface entre o Direito Concorrencial e temas como proteção de dados, propriedade intelectual, inovação e novos modelos de negócio. Nas investigações envolvendo ecossistemas digitais, a análise econômica se torna ainda mais relevante para compreender os efeitos dinâmicos das condutas sobre o bem-estar do consumidor.
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Insights Finais
O combate ao abuso de posição dominante exige conhecimento aprofundado sobre mercado relevante, estratégias empresariais e os impactos de condutas aparentemente neutras. Mais do que uma aplicação formal da lei, a atuação nesse campo requer domínio das práticas empresariais, princípios econômicos e jurisprudência especializada.
Dominar o Direito Concorrencial permite ao advogado atuar com segurança em setores estratégicos da economia, seja na prevenção de riscos regulatórios, seja na estruturação de estratégias para defesa em processos administrativos no CADE.
Perguntas e Respostas
1. O que caracteriza uma posição dominante no mercado?
Uma empresa possui posição dominante quando detém poder de mercado suficiente para influenciar, de forma significativa, as condições concorrenciais, especialmente preço, oferta ou acesso ao mercado. A Lei nº 12.529/2011 presume tal posição quando há 20% de participação no mercado relevante, salvo prova em contrário.
2. Abusar da posição dominante é crime?
Não necessariamente é crime, mas constitui infração administrativa prevista no artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, sujeita a sanções econômicas e medidas comportamentais ou estruturais, decididas no âmbito do CADE.
3. Como o CADE define o mercado relevante em uma investigação?
O CADE considera substituibilidade de produtos e a área geográfica onde se dá a competição. Utiliza métodos qualitativos e quantitativos para verificar elasticidade da demanda, padrão de consumo e localização dos agentes econômicos.
4. O que é a venda casada e por que pode ser considerada abuso?
É a prática de condicionar a venda de um produto à aquisição de outro, o que pode excluir concorrentes e limitar a liberdade do consumidor. Quando praticada por agente com poder de mercado, configura abuso vedado pelo artigo 36 da lei concorrencial.
5. Condutas realizadas em plataformas digitais podem ser consideradas abusivas?
Sim. Práticas como priorização de serviços do próprio agente econômico, restrição ao uso de APIs, uso exclusivo de dados e manipulação de resultados de busca podem ser configuradas como abusos de posição dominante, especialmente em mercados de tecnologia ou com forte presença de efeitos de rede.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-11/pedido-de-vista-adia-decisao-sobre-inquerito-contra-o-google-no-cade/.