O crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito na legislação brasileira
Introdução ao conceito
Com a entrada em vigor da Lei nº 14.197/2021, o Código Penal brasileiro passou a abrigar novos dispositivos voltados à proteção das instituições democráticas. Essa norma revogou a antiga Lei de Segurança Nacional (LSN) e inseriu no ordenamento um novo Título XII no Código Penal, dedicado aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Dentre as inovações trazidas, destaca-se o artigo 359-L, que tipifica o crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A previsão representa um marco importante na consolidação das garantias constitucionais frente a ameaças institucionais gravíssimas. A seguir, analisaremos os principais aspectos jurídicos desse tipo penal e suas implicações práticas.
Fundamentação legal do crime de abolição do Estado Democrático de Direito
Redação do artigo 359-L do Código Penal
O artigo 359-L dispõe:
“Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.”
Pena: reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Trata-se de um crime comum, doloso, de forma livre e de conteúdo múltiplo, com previsão de majorante em caso de emprego de violência. Seu bem jurídico tutelado é o propriamente político: a estrutura e a estabilidade do regime democrático constitucionalmente estabelecido.
Aspectos objetivos do tipo penal
O verbo “tentar” revela que o tipo penal exige o emprego de atos concretos com potencial de resultar na abolição do Estado Democrático de Direito. A exigência de violência ou grave ameaça delimita o núcleo do comportamento punível. Não se trata, portanto, de punir simples manifestações de opinião dissidente quanto ao regime democrático, mas sim condutas com potencial real de comprometê-lo.
Além disso, o tipo penal exige como resultado que se impeça ou restrinja o exercício de quaisquer dos poderes constitucionais — Executivo, Legislativo ou Judiciário. A tentativa de cerceamento da atuação independente de qualquer desses poderes pode tipificar o delito.
Elementares subjetivas do tipo
A conduta exige dolo direto, com a intenção deliberada de abolir ou restringir o funcionamento do Estado democrático. Não se admite a modalidade culposa. Também não é necessário que a finalidade seja concretamente atingida — basta que o agente tenha como objetivo a concretização do resultado antijurídico.
Nesse ponto, o dolo se diferencia de condutas meramente inconsequentes ou retóricas exacerbadas que, embora eventualmente reprováveis do ponto de vista ético ou político, não configuram esse delito se desprovidas do elemento subjetivo qualificado pela finalidade antidemocrática.
Conexão com outros tipos penais
Esse tipo penal pode ser cometido em concurso com outros crimes, como organização criminosa (Lei nº 12.850/2013), ameaça (art. 147 do CP), incitação ao crime (art. 286 do CP), entre outros. Em determinadas hipóteses, pode haver também configuração de crimes contra as instituições militares (Código Penal Militar) ou mesmo atos de terrorismo conforme a Lei nº 13.260/2016, desde que estejam preenchidos os requisitos típicos.
Natureza jurídica e estrutura dogmática
Classificação do tipo penal
O artigo 359-L configura crime formal, pois a consumação ocorre com a tentativa real e não exige que a abolição ou restrição se perfeita de fato. Isto é, trata-se de um daqueles delitos em que o perigo concreto à ordem democrática se considera suficiente para a repressão penal.
Ademais, o tipo é plurissubsistente — admite-se, portanto, sua fracionabilidade, o que autoriza medidas cautelares durante a sua execução, como interceptações telefônicas e buscas e apreensões com fundamento no art. 240 do CPP, desde que respeitados os requisitos legais.
Consumação e tentativa
O crime se consuma com o início da tentativa, ou seja, com atos concretos iniciadores do processo de subversão da ordem democrática, desde que realizados com violência ou grave ameaça. Isso reforça a previsão da norma quanto ao aspecto do perigo concreto para a efetiva atuação dos legitimados institucionais.
Por ser crime formal, admite tentativa. Também admite coautoria e participação, nos termos dos artigos 29 e 30 do CP.
Aplicação prática e desafios probatórios
O papel das provas e da intenção subjetiva
Uma das principais complexidades no processo penal envolvendo esse tipo penal reside na delicada tarefa de comprovar o dolo específico. Não basta demonstrar que houve mobilização ou manifestações agressivas dirigida contra instituições democráticas — é necessário comprovar que o agente efetivamente pretendia abolir, derrubar ou restringir o funcionamento do Estado Democrático de Direito.
Neste ponto, o conjunto probatório deve reunir documentos, áudios, vídeos, comunicações, estruturadas orquestrações ou outros elementos materiais que demonstrem a finalidade da conduta. A análise do contexto da ação coletiva também é relevante.
Essa complexidade exige que o profissional do Direito — especialmente o advogado criminalista — atue com elevado grau de preparo técnico e conhecimento aprofundado da teoria do crime. Nesse sentido, recomenda-se o aprofundamento teórico por meio de formações específicas como a Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado.
Conteúdo jurídico da defesa
Na estratégia defensiva, além da contestação da materialidade e autoria, é possível concentrar esforços na demonstração da ausência de dolo específico, na desclassificação para tipos penais menos gravosos ou na impugnação da narrativa de violência ou grave ameaça.
Outro caminho possível é a tese de atipicidade material com base nos postulados constitucionais da liberdade de expressão e de manifestação política. A ponderação entre os direitos fundamentais e os bens jurídicos penais deve ser abordada com amadurecimento dogmático, inclusive diante do princípio da intervenção mínima.
A importância da proteção ao Estado Democrático sob a ótica constitucional
Fundamento constitucional da tipificação penal
O artigo 1º da Constituição Federal elenca como um de seus fundamentos a soberania popular, exercida por meio do sufrágio e das liberdades políticas. O art. 34, inciso I, estabelece a intervenção federal para “manter a integridade nacional”, enquanto o inciso III prevê a intervenção diante da “ameaça ao livre exercício dos Poderes”.
A previsão legal do artigo 359-L do Código Penal se harmoniza com esse fundamento, ao oferecer proteção penal qualificada contra movimentos que pretendam desestruturar os alicerces institucionais estabelecidos democraticamente.
A jurisprudência sobre o tema
Embora recente, há movimentações jurisprudenciais no STJ e STF consolidando alguns pilares hermenêuticos em relação ao novo tipo penal. Em especial, tem-se reforçado a ideia de que o direito penal deve atuar diante de riscos reais e objetivos à ordem democrática, observando os limites do devido processo legal, da presunção de inocência e da liberdade política como núcleo de direitos fundamentais.
Papel institucional do advogado
O operador do Direito deve compreender que, em temas penalmente sensíveis como este, seu papel transcende o litígio processual. O advogado é também um agente de defesa da Constituição. Para tanto, exige-se preparo técnico sólido e atualização constante.
Nesse contexto, cursos especializados como a Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado oferecem as ferramentas necessárias para uma atuação consciente, ética e tecnicamente bem fundamentada.
Conclusão
A tipificação penal da tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito representa uma resposta concreta do legislador à necessidade de proteção das instituições democráticas. Contudo, sua aplicação deve observar limites estreitos traçados pela legalidade estrita, pela tipicidade e pelo respeito aos direitos fundamentais. O desafio técnico imposto a juristas é considerável — e requer domínio de conceitos sólidos, técnicas de argumentação penal e sensibilidade constitucional.
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Insights finais
Adquirir domínio sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito é essencial para qualquer profissional do Direito Penal no atual cenário jurídico e político brasileiro.
A configuração adequada da elementar subjetiva do tipo requer estudo aprofundado sobre dolo, iter criminis e finalidade específica.
O uso combinado de provas documentais, periciais e testemunhais torna-se chave na comprovação ou refutação de tais delitos em juízo.
As teses defensivas devem estar embasadas em doutrina sólida e análise sistêmica do ordenamento.
A qualificação do advogado criminalista passa necessariamente pela constante atualização e aprofundamento técnico.
Perguntas e respostas
1. O que caracteriza a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito?
A tentativa é configurada quando o agente exerce atos concretos de violência ou grave ameaça com o objetivo de abolir ou restringir o funcionamento regular dos poderes constitucionais, mesmo que não consiga alcançar esse resultado.
2. É necessário que a abolição do Estado ocorra de fato para que o crime esteja configurado?
Não. Por se tratar de crime formal, a consumação ocorre com o início dos atos executórios, desde que evidenciado o dolo específico e o emprego de violência ou grave ameaça.
3. O que diferencia esse crime de manifestações protegidas pela liberdade de expressão?
A linha divisória está no uso de violência ou ameaça e na intenção clara de eliminar ou restringir o funcionamento dos poderes democráticos. Manifestações pacíficas ou críticas institucionais, ainda que contundentes, não se encaixam nesse tipo penal.
4. Existe concurso possível com outros crimes?
Sim, o delito pode ser praticado em concurso com crimes como organização criminosa, incitação ao crime, ameaça, dano ao patrimônio público, entre outros, a depender do caso concreto.
5. Advogados podem atuar na defesa nesses casos mesmo que discordem do conteúdo das manifestações dos réus?
Sim. A atividade da defesa criminal não se confunde com o endosso das ideias do acusado. É missão constitucional do advogado garantir o direito à ampla defesa, independentemente de suas convicções pessoais.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14197.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-10/interrogado-por-alexandre-bolsonaro-diz-que-nao-houve-clima-para-golpe/.