A responsabilidade dos planos de saúde frente aos procedimentos médicos de alta complexidade
Introdução ao regime jurídico dos planos de saúde
O setor de saúde suplementar, regulado principalmente pela Lei nº 9.656/98, tem despertado atenção crescente da comunidade jurídica em razão dos frequentes conflitos entre usuários e operadoras de plano de saúde. Um dos pontos mais controversos reside na cobertura de procedimentos de alta complexidade ou custo elevado, especialmente quando não estão listados expressamente no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Para advogados que atuam na área da saúde, do consumidor e do direito civil, é essencial compreender não só o marco regulatório da saúde suplementar, mas também os princípios constitucionais e infraconstitucionais que balizam a responsabilidade dos planos quanto ao custeio de procedimentos terapêuticos, diagnósticos e cirúrgicos.
Rol de Procedimentos da ANS: natureza exemplificativa ou taxativa?
O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, atualizado periodicamente pela ANS por meio de resoluções normativas, define uma lista mínima de coberturas obrigatórias pelos planos privados. Historicamente, havia grande debate sobre o caráter desse rol: seria ele meramente exemplificativo ou taxativo?
O marco do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do EREsp 1.886.929/SP, conferiu prevalência, como regra, à taxatividade do rol. No entanto, o mesmo julgamento previu hipóteses excepcionais em que procedimentos não constantes do rol podem ser considerados de cobertura obrigatória, desde que atendidos critérios como a inexistência de substituto terapêutico, recomendação por órgãos técnicos e autorização expressa do médico assistente.
Esse debate é central para a atuação em defesa dos consumidores e para a própria compreensão dos limites contratuais das operadoras de plano de saúde.
Direito à saúde e dignidade da pessoa humana: fundamentos constitucionais
A Carta Magna, em seu artigo 6º, reconhece a saúde como direito social. Já o artigo 196 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas econômicas e sociais.
Embora os planos de saúde sejam entidades privadas, exercem função social ao fornecerem acesso à saúde aos contratantes, suplementando a atuação estatal. Deste modo, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da proteção à vida (art. 5º, caput), bem como os direitos dos consumidores (art. 5º, XXXII e art. 170, V), devem irradiar efeitos sobre a interpretação contratual no Direito da Saúde.
Assim, cláusulas que, mesmo válidas em tese, gerem desequilíbrio ou comprometam o direito fundamental à saúde, tendem a ser relativizadas pelo Judiciário, em consonância com os postulados constitucionais.
Transplantes simultâneos e procedimentos correlatos: a indivisibilidade terapêutica
Procedimentos como transplantes combinados (por exemplo, rim e pâncreas) trazem desafios específicos, inclusive pela natureza complexa, multidisciplinar e de alto custo da intervenção. Frequentemente, os contratos de plano de saúde mencionam cobertura restrita ou condicionada de transplantes, além de excluir procedimentos acessórios, insumos médico-hospitalares ou acompanhamento ambulatorial.
Ocorre que, ao tratar-se de transplantes conjugados, há uma indivisibilidade terapêutica entre as partes envolvidas no procedimento. É dizer: não é funcionalmente possível dissociar o transplante de rim do de pâncreas quando a indicação médica é que ambos ocorram simultaneamente, por estarem interligados pela necessidade clínica.
Negar cobertura ao procedimento como um todo, sob a justificativa de exclusão parcial de um dos transplantes, fere o princípio da integralidade da assistência médica – princípio extraído do próprio conceito de tratamento adequado e eficaz, conforme previsto na Lei dos Planos de Saúde (art. 10) e reforçado pelo Código de Defesa do Consumidor (arts. 6º e 51).
Essa compreensão tem se consolidado na jurisprudência, ao reconhecer que se a doença está coberta, o tratamento necessário para combatê-la também deve estar – inclusive quando envolva procedimentos interdependentes.
Cláusulas limitativas e abusividade contratual
Cláusulas contratuais limitadoras de cobertura são válidas, desde que estejam redigidas de forma clara, destacadas no contrato e não contrariem a boa-fé objetiva, o equilíbrio contratual e os direitos fundamentais do consumidor.
A abusividade surge quando as restrições contratuais colocam o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV e §1º, do CDC), ferem a função social do contrato (art. 421 do Código Civil) ou negam o objeto essencial do contrato – no caso, o acesso à saúde.
Importante salientar que cláusula que exclui determinado tipo de procedimento, que é parte essencial de um tratamento autorizado, pode ser considerada nula de pleno direito. A jurisprudência do STJ tem reiterado esse entendimento em diversas demandas envolvendo cobertura de medicamentos de alto custo, internação em UTI especializada e transplantes.
Jurisdição e tutela judicial das obrigações médicas das operadoras
O Judiciário tem exercido papel relevante na definição dos limites e alcances das obrigações dos planos de saúde. São frequentes as ações de obrigação de fazer, cumuladas com pedidos de tutela de urgência, exigindo o custeio de procedimentos emergenciais ou tratamentos de alto custo.
Para a concessão de tutela antecipada, o autor precisa demonstrar dois requisitos centrais: a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil.
A apresentação de relatório médico detalhado, que recomende o procedimento e descreva a urgência e a ausência de alternativa terapêutica eficaz, é elemento chave para a procedência do pedido e deferimento liminar.
Advogados que atuam nesta área devem estar familiarizados com o manejo de provas técnicas, relatórios clínicos e debates sobre a eficácia de determinados tratamentos – além do domínio doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.
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Aspectos processuais relevantes
Além dos fundamentos de mérito, as ações contra planos de saúde exigem atenção às regras processuais. A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, VIII, do CDC, pode ser pleiteada quando o consumidor, por hipossuficiência técnica, não consegue demonstrar fatos em relação aos quais o fornecedor detém maior capacidade probatória.
Outro ponto importante é a legitimidade passiva da operadora, ainda que o hospital ou médico terceirizado tenham relação com a execução do serviço. A operadora é responsável direta, inclusive nas hipóteses de falha do serviço prestado por seus credenciados (responsabilidade objetiva solidária, segundo interpretação do artigo 14 do CDC).
Em alguns casos de negativa de cobertura, é também possível discutir danos morais, desde que demonstrado abalo psíquico relevante, sofrimento injustificado ou agravamento do quadro de saúde em razão da recusa indevida.
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Insights para profissionais do Direito
Aprofundamento em Direito Médico-Hospitalar é estratégico
Diante da crescente judicialização da saúde, o domínio técnico-jurídico das obrigações dos planos de saúde tem se tornado uma vantagem competitiva no exercício da advocacia especializada. Isso implica conhecer não apenas normas regulatórias e civis, mas também aspectos processuais, médicos e até bioéticos.
A interdisciplinaridade é chave
Conhecimentos em medicina baseada em evidências, bioética e regulação econômica enriquecem a atuação do jurista nesse setor. A ponte entre Direito e Ciência da Saúde se mostra transversal e complexa, exigindo atualização constante.
A jurisprudência como fonte dinâmica
Dado o ritmo em que novas tecnologias médicas são incorporadas à prática clínica, e a demora na atualização do rol da ANS, a jurisprudência exerce um papel fundamental de controle de legalidade e proteção de direitos fundamentais.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Planos de saúde são obrigados a cobrir qualquer tipo de transplante?
Não necessariamente. Os planos são obrigados a cobrir os procedimentos previstos em contrato e no rol da ANS, mas há exceções quando existe indicação médica justificada, ausência de alternativa terapêutica e caráter emergencial do tratamento.
2. O que caracteriza a abusividade na negativa de cobertura?
A abusividade pode ocorrer quando há negativa injustificada para procedimento essencial ao tratamento, exclusão sensível sem alternativa eficaz, cláusulas ambíguas ou que desequilibrem a relação contratual em prejuízo ao consumidor.
3. Qual o papel do relatório médico em ações contra negativas de cobertura?
O relatório médico é a principal prova documental dos autos, podendo comprovar a necessidade, urgência e legitimidade da indicação terapêutica, além de fundamentar a concessão de antecipação de tutela.
4. E se o procedimento for experimental ou não registrado na ANVISA?
Ainda que necessário, se o procedimento for experimental ou não tiver registro sanitário, é possível que o Judiciário não reconheça obrigação de cobertura, salvo em contextos muito específicos. Cada caso depende de análise técnica e individualizada.
5. Planos de saúde podem limitar a cobertura de materiais e insumos em cirurgias?
A princípio, não podem excluir insumos necessários para a plena realização de procedimentos cobertos. A exclusão de materiais essenciais ao êxito do tratamento é considerada abusiva por ampla jurisprudência.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm
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Este artigo foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de uma fonte e teve a curadoria de Fábio Vieira Figueiredo. Advogado e executivo com 20 anos de experiência em Direito, Educação e Negócios. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP, possui especializações em gestão de projetos, marketing, contratos e empreendedorismo. CEO da IURE DIGITAL, cofundador da Escola de Direito da Galícia Educação e ocupou cargos estratégicos como Presidente do Conselho de Administração da Galícia e Conselheiro na Legale Educacional S.A.. Atuou em grandes organizações como Damásio Educacional S.A., Saraiva, Rede Luiz Flávio Gomes, Cogna e Ânima Educação S.A., onde foi cofundador e CEO da EBRADI, Diretor Executivo da HSM University e Diretor de Crescimento das escolas digitais e pós-graduação. Professor universitário e autor de mais de 100 obras jurídicas, é referência em Direito, Gestão e Empreendedorismo, conectando expertise jurídica à visão estratégica para liderar negócios inovadores e sustentáveis.
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