A perda superveniente do objeto e os contratos envolvendo ativos digitais
O cenário jurídico brasileiro tem sido gradualmente desafiado por novas realidades econômicas e tecnológicas — entre elas, os ativos digitais, como criptomoedas e tokens. A volatilidade extrema desse tipo de ativo levanta questões importantes quando confrontada com institutos clássicos do Direito Contratual e Processual Civil, como a perda superveniente do objeto.
Neste artigo, aprofundamos a análise jurídica da perda superveniente do objeto em contextos envolvendo ativos digitais, explorando seus fundamentos normativos, enfrentamentos jurisprudenciais e aplicações práticas, especialmente na advocacia empresarial e contratual.
O que é a perda superveniente do objeto?
A perda superveniente do objeto ocorre quando, após o início de um processo judicial, o bem jurídico ou situação de fato discutida sofre uma alteração que a torna impossível, inútil ou sem propósito. Essa condição leva à extinção do processo sem resolução de mérito, conforme disposto no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil (CPC):
“Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (…) VI – verificar que desapareceu o objeto da ação.”
Este instituto guarda relação próxima com o princípio da utilidade do processo, proibindo que o Judiciário decida sobre controvérsias meramente teóricas ou que tenham perdido relevância prática.
Impacto da volatilidade dos ativos digitais nos contratos
A alta volatilidade dos ativos digitais adiciona uma camada de complexidade significativa à estruturação e execução de contratos. Ativos como criptomoedas ou tokens variam de valor drasticamente em curtos espaços de tempo, o que expõe as partes contratantes a riscos substanciais de desequilíbrio econômico ou até inviabilidade do objeto contratual.
Um contrato que estipule pagamento em um ativo digital pode, com a flutuação desse ativo, tornar-se economicamente irracional, provocar inadimplementos ou mesmo causar a perda de interesse de uma das partes. Esse cenário pode gerar o desaparecimento do interesse processual — ou seja, a perda superveniente do objeto — especialmente em ações que envolvam cobrança, execução, obrigação de fazer ou revisar cláusulas contratuais lastreadas nesses ativos.
Risco de inutilidade da tutela jurisdicional
Para que um processo judicial tenha propósito, é necessário que a decisão judicial sobre ele gere efeitos concretos. Com o desaparecimento do objeto, o processo se torna inútil.
Por exemplo, suponha-se uma ação que vise a entrega de tokens digitais referentes a um protocolo de investimento coletivamente descontinuado — o resultado da sentença, mesmo que favorável, não produziria os efeitos esperados pela parte, visto que os ativos já não existem ou tornaram-se irrecuperáveis do ponto de vista econômico. Nessa hipótese, o Judiciário pode extinguir o processo por perda superveniente do objeto.
Interseções com teoria da imprevisão e onerosidade excessiva
Muitos contratos envolvendo ativos digitais exigem uma leitura detida dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva. Quando eventos extraordinários e imprevisíveis tornam o cumprimento desproporcional ou economicamente ruinoso para uma das partes, a revisão ou resolução contratual pode ser buscada com fundamento na cláusula rebus sic stantibus, prevista no artigo 478 do Código Civil:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.”
Nesses casos, além da revisão do contrato, pode surgir também a possibilidade da perda superveniente do objeto no processo judicial decorrente do pacto inadimplido.
A inutilidade ou inviabilidade da execução como forma de extinção
Imagine uma obrigação de entregar determinada quantidade de criptomoedas ou tokens que desapareceu dos sistemas de blockchain por ataque cibernético. Mesmo com ganho de causa, o exequente não terá como obter o bem pretendido.
Discutem-se, então, hipóteses em que a obrigação se transforma em um adimplemento impossível, tornando o objeto da ação inexistente — o que fundamentaria a extinção do feito por perda superveniente do objeto. Nestes casos, é importante ponderar sobre meios alternativos de reparação e a possibilidade de conversão da obrigação originalmente pactuada.
Efeitos processuais da perda superveniente do objeto
Ao ser identificada a perda superveniente do objeto, cabe ao juiz reconhecer essa circunstância de ofício ou a requerimento das partes, extinguindo o processo com base no art. 485, VI do CPC.
Essa extinção se dá sem resolução de mérito, razão pela qual não impede novo ajuizamento da ação, desde que se restabeleça a utilidade da tutela jurisdicional. O reconhecimento da perda do objeto, contudo, pode trazer efeitos relevantes relacionados aos ônus sucumbenciais e à possibilidade de litigância de má-fé, se a parte insistir na continuidade do feito mesmo diante da evidência de sua inutilidade.
Insegurança jurídica e boas práticas para prevenir litígios envolvendo ativos digitais
Atualmente, o vácuo regulatório envolvendo ativos digitais no Brasil contribui para a insegurança jurídica. A ausência de regras específicas sobre a equivalência legal desses ativos, sua tributação e tratamento contratual reforça a necessidade de cautela em sua utilização.
Profissionais do Direito devem participar ativamente da estruturação contratual ao lidar com esses ativos, empregando cláusulas que acomodem as oscilações de mercado e busquem antecipar os riscos de frustração contratual, perda do objeto, ou assimetria nas prestações.
O estudo aprofundado das estruturas de contratos modernos, especialmente em contextos como operações de M&A que envolvem ativos digitais como pagamento, é crucial. Por isso, cursos especializados como a Certificação Profissional em Aspectos Financeiros de M&A: Análise, Avaliação e Estruturação fornecem visão prática e estratégica aos operadores do Direito na nova economia digital.
O papel do advogado em cenários voláteis e tecnológicos
Frente a contratos suscetíveis à desvalorização extrema de ativos, cabe ao advogado atuar preditivamente e não apenas reativamente.
Isso significa não só desenhar contratos com cláusulas robustas de revisão, indexação e resiliência, mas também adotar medidas preventivas que mitiguem o risco da perda do objeto nos litígios, como garantias complementares, pactos de contingência e mecanismos alternativos de cumprimento da obrigação.
Além disso, deve-se acompanhar a evolução de jurisprudência nacional e estrangeira, sobretudo de países que já enfrentaram com maior densidade os litígios envolvendo ativos digitais. Essa análise comparada habilita a proposição de teses mais criativas e tecnicamente embasadas em favor dos clientes.
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Insights finais
Com a ascensão dos ativos digitais como elementos estruturais de contratos, é inevitável o surgimento de novos paradigmas jurídicos. A perda superveniente do objeto surge como elemento central em litígios que lidam com obrigações baseadas nesses ativos voláteis.
A função do Direito, mais do que solucionar disputas já ocorridas, é fornecer segurança previsível ao desenvolvimento econômico. Para isso, é fundamental que os operadores do Direito compreendam profundamente os institutos processuais aplicáveis, assim como as dinâmicas financeiras subjacentes às novas tecnologias.
Perguntas e respostas frequentes (FAQ)
1. A volatilidade de ativos digitais pode, por si só, justificar a extinção do processo por perda superveniente do objeto?
Não necessariamente. A extinção exige a comprovação de que a flutuação inviabilizou completamente a utilidade da decisão judicial. Meras oscilações de mercado não são suficientes; é necessário demonstrar a perda de eficácia da prestação.
2. Como prevenir riscos de perda do objeto em contratos com ativos digitais?
Incluindo cláusulas contratuais de contingência, previsão de substituição da forma de pagamento em caso de oscilação extrema, e garantias alternativas que possam ser exigidas judicialmente.
3. A perda superveniente do objeto impede nova ação sobre o mesmo tema?
Não. Como a decisão é sem resolução de mérito, a parte pode propor nova demanda caso as circunstâncias que justificaram a extinção se alterem.
4. O que diferencia a perda do objeto da resolução do contrato por onerosidade excessiva?
A perda do objeto é uma questão processual decorrente da inutilidade da tutela jurisdicional. Já a resolução por onerosidade excessiva é uma medida substancial no âmbito contratual que visa dissolver o contrato com base em desequilíbrio superveniente.
5. Quais documentos ou provas são relevantes para demonstrar a perda do objeto no processo?
Prova da impossibilidade de cumprimento do objeto, extratos do mercado mostrando desvalorização extrema, encerramento de tokens pelo emissor, e qualquer outro elemento que evidencie a inviabilidade substancial da prestação originalmente pactuada.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art485
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-ago-02/volatilidade-dos-ativos-digitais-e-perda-superveniente-do-objeto-no-direito-digital/.