Responsabilidade Civil e Penal na Era das Deepfakes: Desafios Jurídicos Atuais
O avanço da tecnologia e o surgimento das deepfakes
O desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial criou possibilidades até então inimagináveis. Um dos fenômenos mais notórios é o das deepfakes — vídeos ou áudios manipulados digitalmente com altíssimo grau de realismo, a ponto de simular falas e comportamentos de pessoas reais.
Embora inovadoras, essas tecnologias desafiam de forma significativa os sistemas jurídicos contemporâneos, principalmente no que tange à responsabilidade civil, penal e à proteção da personalidade.
Direito da personalidade e a proteção da imagem
O direito da personalidade, previsto nos artigos 11 a 21 do Código Civil, assegura a proteção contra qualquer uso indevido da imagem, honra, nome e vida privada. A manipulação de imagens e vozes humanas para criar conteúdos falsificados, como ocorre com as deepfakes, configura evidente violação ao direito de imagem (art. 20 do CC), sobretudo quando há ofensa à honra, dignidade ou exposição indevida da pessoa envolvida.
Conforme estabelecido pelo artigo 20 do Código Civil:
“Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
A disseminação de deepfakes, sobretudo se empregadas de forma fraudulenta, pode comprometer a reputação de indivíduos e ensejar sanções civis, com direito à reparação por danos morais e materiais.
Implicações penais das deepfakes
Ao adentrarmos a esfera penal, considera-se a criação e divulgação de deepfakes como conduta potencialmente típica, a depender do conteúdo e da intenção do agente. O Código Penal Brasileiro prevê diversos tipos penais que podem se adequar a essas condutas, como calúnia (art. 138), difamação (art. 139), injúria (art. 140), bem como falsidade ideológica (art. 299) e estelionato (art. 171), especialmente se houver intenção de obter vantagem ilícita.
A depender do contexto, pode-se argumentar inclusive a ocorrência de crimes informáticos e de falsificação de documento audiovisual, ainda que não expressamente tipificado. Nessas situações, a analogia com tipos existentes ou a aplicação da Lei nº 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann), que trata da invasão de dispositivos eletrônicos e outros crimes digitais, pode ser acolhida.
A título de exemplo, se um deepfake for utilizado para criar um vídeo fraudulento prometendo benefícios em nome de determinada pessoa, estaríamos diante de crime de estelionato digital. A responsabilização depende, contudo, da adequada comprovação do dolo, da materialidade e da autoria.
Responsabilidade civil objetiva das plataformas digitais
Outro questionamento importante se refere à responsabilidade dos intermediários — no caso, as plataformas de compartilhamento de vídeos e redes sociais. A princípio, essas empresas possuem responsabilidade subjetiva, nos termos do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), especialmente no art. 19, que dispõe:
“O provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.”
Ou seja, as plataformas devem remover os conteúdos após ordem judicial, sob pena de responsabilização. A jurisprudência brasileira tem aplicado consistentemente esse dispositivo, tanto em casos de ofensa à honra quanto em violações a direitos autorais e de imagem.
Entretanto, a doutrina e parte da jurisprudência já discutem a possibilidade de uma responsabilidade mais robusta — inclusive objetiva — quando há omissão reiterada dessas plataformas, ou nos casos em que o conteúdo é evidentemente ilícito, sendo possível a sua retirada com base no dever geral de cautela.
Aspectos da prova na litigância envolvendo deepfakes
Litígios que envolvem conteúdos manipulados digitalmente enfrentam grandes desafios no campo da prova. Estabelecer a veracidade ou falsidade de vídeos e áudios exige perícia técnica em nível elevado, com recursos forenses digitais especializados, os quais ainda são escassos no Brasil.
Além disso, existe o problema correlato da inversão do ônus da prova. Em ações civis, poderá ser aplicada a Teoria da Aparência ou mesmo a inversão do ônus da prova com base no art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, caso seja verificada a existência de relação de consumo ou hipossuficiência técnica da parte.
A disseminação de deepfakes também exige atuação proativa pelo advogado, tanto na obtenção de provas preservadas digitalmente (print, hash de arquivos, blockchain, etc.), quanto no preparo para impugnar laudos e perícias de forma detalhada, com base técnica.
Nessa seara, o profissional do Direito precisa dominar aspectos complexos sobre tecnologia, valoração da prova digital e teoria da responsabilidade — civil e penal. Para isso, recomenda-se fortemente buscar formação complementar em áreas correlatas. A Pós-Graduação em Direito e Novas Tecnologias é uma excelente oportunidade para aprofundar esses conhecimentos e ganhar vantagem competitiva na advocacia moderna.
Liminares e tutela de urgência em casos de conteúdo manipulado
Diante da velocidade vertiginosa com que os conteúdos digitais se disseminam, a atuação judicial deve ser célere e eficaz. Para tanto, a concessão de tutela de urgência — seja de natureza cautelar ou antecipada — torna-se medida essencial.
O art. 300 do Código de Processo Civil estabelece os requisitos para o deferimento da tutela de urgência: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Tais requisitos são facilmente demonstráveis em casos de deepfakes ofensivas disseminadas na internet, considerando o elevado potencial de difusão viral e de danos irreparáveis à imagem do afetado.
Tribunais têm se mostrado receptivos a pedidos liminares de remoção de conteúdo, desde que bem fundamentados e com apresentação de indícios técnicos da falsidade da mídia. É desejável que tais pedidos sejam acompanhados de laudos técnicos preliminares, quando disponíveis, ou pelo menos pareceres emitidos por especialistas em mídia digital.
A importância da atuação proativa do Ministério Público e órgãos reguladores
Além da atuação privada, situações que envolvem a criação e disseminação de conteúdos deepfake — sobretudo com potencial de enganar o público em larga escala ou de comprometer políticas públicas — demandam atuação do Ministério Público, enquanto fiscal da ordem jurídica, e de agências reguladoras ou órgãos independentes, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
A atuação articulada entre o Judiciário, o sistema de justiça e instâncias reguladoras pode contribuir para a rápida retirada de conteúdos indevidos, responsabilização adequada dos envolvidos e, acima de tudo, a promoção de ambientes digitais mais seguros e éticos.
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Insights para o profissional do Direito
1. Interdisciplinaridade é essencial
Casos envolvendo deepfakes exigem domínio não apenas do Direito, mas também de fundamentos tecnológicos e de técnicas forenses digitais. O cruzamento entre Direito e tecnologia será cada vez mais relevante nos litígios do futuro.
2. A perícia digital ganha protagonismo
Advogados precisam conhecer método e limites da prova pericial digital. Saber como usar laudos técnicos, blockchain, metadados de arquivos e certificações digitais pode ser decisivo na construção ou refutação de uma tese.
3. A jurisprudência está em construção
Estamos diante de um tema novo, ainda sem jurisprudência consolidada. Por isso, o pushing argumentativo é fundamental. Advogados devem se preparar para litigar em terreno fértil à inovação jurídica.
4. A proteção da personalidade se amplia
O direito à imagem, ao nome e à voz se fortalece como eixo de resistência às manipulações tecnológicas. A jurisprudência tende a reconhecer padrões mais protetivos diante de abusos cada vez mais sofisticados.
5. A responsabilidade de intermediários digitais será questionada
O modelo atual baseado exclusivamente em notificação judicial pode se mostrar insuficiente. A tendência mundial é exigir maior responsabilidade proativa das plataformas para conter abusos sistêmicos.
Perguntas e respostas comuns sobre deepfakes e responsabilidade jurídica
1. A criação de um deepfake é crime, mesmo que não seja divulgado?
Não necessariamente. A simples criação pode não configurar crime, a depender do conteúdo e da ausência de dolo específico. Contudo, a divulgação com intenção de enganar ou causar dano pode ensejar tanto ilícito penal quanto civil.
2. Posso pedir danos morais por um vídeo falso que usou minha imagem?
Sim. O artigo 20 do Código Civil autoriza expressamente a responsabilização por uso indevido de imagem, especialmente quando esse uso gera prejuízo à honra ou é feito com finalidade comercial indevida.
3. As plataformas devem retirar deepfakes ofensivos mesmo sem ordem judicial?
Segundo o Marco Civil da Internet, não. Contudo, se o conteúdo for obviamente ilícito (ex: nudez não consensual), há precedentes que impõem a retirada imediata por parte das plataformas, sob pena de responsabilidade civil.
4. Existe legislação específica sobre deepfakes no Brasil?
Ainda não. No entanto, há projetos de lei em tramitação. Por ora, o ordenamento depende da aplicação analógica das normas civis, penais e do Marco Civil da Internet.
5. Qual o melhor caminho para atuar profissionalmente com esses temas?
O aprofundamento técnico é essencial. Cursos como a Pós-Graduação em Direito e Novas Tecnologias são ótimos pontos de partida para uma atuação estratégica e altamente especializada.
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Acesse a lei relacionada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilado.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-19/juiz-manda-remover-videos-com-deepfakes-de-drauzio-varella-usados-em-fraudes/.