Litigância predatória reversa e a autonomia das partes na conciliação: limites e desafios
Introdução ao fenômeno da litigância predatória reversa
No cenário jurídico contemporâneo, tem ganhado espaço o debate sobre uma nova faceta nociva do uso estratégico do processo: a chamada litigância predatória reversa. Se, na litigância predatória tradicional uma parte judicializa demandas em massa para pressionar economicamente seu oponente ou obter ganhos fáceis via acordo, a modalidade “reversa” consiste no ajuizamento de ações por quem, de fato, é devedor ou frágil na causa, com o único intuito de forçar acordos mediante a criação de risco reputacional ou financeiro para a outra parte.
Esse tipo de conduta jurídica contamina o instituto da conciliação – um dos pilares do acesso à justiça moderna – ao transformar um mecanismo cooperativo em instrumento de coação. A litigância predatória reversa desafia diretamente os princípios da boa-fé objetiva, da lealdade processual e da função social do processo.
A funcionalidade da conciliação no modelo cooperativo de processo
A conciliação, no CPC de 2015, ocupa papel destacado. Ela é valorizada expressamente nos artigos 3º, §2º e 334, buscando priorizar soluções consensuais e céleres sempre que possível. Trata-se de verdadeiro corolário do princípio da cooperação e da efetividade da tutela jurisdicional.
Por sua natureza, a conciliação pressupõe autonomia das partes, voluntariedade e boa-fé. O acordo judicial é manifestação de vontade negociada, livre e consciente. Assim, qualquer vício que pressuponha coação, dolo ou abuso de direito compromete a validade do ajuste.
Contudo, nos casos de litigância predatória reversa, a conciliação passa a ser instrumentalizada como ameaça: o demandante utiliza o ajuizamento deliberado, não com vistas à obtenção de provimento jurisdicional legítimo, mas para forçar acordos rápidos, evitando riscos processuais para o réu.
Abuso do direito de ação e má-fé processual
Juridicamente, a litigância predatória reversa pode configurar abuso do direito de ação. Segundo o artigo 187 do Código Civil, comete ato ilícito aquele que, ao exercer um direito, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela função social.
No plano processual, o artigo 80 do CPC elenca condutas que caracterizam litigância de má-fé, entre elas, interpor ação com intuito tumultuário, utilizar o processo com objetivo ilegal e provocar incidentes infundados. A parte que incorre nessas condutas pode ser penalizada com multa, indenização e até responsabilização disciplinar ou criminal, conforme o caso.
A utilização do Judiciário como estratégia de chantagem jurídica, ainda que sob a fachada de exercício regular de um direito, constitui desvio grave da função do processo. Ao alinhar-se a objetivos alheios ao mérito da demanda, o ajuizamento perverso compromete os fundamentos do Estado de Direito.
Autonomia da vontade e seus limites na conciliação
O princípio da autonomia privada é basilar no Direito Civil e norteia, também, a prática da conciliação no processo. No entanto, tal autonomia não é absoluta. Diversas normas jurídicas impõem limites materiais e formais à validade dos acordos.
Na seara processual, o artigo 190 do CPC permite que as partes estipulem convenções processuais, desde que não impliquem na renúncia absurda de direitos e não violem normas de ordem pública. Já o artigo 200 prevê que o juiz pode deixar de homologar acordo que entenda contrário aos preceitos legais ou aos direitos indisponíveis.
Logo, nos casos em que a conciliação nasce viciada por coação moral, pressão desproporcional ou ameaça econômica decorrente do ingresso artificial de demandas, o Judiciário pode (e deve) intervir para frear abusos. Esse é o ponto de equilíbrio entre a autonomia das partes e a função protetiva do Estado.
Instrumentos para coibir a litigância predatória reversa
A contenção da litigância predatória reversa exige atuação coordenada dos operadores do Direito. Juízes, advogados, membros do MP e conciliadores devem estar atentos às práticas que degradam o valor processual da conciliação. Alguns mecanismos jurídicos importantes incluem:
1. Indeferimento liminar das petições iniciais abusivas
Conforme o art. 330 do CPC, o juiz pode indeferir a petição inicial manifestamente improcedente ou que configure abuso notório do direito de ação. Analisar a plausibilidade jurídica mínima da fundamentação é passo decisivo para impedir o uso do Judiciário como meio de intimidação.
2. Fixação de multa por litigância de má-fé
O art. 81 do CPC prevê a aplicação de multa de até 10% do valor corrigido da causa para o litigante que age com dolo, má-fé ou escopo ilícito. Nos casos reiterados, é possível, inclusive, acionar a corregedoria de tribunais para instaurar procedimento ético-disciplinar.
3. Indeferimento de homologação de acordos viciados
A homologação judicial é ato discricionário condicionado à legalidade material do pacto. Havendo indícios de que a conciliação foi obtida por coação, dolo ou limitações indevidas à liberdade contratual, o juiz possui lastro legal para negar homologação.
4. Responsabilidade indenizatória civil por danos processuais
Autor que propõe ação meramente para gerar risco e forçar acordo pode ser responsabilizado pelos prejuízos materiais e morais ocasionados à parte demandada. Essa responsabilização pode ocorrer por meio de reconvenção ou por ação própria de reparação.
Cautela dos advogados nas negociações e papel da advocacia ética
Frente a esse panorama, os advogados têm papel determinante na condução ética das conciliações. Atuar como instrumentos de intimidação, judicializando causas vazias sob a esperança de acordos fáceis, subverte completamente os parâmetros deontológicos da profissão.
Devem atuar com cautela na celebração dos acordos, zelando não só pelos interesses do cliente, mas pela higidez do sistema processual. Cabe à advocacia qualificada compreender que a conciliação serve à pacificação real de conflitos, e não à perpetuação deles por vias transversas.
O conhecimento aprofundado das responsabilidades processuais e dos limites éticos aplicáveis à atuação nos litígios judiciais pode ser ampliado em formações específicas que tratam, por exemplo, das consequências jurídicas do dano processual. Um caminho relevante para esse aprofundamento é o curso Pós-Graduação em Prática da Responsabilidade Civil e Tutela dos Danos.
Conciliar não é ceder sob pressão: o Judiciário como filtro
A valorização da conciliação não pode justificar sua deturpação em instrumento de ganho oportunista. O Judiciário é chamado a agir como filtro institucional em favor da autêntica justiça e da prevenção a riscos sistêmicos. Quando há indícios de que a parte autora ingressa com ação desprovida de méritos, apenas para propor acordo temerário, deve intervir de forma enérgica.
Longe de banalizar as ações, a vigilância contra a litigância predatória reversa fortalece a legitimidade da conciliação e evita que ela se transforme em engenharia de coação. É necessário, cada vez mais, conhecimento técnico apurado da teoria da responsabilidade civil processual, da materialidade do dano moral decorrente de uso indevido do Judiciário e da dinâmica estratégica da advocacia contemporânea, especialmente em tempos de digitalização de fluxos e timidez do contraditório inicial.
Quer dominar a Responsabilidade Civil Processual e entender profundamente os limites jurídicos da conciliação? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Prática da Responsabilidade Civil e Tutela dos Danos e transforme sua carreira.
Insights profissionais
1. Litígios não podem ser estratégia de coação
Usar o processo como ameaça velada para obtenção de acordos viciados compromete a integridade da justiça.
2. Conciliação requer paridade de armas e boa-fé
A simetria mínima entre as partes e o pacto consciente são pressupostos elementares do acordo judicial legítimo.
3. O Estado-juiz tem papel ativo
Juízes devem agir preventivamente: identificando padrões abusivos, indeferindo petições e como guardiões da função social do processo.
4. A advocacia ética sai fortalecida
Profissionais que pautam seu trabalho por condutas éticas e estratégicas de longo prazo agregam mais valor ao cliente e ao Judiciário.
5. A responsabilização civil é real
Quem utiliza maliciosamente o Judiciário pode responder por danos físicos, morais e econômicos sofridos pela parte indevidamente forçada a conciliar.
Perguntas e respostas frequentes
1. O que é litigância predatória reversa?
É o uso do processo judicial por uma parte que tem posição jurídica fraca ou desvantajosa, com o objetivo estratégico de constranger a outra a firmar acordo, aproveitando-se do risco reputacional, custo processual ou insegurança.
2. Qual a diferença entre litigância de má-fé e litigância predatória?
Litigância predatória é uma forma de litigância de má-fé. A diferença está no padrão repetitivo e abusivo do uso do Judiciário com fins puramente financeiros ou estratégicos, distantes da busca real de justiça.
3. O juiz pode negar a homologação de um acordo? Em que casos?
Sim, quando verificar que o acordo foi obtido por meios ilícitos, viola direitos indisponíveis, apresenta cláusulas ilegais ou há indícios de coação ou má-fé.
4. Quais são as sanções aplicáveis à parte que litiga de forma predatória?
Multas de até 10% sobre o valor da causa, indenização por danos processuais, responsabilização disciplinar e, em alguns casos, até denúncias por crime de denunciação caluniosa ou litigância fraudulenta.
5. Como a advocacia pode evitar ser envolvida em práticas de conciliação abusiva?
Adotando postura ética, recusando atuar em demandas que tenham indicativos de abuso de direito de ação e buscando constante atualização jurídica sobre responsabilidade civil e limites processuais.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
Busca uma formação contínua com grandes nomes do Direito com cursos de certificação e pós-graduações voltadas à prática? Conheça a Escola de Direito da Galícia Educação.
Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-28/litigancia-predatoria-reversa-e-os-limites-da-autonomia-das-partes-na-conciliacao/.