Juiz de garantias e depoimento especial na proteção infantil

Artigo sobre Direito

O juiz de garantias e a proteção de crianças e adolescentes em depoimento especial

A figura do juiz de garantias, introduzida pela Lei nº 13.964/2019 (o chamado Pacote Anticrime), representa uma importante transformação no sistema de justiça criminal brasileiro. Entre suas múltiplas atribuições, seu papel assume particular relevância nos casos que envolvem vítimas hipervulneráveis, como crianças e adolescentes, especialmente quando estão na posição de vítimas em crimes de natureza sexual, violência doméstica ou qualquer tipo de abuso.

Neste cenário, destaca-se o instituto do depoimento especial, previsto pela Lei nº 13.431/2017, cuja finalidade é resguardar os direitos e a integridade psicológica de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. O presente artigo analisa com profundidade a atuação do juiz de garantias no âmbito do depoimento especial, considerando as garantias processuais, os limites legais e as implicações práticas para advogados, promotores, defensores e magistrados.

Entendendo o juiz de garantias: competências e fundamentos

O juiz de garantias é o magistrado responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais do investigado, atuando desde o início da persecução penal até o recebimento da denúncia ou queixa (art. 3-B do Código de Processo Penal – CPP, com redação dada pela Lei nº 13.964/2019).

Seu papel não é o de julgar o mérito da acusação. Ele exerce uma função garantidora, zelando pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, e pela regularidade da produção probatória na fase pré-processual.

Esta separação de funções entre o juiz da causa (que julga) e o juiz de garantias (que supervisiona a investigação preliminar) visa assegurar a imparcialidade do julgador e impedir a chamada “contaminação cognitiva”. Isso tem impacto significativo nos casos que envolvem vítimas vulneráveis, cujo depoimento exige cuidados específicos.

Depoimento especial: conceito e fundamentos legais

O depoimento especial é o procedimento de escuta protegida de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com observância do seu estágio de desenvolvimento, condição de vulnerabilidade e proteção contra revitimização.

Esse procedimento está disciplinado pela Lei nº 13.431/2017, que institui um sistema de garantia de direitos para esses sujeitos especiais no âmbito do sistema de justiça. Conforme o art. 7º da referida lei, o depoimento especial é um ato judicial de oitiva, realizado em local apropriado, com técnicas adequadas e por profissionais capacitados (geralmente psicólogos ou assistentes sociais), podendo o juiz, o promotor, o defensor e o advogado assistirem, ainda que por meio de videoconferência ou sistema de observação remota.

O objetivo é garantir que a escuta não viole princípios como o melhor interesse da criança (princípio norteador do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), a proteção integral e a dignidade da vítima vulnerável.

A interface entre juiz de garantias e o depoimento especial

Quando o depoimento especial é realizado ainda na fase de investigação (fase do inquérito), a presença do juiz de garantias é central. Isso porque, conforme o art. 3-B, inciso XII do CPP, é de competência do juiz de garantias “decidir sobre requerimentos de provas urgentes e não repetíveis”.

O depoimento especial muitas vezes constitui uma dessas provas não repetíveis, especialmente em casos em que há risco de revitimização ou onde a postergação da escuta pode gerar prejuízo irreparável à memória e à saúde emocional da vítima.

Nesses casos, cabe ao juiz de garantias autorizar e supervisionar a realização do depoimento especial, garantindo que o ato seja realizado com as cautelas legais, inclusive com contraditório efetivo e observância dos direitos da defesa.

O art. 8º da Lei nº 13.431/2017 prevê expressamente a possibilidade de o depoimento especial ser realizado durante a fase de investigação policial, desde que se realizem os procedimentos que assegurem sua validade posterior como prova judicial. Nesse contexto, a atuação do juiz de garantias é imprescindível para esse controle de legalidade e validade formal da prova antecipada.

O valor probatório do depoimento especial

Para fins de validade, o depoimento especial realizado na fase de inquérito poderá ser utilizado como prova judicial, desde que observado o contraditório e a ampla defesa.

Assim, o juiz de garantias precisa permitir que o defensor do investigado acompanhe a realização do ato, ainda que remotamente, dando oportunidade de formular perguntas, além de garantir que o Ministério Público esteja presente. Quando há risco à integridade da criança, as perguntas podem ser formuladas por intermédio do profissional responsável pela escuta, mas é imprescindível que todos os sujeitos processuais tenham ampla ciência dos termos da oitiva.

Nos termos do art. 155 do CPP, o juiz poderá formar sua convicção com base nesse tipo de prova, desde que observado contraditório e possibilidade de impugnação pela defesa. Sendo o depoimento especial validamente colhido com a intervenção do juiz de garantias, ele pode ser considerado elemento robusto de convicção posterior à fase de denúncia, sobretudo quando não for recomendável submeter novamente a vítima à oitiva judicial.

Proteção integral e revitimização: obrigações do sistema de justiça

No âmbito do sistema de justiça penal, não há espaço para práticas que exponham vítimas de violência, especialmente vulneráveis, a múltiplas oitivas, perguntas inadequadas ou pressões indevidas. A Constituição Federal, em seu art. 227, atribui prioridade absoluta à proteção dos direitos da criança e do adolescente, cabendo ao Estado o dever de assegurar esse preceito.

A revitimização – definida como a repetição do sofrimento em razão da exposição da vítima a diversos procedimentos de escuta – é uma das questões mais delicadas na persecução penal que envolve crianças. O juiz de garantias, ao autorizar e acompanhar o depoimento especial, cumpre uma função essencial para prevenir tal prática.

Além disso, a Lei nº 13.431/2017 estabelece que a escuta deve ser única, sigilosa, respeitosa e adequada ao desenvolvimento psicológico do ouvinte. Isso exige que o magistrado não apenas permita, mas também fiscalize a observância desses critérios pelo profissional responsável pela escuta.

A importância da atuação estratégica dos advogados

Para os operadores do Direito, especialmente advogados criminalistas, defensores públicos e promotores, compreender a dinâmica entre depoimento especial e a figura do juiz de garantias é essencial.

Cabe ao advogado, tanto da acusação quanto da defesa, agir de forma técnica para assegurar que os direitos do seu cliente sejam respeitados sem violar os direitos da vítima. Isso inclui conhecer os protocolos técnicos do depoimento especial, os limites colocados pela legislação processual penal, e as balizas fixadas pela jurisprudência sobre provas antecipadas e não repetíveis.

É importante destacar ainda o desafio de conciliar as estratégias jurídicas com uma atuação ética e humanizada, evitando práticas que contrariem os princípios da proteção integral e o melhor interesse da criança.

Para aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos nesse campo e aprimorar suas habilidades práticas, recomendamos o curso Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado, que aborda com profundidade temas contemporâneos da persecução penal, provas, e sua intersecção com direitos fundamentais.

Entendimentos jurisprudenciais e desafios contemporâneos

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a constitucionalidade do juiz de garantias (ADIs 6.298 e 6.299), validou a sua criação e determinou sua implementação obrigatória em todo o território nacional, com a ressalva de questões estruturais que devem ser observadas pelo CNJ.

A jurisprudência ainda está em formação no tocante à presença do juiz de garantias nos depoimentos especiais, mas decisões de Tribunais Superiores têm reconhecido a validade de declarações tomadas nessa modalidade, desde que observados os requisitos legais.

Contudo, desafios permanecem: a capacitação de juízes, promotores e advogados na prática do depoimento especial; a estrutura física e tecnológica dos fóruns; e a efetiva produção de provas não repetíveis que resistam à crítica judicial e ao tempo do processo penal.

Quer dominar a atuação penal com foco na garantia de direitos e no uso técnico da prova?

Quer dominar Depoimento Especial e atuar com profundidade em casos envolvendo vítimas vulneráveis no processo penal? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado e transforme sua carreira.

Insights finais

O juiz de garantias representa um avanço institucional importante para a proteção dos direitos fundamentais no processo penal. Sua atuação é estratégica nos casos que envolvem vítimas hipervulneráveis, como crianças e adolescentes. O depoimento especial, por sua vez, exige conhecimento técnico, sensibilidade legal e medidas protetivas concretas que só são viabilizadas com compreensão aprofundada da legislação penal, processual e de direitos humanos.

A observância dos protocolos legais nesse contexto não é apenas uma questão de legalidade, mas de respeito à dignidade da pessoa humana e de integridade do devido processo legal.

Perguntas e respostas frequentes

1. O juiz de garantias participa do julgamento final do processo?

Não. O juiz de garantias atua apenas na fase de investigação, encerrando sua competência com o recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz da causa, conforme o art. 3-B do CPP.

2. O depoimento especial pode ser utilizado como prova principal na condenação?

Sim, desde que tenha sido colhido com observância do contraditório e da ampla defesa, podendo configurar prova não repetível nos termos da jurisprudência e do art. 155 do CPP.

3. O advogado pode estar presente durante o depoimento especial?

Sim, é direito do investigado ser assistido por seu advogado, que pode acompanhar o ato e formular perguntas por intermédio do profissional responsável pela escuta, respeitando os protocolos da Lei nº 13.431/2017.

4. Qual a diferença entre escuta especializada e depoimento especial?

A escuta especializada ocorre em âmbito não judicial, como nas redes de proteção, já o depoimento especial é um ato formal judicial apto a produzir prova que poderá ser utilizada no processo penal.

5. O que acontece se o depoimento especial for colhido fora dos parâmetros legais?

Ele pode ser considerado inválido, passível de desconsideração como meio de prova e pode inclusive gerar nulidade processual, dependendo do prejuízo efetivo à defesa.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13431.htm

Busca uma formação contínua com grandes nomes do Direito com cursos de certificação e pós-graduações voltadas à prática? Conheça a Escola de Direito da Galícia Educação.

Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-03/depoimento-especial-e-cooperacao-judiciaria-o-papel-do-juiz-de-garantias-na-protecao-de-criancas-e-adolescentes/.

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Escolas da Galícia Educação