In dubio pro societate na decisão de pronúncia do júri

Artigo sobre Direito

In dubio pro societate na decisão de pronúncia: limites e fundamentos jurídicos

Introdução ao princípio in dubio pro societate

O princípio in dubio pro societate emerge do contexto do processo penal brasileiro, especialmente na fase do procedimento do Tribunal do Júri. Sua conceituação básica indica que, diante de dúvida quanto à materialidade ou autoria de um crime doloso contra a vida, o juiz deve pronunciar o réu, garantindo que a decisão final seja tomada pelo Conselho de Sentença.

Porém, sua aplicação segue sendo um dos temas mais controversos no processo penal, uma vez que coloca em aparente tensão o in dubio pro reo, regra de presunção de inocência prevista no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, com a legitimidade democrática do júri, previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII.

O procedimento do Tribunal do Júri na legislação brasileira

O Tribunal do Júri é o órgão competente para julgar crimes dolosos contra a vida, conforme artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal e artigo 74, §1º do Código de Processo Penal (CPP). Seu procedimento é caracterizado pela bipartição: a primeira fase — judicium accusationis — e a segunda fase — judicium causae.

Na primeira fase, o juiz togado analisa a admissibilidade da acusação, decidindo se o acusado deve ser pronunciado, impronunciado, absolvido sumariamente ou desclassificado o crime. Essa decisão está disciplinada nos artigos 406 a 421 do CPP.

É justamente nessa etapa que o in dubio pro societate costuma ser invocado, pois o magistrado estará diante de elementos probatórios que precisam alcançar um juízo de admissibilidade mínima. Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm limitado o uso indevido dessa regra como pretexto para suprir a ausência de provas.

O que se entende por pronúncia?

A pronúncia é a decisão judicial pela qual o juiz declara admissível a acusação de crime doloso contra a vida, remetendo o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. Conforme o artigo 413 do CPP, o juiz deve pronunciar o acusado sempre que estiver convencido da existência do crime e da indícios suficientes de autoria ou participação.

A decisão de pronúncia não exige prova plena, mas exige elementos indiciários robustos — e não meras suposições. O Tribunal Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm enfatizado que “indício suficiente de autoria” não se confunde com ausência de prova.

A natureza jurídica da pronúncia

Embora não seja uma sentença de condenação, a decisão de pronúncia tem caráter decisório importante, pois submete o réu a um julgamento popular. A doutrina dominante classifica a pronúncia como uma decisão interlocutória mista, com conteúdo declaratório e mandamental, pois encerra a fase do judicium accusationis e determina o encaminhamento ao Tribunal do Júri.

Portanto, por representar um ato estatal com repercussão direta na liberdade e reputação do acusado, deve observar os requisitos mínimos de legalidade, imparcialidade e fundamentação racional (art. 93, IX, da Constituição).

Aplicabilidade e limites do in dubio pro societate

Quando é possível invocar o in dubio pro societate?

O in dubio pro societate pode ser considerado somente quando existem indícios mínimos de autoria e prova da materialidade. Havendo prova da materialidade, mas dúvida quanto à autoria, e essa dúvida for respaldada por indícios concretos, admite-se a pronúncia.

Não se trata de decisão baseada no benefício da dúvida em favor da sociedade sem qualquer substrato empírico. O que se entende por “dúvida” não é dúvida genérica e infundada, mas incerteza razoável, com base objetiva, que deve ser dirimida pelo corpo de jurados.

Desse modo, o juiz não pode simplesmente se eximir de seu papel de filtro da acusação. O artigo 413 exige a análise dos autos sob a ótica da admissibilidade, pois o Tribunal do Júri não é um instrumento de escalonamento automático de processos.

O erro de usar o in dubio pro societate para preencher lacunas probatórias

Um dos equívocos mais recorrentes é a utilização do princípio para suprir déficits de prova. Isso contraria diretamente o artigo 155 do CPP, que veda condenações baseadas em provas extraídas exclusivamente da fase inquisitorial, a não ser reproduzidas em juízo.

Dizer que a dúvida deve favorecer a sociedade não autoriza o uso de fantasmas probatórios para conduzir alguém ao julgamento. O juiz, ao decidir pela pronúncia, deve se ater ao controle de legalidade sobre a acusação, analisando se esta possui suporte probatório mínimo.

Ignorar essa exigência equivale a ferir o princípio da presunção de inocência, reconhecido não apenas pela Constituição Federal, mas também por tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico com status de norma supralegal, como o Pacto de San José da Costa Rica (art. 8º, II, h).

Por isso, a correta compreensão dos limites do in dubio pro societate é essencial para preservar a estrutura acusatória do processo penal, o princípio da não culpabilidade e o direito à ampla defesa.

A crítica doutrinária ao in dubio pro societate

Diversos autores consideram que o in dubio pro societate é um princípio questionável do ponto de vista constitucional. O processo penal não comporta princípios que favoreçam a acusação em detrimento sistemático de garantias fundamentais.

Para eles, a dúvida sempre deve favorecer o acusado em qualquer fase processual. A existência do Tribunal do Júri não legitima uma lógica de imputação penal sem sustentação fática mínima.

Na prática, a inobservância desses limites tem gerado prisões indevidas, superlotação carcerária e desprestígio à credibilidade do sistema de justiça criminal.

Essas preocupações foram reforçadas por decisões colegiadas em tribunais superiores, que entenderam que a pronúncia exige mais do que o uso retórico do in dubio pro societate — exige fundamentação plausível e análise das provas constantes dos autos.

Qual o papel do juiz na primeira fase do júri?

A atuação do juiz na fase do judicium accusationis não é meramente protocolar. Ele deve examinar com atenção os autos, verificando se há justa causa para submeter o réu a julgamento pelo júri popular.

Isso implica um juízo de deliberação técnica, baseado na avaliação do conjunto indiciário, e não em conjecturas. Como o CPP determina no artigo 413, ele deverá fundamentar expressamente a decisão de pronúncia, expondo os elementos que embasaram sua convicção quanto à solidez mínima da acusação.

Caso contrário, estará negando efetividade ao controle judicial da acusação e contribuindo para a criminalização baseada em estigmas, preconceitos ou simples narrativa ministerial.

Para quem atua na defesa ou na acusação, dominar os requisitos e fundamentos legais dessa decisão é crucial. E para se aprofundar de forma técnica nesse estudo, recomendamos o curso Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado, que oferece uma formação sólida e atualizada sobre os institutos do Direito Penal e Processual Penal.

A jurisprudência recente sobre o tema

Os Tribunais Superiores têm reforçado a necessidade de limites rígidos para a incidência do in dubio pro societate. Destacam, entre outros aspectos, que a dúvida sobre a existência do crime ou sua autoria não autoriza a pronúncia se não houver suporte probatório mínimo.

É pacífico, por exemplo, que a ausência de materialidade impede a pronúncia, assim como a ausência de qualquer elemento indiciário contra o acusado ou a presença de provas exculpatórias unívocas.

A atual tendência da jurisprudência é no sentido de entender que o in dubio pro societate não se sobrepõe ao in dubio pro reo, não se aplicando como regra geral diante de precariedade de provas.

Essa virada jurisprudencial reafirma a necessidade de um processo penal fiel à Constituição, centrado na dignidade da pessoa humana e no imperativo da razoabilidade.

Conclusão

O princípio in dubio pro societate é instrumento de controle democrático da persecução penal, garantindo que crimes dolosos contra a vida sejam julgados pelo Tribunal do Júri. Entretanto, sua aplicação não pode servir de escudo para falhas probatórias.

O juiz da pronúncia possui uma função decisiva no filtro das acusações — uma responsabilidade que não pode ser relativizada com base em um suposto interesse da sociedade, sob pena de violação dos mais elementares princípios jurídicos.

O enfrentamento adequado desse tema não exige apenas intuição jurídica, mas método, leitura doutrinária e aprofundamento técnico. Para os operadores do Direito que desejam dominar esses institutos com excelência, recomenda-se o curso Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado.

Quer dominar o papel da decisão de pronúncia e o uso correto do in dubio pro societate? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado e transforme sua carreira.

Insights finais

1. A pronúncia não é automática: exige prova de materialidade e indícios sérios de autoria.

2. In dubio pro societate não é licença para ausência de prova: o princípio não substitui o dever de fundamentação racional.

3. O juiz da primeira fase do júri atua como filtro acusatório: analisa admissibilidade, não apenas encaminha por formalidade.

4. A jurisprudência tem restringido a aplicação irrestrita do princípio, reforçando a necessidade do in dubio pro reo.

5. O estudo aprofundado desse tema é essencial para a advocacia criminal contemporânea.

Perguntas e respostas

1. O juiz pode pronunciar o réu mesmo sem provas suficientes?

Não. O juiz deve se basear em prova da materialidade e indícios robustos de autoria. A ausência desses elementos inviabiliza a pronúncia.

2. O que significa in dubio pro societate diante do Tribunal do Júri?

É o entendimento de que, havendo dúvida razoável baseada em indícios, o acusado deve ser pronunciado para que o julgamento ocorra pelo júri popular.

3. O in dubio pro societate pode se sobrepor ao in dubio pro reo?

Não. A presunção de inocência é princípio constitucional e não pode ser afastada por uma interpretação extensiva do in dubio pro societate.

4. A decisão de pronúncia exige certeza da autoria do delito?

Não exige certeza, mas exige indícios sérios, suficientes e coerentes. A certeza é exigida apenas na fase de julgamento final.

5. O que o advogado deve observar ao impugnar uma pronúncia?

Deve identificar a insuficiência de provas, ausência de materialidade ou a presença de provas incontroversas de inocência, visando um recurso em sentido estrito eficaz, conforme artigo 581, IV, do CPP.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art5

Busca uma formação contínua com grandes nomes do Direito com cursos de certificação e pós-graduações voltadas à prática? Conheça a Escola de Direito da Galícia Educação.

Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-09/in-dubio-pro-societate-nao-serve-para-preencher-lacunas-probatorias-diz-stj/.

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Escolas da Galícia Educação