O Conflito entre Arbitragem e Recuperação Judicial: O que Prevalece?
A tensão entre o regime jurídico da arbitragem e o da recuperação judicial tem se intensificado nos últimos anos. A questão de fundo é: em que medida cláusulas compromissórias vinculam empresas em processo de recuperação judicial? Este é um ponto delicado do Direito Empresarial e Processual, que exige atenção do advogado que atua com insolvência, litígios complexos ou contratos empresariais.
A arbitragem, regulada pela Lei nº 9.307/96, é um método alternativo de resolução de conflitos baseado na autonomia da vontade das partes. Por outro lado, a recuperação judicial, disciplinada pela Lei nº 11.101/05, visa à preservação da empresa em crise e ao cumprimento de sua função social e econômica. Quando esses dois sistemas se confrontam, surgem questões complexas quanto à competência do juízo arbitral e os efeitos da recuperação sobre as cláusulas compromissórias.
A Arbitragem e a Autonomia da Vontade
A cláusula compromissória, como forma de manifestação da autonomia da vontade nos contratos, vincula as partes ao juízo arbitral para resolução de litígios futuros. O artigo 8º da Lei de Arbitragem dispõe que “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserida”.
Esse princípio da autonomia é reforçado pelo artigo 1º da mesma lei, que reconhece a arbitragem como equivalente jurisdicional. Ou seja, as partes renunciam à jurisdição estatal e optam por resolver seus conflitos através de um procedimento privado.
No entanto, a aplicação dessa cláusula encontra limites quando a parte envolvida em litígio entra em recuperação judicial. Nessa hipótese, entra em cena o princípio da preservação da empresa, conforme estabelecido no artigo 47 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRF).
Recuperação Judicial e a Competência do Juízo Recuperacional
A LRF dá ao juízo da recuperação judicial poderes concentrados para deliberar sobre atos e contratos que tenham impacto direto nas dívidas sujeitas ao plano. Essa competência centralizada é chamada de “competência universal”, baseada no princípio da proteção ao soerguimento da empresa.
O artigo 6º, caput, da LRF, estabelece a suspensão de todas as ações e execuções contra a recuperanda a partir do deferimento da recuperação. O §1º do mesmo artigo afirma que a suspensão alcança, também, os atos de constrição e cobrança de créditos sujeitos à recuperação.
A grande controvérsia reside na aplicação deste artigo à arbitragem: pode ela prosseguir mesmo após o deferimento do processamento da recuperação judicial? E, sobretudo, quem define isso — o juiz togado ou o árbitro?
Jurisprudência sobre o Embate entre Arbitragem e Recuperação Judicial
A jurisprudência brasileira ainda não pacificou completamente a relação entre arbitragem e recuperação judicial. Há decisões indicando que o juízo da recuperação tem competência para suspender procedimentos arbitrais com base na proteção da recuperanda. Por outro lado, há julgados mais recentes, inclusive do STJ, reconhecendo a autonomia da arbitragem e a competência do árbitro para decidir, em primeiro momento, sobre sua própria jurisdição — princípio conhecido como Kompetenz-Kompetenz (art. 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem).
Essa dualidade gera insegurança jurídica. Uma das soluções apontadas pela doutrina é analisar, caso a caso, se determinada disputa arbitral envolve créditos sujeitos à recuperação judicial. Se envolver, haveria espaço para intervenção do juízo recuperacional. Se não envolver (por exemplo, tratar-se de direito disponível, onde a recuperação não modifica sua natureza), o árbitro poderia seguir com a análise do mérito.
Kompetenz-Kompetenz e o Papel do Juiz
O princípio Kompetenz-Kompetenz, adotado no ordenamento brasileiro (art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/96), estabelece que é o próprio árbitro quem decide, em primeiro lugar, sobre a existência, validade e eficácia da cláusula compromissória. Esse princípio é crucial para a efetividade da arbitragem, pois evita interferências judiciais indevidas antes do início da arbitragem.
No entanto, a LRF não revoga esse princípio, mas limita o seu alcance quando os direitos discutidos afetam direta e substancialmente os créditos sujeitos à recuperação. Cabe, aqui, uma ponderação entre dois valores constitucionais: a autonomia privada (art. 5º, II e XXXV da Constituição Federal) e a função social da atividade empresarial, garantida pela proteção ao processo de reestruturação.
O STJ já reconheceu, em alguns precedentes, que o juízo arbitral pode continuar desde que não haja risco à preservação da empresa e o crédito discutido não esteja submetido à recuperação. Quando o crédito estiver sujeito, prevalecerá o juízo universal da recuperação, que poderá até suspender a arbitragem em andamento.
Créditos Sujeitos e Não Sujeitos à Recuperação: Distinção Fundamental
Diante dessa realidade híbrida, o primeiro passo para qualquer análise deve ser separar os créditos sujeitos aos efeitos da recuperação daqueles que não são. Estão sujeitos aqueles constituídos antes do pedido de recuperação e que não são garantias fiduciárias, trabalhistas ou de natureza fiscal (arts. 49 e 6º da LRF).
Já os créditos não sujeitos, regidos por outras normativas, não sofrem os efeitos suspensivos e podem continuar sendo discutidos judicial ou arbitralmente. Assim, se a questão submetida à arbitragem versa sobre um crédito novo — posterior ao pedido de recuperação — ou excluído da recuperação, não há justificativa legal para suspensão do juízo arbitral.
Ainda assim, a complexidade da análise exige domínio técnico e atualização constante com as transformações jurisprudenciais e alterações pontuais introduzidas pela Reforma da LRF (Lei nº 14.112/20).
Riscos Práticos e Estratégias na Atuação Profissional
Para o profissional do Direito Empresarial e Societário, compreender essas nuances é vital para definir a melhor estratégia contratual (ao redigir cláusulas compromissórias) e atuar em litígios decorrentes da crise empresarial.
Ignorar a possibilidade de uma recuperação judicial futura pode levar a litígios paralisados ou desperdício de recursos em procedimentos arbitrais que poderão ser suspensos. Por outro lado, não prever a arbitragem quando ela for possível e desejável também é um erro que compromete a efetividade do pacto contratual.
Além disso, juízos diferentes (arbitral e judicial) podem adotar entendimentos opostos sobre sua competência, o que atrasa ainda mais a resolução da controvérsia e dificulta medidas de urgência ou cumprimento de decisões.
Nesse contexto, o profissional precisa dominar os fundamentos legais e jurisprudenciais da arbitragem e do processo recuperacional, com foco analítico e sensibilidade para as implicações econômicas de cada decisão.
A Reforma da Lei de Falências e Seus Efeitos sobre a Arbitragem
A recente Reforma da LRF, promovida pela Lei nº 14.112/2020, trouxe dispositivos que reforçam a importância da mediação e arbitragem nos processos de reestruturação. O artigo 22-A, por exemplo, permite explicitamente a inclusão de cláusulas de arbitragem ou mediação nos planos de recuperação judicial.
Embora o dispositivo seja novo, sua redação reforça a ideia de que os meios alternativos não apenas podem conviver com o processo judicial, mas devem ser incentivados. No entanto, a efetividade prática dessa previsão ainda exige evolução jurisprudencial e melhor estruturação das cláusulas contratuais.
Para isso, é essencial interpretar os contratos empresariais de maneira compatível com o risco da insolvência, já prevendo cenários complexos e dispondo claramente qual será o foro competente em caso de abertura de recuperação judicial.
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Insights Finais
O conflito entre arbitragem e recuperação judicial exige do operador jurídico mais do que leitura literal da legislação. Ele demanda interpretação sistêmica, conhecimento jurisprudencial atualizado e adequada compreensão dos princípios que estruturam cada uma dessas áreas.
A previsibilidade e a autonomia contratual — fundamentos centrais da arbitragem — não podem ser ignoradas, mas também não devem se sobrepor ao objetivo legítimo da recuperação empresarial. O equilíbrio entre segurança jurídica e função social da empresa é o desafio do nosso tempo.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. A cláusula compromissória perde validade se a empresa entra em recuperação judicial?
Não. A cláusula continua válida, mas a sua eficácia pode ser limitada se o crédito discutido for sujeito aos efeitos da recuperação.
2. O juízo da recuperação pode suspender arbitragem em curso?
Sim, desde que o objeto do litígio envolva crédito sujeito à recuperação judicial e sua tramitação comprometa o princípio da preservação da empresa.
3. É possível instaurar arbitragem após deferido o processamento da recuperação?
Depende. Se envolver crédito que não está sujeito aos efeitos da recuperação (ex: crédito novo ou excluído), é possível. Se envolver crédito sujeito, pode encontrar resistência ou suspensão.
4. A arbitragem pode ser usada dentro do plano de recuperação judicial?
Sim. A reforma recente introduziu a possibilidade de inserção de arbitragem como método de resolução de conflitos previstos no plano.
5. Como deve agir o advogado na redação de cláusulas compromissórias quando há risco de recuperação judicial?
Deve prever expressamente o que ocorrerá em caso de insolvência, incluindo a possibilidade de suspensão da arbitragem, designar foro alternativo e ponderar sobre renúncia a direitos que possam ser submetidos ao juízo universal.
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Este artigo foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de uma fonte e teve a curadoria de Fábio Vieira Figueiredo. Advogado e executivo com 20 anos de experiência em Direito, Educação e Negócios. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP, possui especializações em gestão de projetos, marketing, contratos e empreendedorismo. CEO da IURE DIGITAL, cofundador da Escola de Direito da Galícia Educação e ocupou cargos estratégicos como Presidente do Conselho de Administração da Galícia e Conselheiro na Legale Educacional S.A.. Atuou em grandes organizações como Damásio Educacional S.A., Saraiva, Rede Luiz Flávio Gomes, Cogna e Ânima Educação S.A., onde foi cofundador e CEO da EBRADI, Diretor Executivo da HSM University e Diretor de Crescimento das escolas digitais e pós-graduação. Professor universitário e autor de mais de 100 obras jurídicas, é referência em Direito, Gestão e Empreendedorismo, conectando expertise jurídica à visão estratégica para liderar negócios inovadores e sustentáveis.
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