Retenção Dolosa de Salário: Enquadramento Jurídico e Respostas Legislativas
A retenção dolosa de salário é um tema que desafia a coerência do sistema jurídico brasileiro, pela sobreposição entre o Direito do Trabalho e o Direito Penal. Trata-se da conduta praticada por empregadores que, deliberadamente, deixam de pagar os salários devidos aos empregados, em contexto não justificável por causas fortuitas ou econômicas.
Esse comportamento, embora reiterado em algumas realidades laborais, demanda análise técnica para compreender sua juridicidade, seu enquadramento nas normas vigentes e as possíveis respostas legislativas que podem reduzir sua incidência. O artigo se propõe a percorrer esses aspectos, com profundidade conceitual, tendo como foco a interseção entre proteção trabalhista e o Direito Penal.
Conceito e Caracterização Jurídica da Retenção Dolosa de Salário
O salário é verba de natureza alimentar, protegida constitucionalmente. O art. 7º, inciso X, da Constituição Federal assegura aos trabalhadores urbanos e rurais a proteção dos salários na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa. Assim, a Constituição atribui um elevado grau de relevância à remuneração como fenômeno jurídico.
O conceito de retenção dolosa de salário deve ser distinguido da mera inadimplência. A inadimplência pode decorrer de dificuldades econômicas, falhas administrativas ou negligência. Já a retenção dolosa pressupõe deliberada intenção de não pagar a verba devida, mesmo havendo condições objetivas para tanto.
O ato de reter salário dolosamente pode se manifestar por meio de ordens empresariais explícitas para não efetuar o pagamento, direcionamentos internos que optam por priorizar outras obrigações financeiras ou até mesmo por manobras para sonegar o pagamento de salários sob falsos pretextos.
O Enquadramento Penal da Conduta
O contexto penal dessa conduta tem sido objeto de intensos debates. A Constituição menciona especificamente que a retenção dolosa configura crime. Porém, a ausência de um tipo penal claro no Código Penal gera insegurança jurídica quanto à exata tipificação.
A jurisprudência e parte relevante da doutrina defendem o enquadramento da conduta no art. 203 do Código Penal, que define o crime contra a organização do trabalho nos seguintes termos:
“Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”
No entanto, esse artigo requer a presença de fraude ou violência. Se o empregador apenas retém o salário, mas não atua com meios fraudulentos ou coercitivos, a subsunção ao tipo penal pode ser mitigada.
Outra interpretação aponta para a possibilidade de enquadramento na figura de apropriação indébita (art. 168 do Código Penal), ainda que o conceito tradicional de apropriação não se ajuste perfeitamente à lógica de verbas salariais.
Ausência de Tipificação Específica
A principal limitação enfrentada atualmente em termos repressivos é a lacuna legislativa: não há um artigo penal que tipifique de modo direto e objetivo a retenção injustificada e dolosa de salário. Isso dificulta a persecução penal ao exigir interpretações extensivas e a comprovação de dolo específico.
Por isso, muitos operadores jurídicos defendem uma resposta legislativa que tipifique com clareza essa conduta, à semelhança do que existe em alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros, como na legislação trabalhista espanhola, por exemplo.
Esferas Cível, Trabalhista e Penal: Competências e Consequências
A retenção de salário traz repercussões que transcendem o âmbito criminal. Em primeiro plano, ela enseja reparação trabalhista. O empregado pode ajuizar reclamatória visando o pagamento da remuneração devida, acrescida de correção monetária, juros e multas legais conforme art. 467 e art. 477 da CLT.
Adicionalmente, a conduta pode gerar danos morais, desde que comprovados os efeitos lesivos à subsistência do trabalhador. A jurisprudência trabalhista majoritariamente reconhece que a retenção consubstancia violação à dignidade do empregado, tendo impacto psicossocial relevante.
No campo penal, entretanto, os desafios para responsabilização são evidentes. Ausência de lei penal em sentido estrito e imprevisibilidade das decisões jurisdicionais tornam o processo penal inefetivo para coibir a prática. Isso acena para a urgência de uma reforma legislativa específica.
A Necessidade de Reforma Legislativa: Propostas de Tipificação
A construção legislativa de novos tipos penais sempre exige cautela, a fim de evitar expansões punitivistas injustificadas. No entanto, quando o fato é reprovável e socialmente lesivo – como é o caso da retenção dolosa do salário – a omissão legislativa se traduz em incentivo à impunidade.
Uma proposta razoável seria a criação de um tipo penal autônomo, que criminalize a retenção voluntária de salário quando não fundada em motivo legal ou circunstância de força maior reconhecida judicialmente. A inclusão de atenuantes ou agravantes, de acordo com a duração da retenção ou reincidência, garantiria proporcionalidade à norma.
Essa criminalização deve coexistir com a tutela civil e trabalhista, funcionando como mecanismo complementar e dissuasório, especialmente para empregadores contumazes ou que utilizam a inadimplência como instrumento de opressão.
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Política Criminal e a Função Simbólica da Lei Penal
Ao discutir a criminalização da retenção de salário, é importante situar esse movimento no plano da política criminal. A criação de novos tipos penais deve ser guiada por critérios de seletividade e eficiência. A lei penal, nesse caso, atuaria com dupla função: simbólica e preventiva.
No aspecto simbólico, contribuiria para reforçar os valores constitucionais do trabalho digno, remunerado e protegido. No plano preventivo, serviria de alerta para práticas empresariais que naturalizam a inadimplência salarial como estratégia de fluxo de caixa.
Claro que nenhuma norma penal atua sozinha de forma eficaz. A coerência entre mecanismos preventivos (como fiscalizações), educativos (ações pedagógicas trabalhistas) e repressivos (via penal) é que dá real efetividade ao sistema de proteção.
O Papel do Ministério Público e das Auditorias Fiscais
Ainda que atualmente não haja tipo penal específico, o Ministério Público do Trabalho pode atuar fortemente diante da constatação de retenção dolosa. Ações civis públicas, termos de ajuste de conduta e investigação de dano moral coletivo são instrumentos disponíveis e já aplicados em várias situações.
Além disso, o papel das auditorias fiscais do trabalho, muitas vezes negligenciado, é vital. A lavratura de autos de infração por atraso reiterado e injustificado no pagamento de salários serve como catalisadora de ações judiciais, inclusive penais, nos casos mais extremos.
A Prática Jurídica e a Importância do Conhecimento Sistêmico
O profissional do Direito que atua com relações de trabalho precisa compreender esse tema de forma interdisciplinar. A retenção dolosa de salário é fenômeno complexo, que exige um olhar simultâneo sobre o Direito do Trabalho, o Direito Penal, a política de proteção social e os fundamentos constitucionais da dignidade do trabalhador.
Tratar essa questão apenas sob o prisma cível ou tradicional da Justiça do Trabalho limita as possibilidades de sanção e correção de condutas lesivas. A abertura para respostas criminais legítimas e proporcionais é uma necessidade atual do ordenamento.
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Insights Finais
A retenção dolosa de salários, embora seja expressamente repudiada pela Constituição, ainda carece de uma resposta penal robusta na legislação infraconstitucional. A omissão legislativa enfraquece o sistema de proteção ao trabalho e inviabiliza a responsabilização de práticas empresariais dolosas e abusivas.
O reconhecimento da relevância penal dessa conduta deve ser acompanhado por uma reflexão madura sobre a função do Direito Penal na esfera laboral. A criminalização deve ser seletiva, clara e proporcional. A atuação profissional exige preparo técnico, visão transversal e domínio dos fundamentos penais e trabalhistas.
Perguntas e Respostas
1. A retenção dolosa de salário é crime atualmente no Brasil?
Embora a Constituição reconheça a prática como criminosa, falta uma tipificação penal específica. A conduta pode, eventualmente, ser enquadrada no art. 203 do Código Penal, mas esse tipo exige a presença de fraude ou violência.
2. Quais são os desafios para criminalizar empregadores que retêm salários?
O principal desafio é jurídico: não há tipo penal claro. A aplicação de normas penais por analogia ou interpretação extensiva é vedada no Direito Penal. Isso dificulta a responsabilização.
3. A retenção dolosa sempre gera direito a indenização por danos morais?
Depende da comprovação do abalo à dignidade. A jurisprudência trabalhista tende a reconhecer o dano moral quando o atraso salarial é reiterado, injustificado e com consequências lesivas evidentes.
4. Qual seria a melhor resposta legislativa para essa conduta?
A criação de um tipo penal autônomo, que contemple a retenção dolosa independente de fraude ou violência, com parâmetros claros, agravantes específicas e espaço para dosimetria adequada.
5. Como o advogado pode se especializar nesse tema?
Aprofundando os estudos em Direito Penal, especialmente nos fundamentos do tipo penal e sua função social. Cursos como a Certificação Profissional em Fundamentos do Direito Penal são excelentes para estruturar esse conhecimento com aplicabilidade prática.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art7
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-24/qual-a-melhor-resposta-legislativa-a-mora-inconstitucional-reconhecida-na-ado-82/.