Responsabilidade Civil por Discriminação Racial no Brasil

Artigo sobre Direito

A Responsabilidade Civil por Atos de Discriminação: fundamentos e aplicações judiciais

A responsabilidade civil é um dos pilares do Direito Civil brasileiro e se manifesta em diversas situações que envolvem lesão a direitos da personalidade. Entre elas, ganha cada vez mais relevância a responsabilização por atos de discriminação racial, sobretudo no âmbito das relações privadas. A caracterização de condutas como o chamado “racismo recreativo” gera implicações jurídicas que extrapolam a seara criminal e adentram o campo da indenização por danos morais.

Este artigo explora os fundamentos jurídicos da responsabilidade civil decorrente de práticas discriminatórias no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para a proteção à dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade e o papel da reparação civil como instrumento de justiça.

O conceito e a estrutura clássica da responsabilidade civil

A responsabilidade civil pode ser entendida como o dever de reparar um dano causado a outrem. No direito brasileiro, a teoria dominante é a responsabilidade subjetiva, prevista no artigo 186 do Código Civil:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Esse dispositivo, combinado ao artigo 927 que impõe o dever de indenizar aquele que causar um dano, estabelece os requisitos clássicos da responsabilidade civil: conduta, dano, nexo causal e culpa (ou dolo).

Contudo, há hipóteses, especialmente em relações de consumo ou em certas atividades de risco, em que a responsabilidade torna-se objetiva, prescindindo da apuração de culpa, como disposto no parágrafo único do artigo 927:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

A proteção aos direitos da personalidade como fundamento para a tutela contra a discriminação

Direitos da personalidade são atributos jurídicos inatos à pessoa humana e possuem natureza extrapatrimonial. Estão protegidos nos arts. 11 a 21 do Código Civil e abrangem, entre outros, a honra, a imagem, a privacidade e a integridade moral.

O racismo, sob qualquer forma, atenta diretamente contra esses direitos, em especial contra a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), fundamento central da ordem jurídica brasileira. Em matéria de reparação civil, a violação de um direito da personalidade configura dano moral in re ipsa — isto é, presumido, independentemente de comprovação de prejuízo concreto.

Com isso, basta a prática do ato discriminatório para se configurar a obrigação de indenizar.

O racismo na perspectiva do direito civil e a noção de racismo recreativo

Racismo não é apenas uma questão penal. Mesmo os atos aparentemente “sutis” ou inseridos em contextos de brincadeira ou humor — o chamado “racismo recreativo” — podem ensejar responsabilidade civil.

O termo “racismo recreativo” foi cunhado pelo professor Adilson Moreira e descreve práticas de escárnio, piadas e comentários que reforçam estereótipos raciais, muitas vezes inseridos sob o pretexto de serem “inofensivos” ou “divertidos”. Contudo, esses comportamentos geram profundo abalo à dignidade, afetando negativamente o senso de pertencimento e identidade da vítima.

A jurisprudência brasileira tem evoluído para reconhecer esse tipo de manifestação como configuradora de dano moral, passível de indenização. Tribunais têm estabelecido que o uso de estereótipos racistas, ainda que sem intenção explícita de ofender, pode ser considerado ilícito por violar a dignidade da pessoa vítima da conduta discriminatória.

Danificação moral como instrumento de justiça e prevenção

A indenização por danos morais decorrente de condutas racistas cumpre duas funções principais:

1. Compensar a vítima pelo sofrimento imaterial suportado;
2. Desestimular, por meio de um efeito pedagógico, outras práticas semelhantes.

O montante da indenização deve ser fixado com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observando-se a gravidade da ofensa, a extensão do dano e a condição econômica das partes. Embora não haja tarifação legal para os danos morais, os tribunais têm adotado valores crescentes em casos de discriminação racial, reconhecendo a gravidade das violações envolvidas.

Aliás, a reparação civil nesses casos é uma ferramenta importante para tornar efetiva a tutela de direitos fundamentais, particularmente nas relações desiguais de poder que ainda marcam as interações sociais e comerciais.

Aspectos processuais: ônus da prova e inversão

Na prática forense, uma das dificuldades enfrentadas pelas vítimas de discriminação racial está na produção de prova. Cabe ao autor o ônus de demonstrar os elementos essenciais da sua pretensão, conforme artigo 373, I, do Código de Processo Civil.

Contudo, havendo verossimilhança das alegações e hipossuficiência da parte, é cabível a inversão do ônus da prova (art. 373, §1º). Esse mecanismo processual tem sido utilizado para facilitar o acesso efetivo à justiça em disputas que envolvem relação de consumo ou desigualdade estrutural, incluindo casos de discriminação.

Além disso, a prova testemunhal, imagens, vídeos e até publicações em redes sociais podem ser instrumentais na demonstração da prática ilícita.

A responsabilidade dos empregadores e empresas por condutas discriminatórias

Empresas e empregadores podem ser civilmente responsabilizados por atos de seus prepostos ou funcionários. A responsabilidade decorre da relação de hierarquia e do risco da atividade desenvolvida. O artigo 932, III, do Código Civil é claro ao estabelecer que o empregador responde pelos atos de seus empregados ou prepostos, no exercício do trabalho:

“São também responsáveis pela reparação civil: III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”

Portanto, mesmo que o ato discriminatório tenha sido praticado por um colaborador, a empresa poderá ser responsabilizada pela ofensa, se verificado que ela concorreu direta ou indiretamente para a ocorrência do dano.

Em alguns casos, há até aplicação de responsabilidade objetiva, com fundamento no risco da atividade (art. 927, parágrafo único), sobretudo quando se trata de estabelecimentos acessíveis ao público, como lojas, mercados e eventos.

O papel do Judiciário na tutela contra práticas discriminatórias

O Judiciário brasileiro tem desempenhado papel de destaque na contenção de condutas discriminatórias. Sentenças têm reconhecido os danos morais causados por atos de racismo em diferentes formatos, inclusive em ambientes profissionais, escolares e comerciais.

Essas decisões reforçam o compromisso constitucional com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da não discriminação. Além disso, sinalizam à sociedade a intolerância do ordenamento jurídico com práticas que, por muito tempo, foram naturalizadas sob o véu da “brincadeira” ou do “costume cultural”.

O avanço jurisprudencial também impulsiona a adoção de políticas de diversidade e inclusão por entidades privadas, além da capacitação interna para prevenir e coibir condutas discriminatórias.

Reparar é mais do que indenizar: é reconhecer e transformar

A reparação civil por atos de racismo não tem apenas função compensatória. Ela cumpre papel simbólico de reconhecimento institucional da lesividade dessas condutas.

Cada condenação proferida com base na responsabilidade civil relacionada à discriminação reforça a centralidade dos direitos fundamentais e alimenta a construção de uma sociedade mais justa.

Para o operador do Direito, compreender as nuances dogmáticas e práticas da responsabilidade civil em casos de racismo é essencial. O conhecimento técnico aprofundado da teoria da responsabilidade, da jurisprudência atualizada e dos desafios probatórios pode ser um diferencial na atuação advocatícia, tanto na defesa das vítimas quanto na consultoria preventiva a empresas.

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Insights finais

A responsabilidade civil por práticas discriminatórias transcende o campo normativo para se posicionar como instrumento de afirmação de direitos fundamentais. Sua correta aplicação não apenas compensa a vítima, mas promove uma cultura de respeito e igualdade.

É crucial que os profissionais do Direito estejam preparados para identificar essas situações, manejar adequadamente os instrumentos jurídicos disponíveis e orientar corretamente seus clientes, sejam vítimas ou empresas demandadas.

A construção de uma sociedade antirracista demanda também operadores do Direito conscientes e tecnicamente capacitados.

Perguntas e respostas comuns sobre responsabilidade civil por discriminação

1. A vítima de racismo sempre precisa comprovar o dano moral sofrido?

Não. Em casos de violação aos direitos da personalidade, como o racismo, o dano moral é presumido (in re ipsa). Basta a demonstração do ato ilícito.

2. A empresa pode ser responsabilizada por ato discriminatório praticado por um funcionário?

Sim. A responsabilidade pode ser objetiva com fundamento no risco da atividade (art. 927, parágrafo único), ou subjetiva com base no artigo 932, III, do Código Civil.

3. O que configura racismo recreativo juridicamente?

É uma manifestação de racismo disfarçada de humor, piada ou brincadeira. Juridicamente, pode configurar ato ilícito por violar a dignidade da pessoa humana e ensejar reparação civil.

4. Quais provas são válidas nesse tipo de processo?

Provas testemunhais, gravações, imagens, vídeos e postagens em redes sociais são úteis para demonstrar a veracidade dos fatos alegados.

5. Há um valor padrão para indenizações em casos de racismo?

Não há valor tabelado. A quantia é fixada pelo juiz de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando a gravidade da ofensa, o contexto e as condições econômicas das partes.

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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil3/leis/2002/L10406.htm

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Este artigo foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de uma fonte e teve a curadoria de Fábio Vieira Figueiredo. Advogado e executivo com 20 anos de experiência em Direito, Educação e Negócios. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP, possui especializações em gestão de projetos, marketing, contratos e empreendedorismo. CEO da IURE DIGITAL, cofundador da Escola de Direito da Galícia Educação e ocupou cargos estratégicos como Presidente do Conselho de Administração da Galícia e Conselheiro na Legale Educacional S.A.. Atuou em grandes organizações como Damásio Educacional S.A., Saraiva, Rede Luiz Flávio Gomes, Cogna e Ânima Educação S.A., onde foi cofundador e CEO da EBRADI, Diretor Executivo da HSM University e Diretor de Crescimento das escolas digitais e pós-graduação. Professor universitário e autor de mais de 100 obras jurídicas, é referência em Direito, Gestão e Empreendedorismo, conectando expertise jurídica à visão estratégica para liderar negócios inovadores e sustentáveis.

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