Introdução à Responsabilidade Civil dos Planos de Saúde
O crescimento do setor de saúde suplementar no Brasil trouxe consigo desafios jurídicos significativos, sobretudo no que tange à relação entre os consumidores e as operadoras de planos de saúde. É fundamental entender a responsabilidade civil dessas operadoras quando há negativas de procedimentos ou tratamentos médicos, principalmente em situações que resultem em danos ao paciente ou a seus familiares.
A relação entre usuários e planos de saúde é regida por normas voltadas à proteção do consumidor, refletindo os princípios de boa-fé, equilíbrio contratual e dignidade da pessoa humana. No entanto, situações de negativa de cobertura (ainda que muitas vezes justificadas pela operadora com base no contrato ou na ausência de previsão normativa) geram amplos debates sobre a legalidade dessas recusas e a configuração de danos materiais e morais.
Fundamentos Jurídicos da Relativa Obrigação dos Planos de Saúde
Normas Aplicáveis no Direito do Consumidor
Por serem considerados prestadores de serviços, os planos de saúde estão diretamente sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). De acordo com o artigo 6º do CDC, é direito básico do consumidor a proteção contra práticas abusivas, além da efetiva reparação de danos patrimoniais e morais.
Quando uma operadora se nega a fornecer um tratamento prescrito por um médico, é necessário analisar se a negativa viola os direitos do consumidor, considerando que tal conduta pode ser considerada abusiva caso não respeite a boa-fé contratual ou os direitos à saúde e à vida.
Além disso, a Súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos firmados entre planos de saúde e seus usuários, reforçando a necessidade de observância às garantias conferidas pelo CDC.
A Lei dos Planos de Saúde
A Lei nº 9.656/1998, conhecida como Lei dos Planos de Saúde, regula as operadoras de saúde suplementar e estipula diretrizes sobre os tratamentos que devem ser obrigatoriamente cobertos. Essa legislação prevê diretrizes mínimas de cobertura, as quais estão alinhadas a um rol de procedimentos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Embora a ANS mantenha o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde como referência mínima de cobertura obrigatória, o STJ tem reafirmado, sobretudo em decisões recentes, que esse rol possui natureza exemplificativa, e não taxativa. Assim, os planos de saúde podem ser obrigados a custear tratamentos fora desse rol, desde que determinados por um profissional médico como necessários e cuja eficácia seja comprovada.
Princípios Constitucionais
A análise da responsabilidade civil dos planos de saúde não pode ignorar os valores constitucionais. O direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal, é um direito fundamental. Embora a prestação direta cabe ao Estado, as operadoras de saúde suplementar desempenham um papel importante na concretização desse direito, e sua conduta não pode comprometer o bem-estar ou a dignidade dos pacientes.
Elementos da Responsabilidade Civil nas Negativas de Tratamento
Atos que Configuram Abusividade
Para que a operadora de um plano de saúde seja responsabilizada por uma negativa de atendimento, é necessário provar que houve abusividade ou violação dos direitos do consumidor. Exemplos incluem a recusa de tratamentos prescritos pelo médico assistente, negativa injustificada de medicamentos ou terapias, ou até mesmo imposição de barreiras burocráticas que atrasem o acesso ao atendimento.
Em situações mais graves, como a rejeição de suporte técnico ou terapias essenciais para a manutenção da vida ou da saúde do paciente, tem-se entendido que o dano ultrapassa os limites materiais, atingindo a esfera moral, configurando o dever de indenização.
Configuração dos Danos Morais
Nos casos de negativa abusiva, o dano moral não resulta apenas da angústia emocional do paciente, mas também da repercussão na esfera da dignidade humana quando a cobertura médica é indevidamente negada. Os tribunais brasileiros entendem que o sofrimento gerado pela recusa injustificada configura o dever de indenizar mesmo quando o desfecho do caso não resulta em óbito.
O dano moral também busca desestimular práticas abusivas recorrentes no mercado de saúde suplementar, promovendo maior responsabilidade por parte das operadoras.
Requisitos para Responsabilização
Na prática, para se discutir a responsabilidade civil há três elementos centrais:
1. Conduta ilícita: Quando a negativa de cobertura desrespeita normas contratuais, legais ou regulatórias.
2. Dano efetivo: Prova de prejuízo causado ao consumidor, que pode ser material (como gastos médicos) ou moral.
3. Nexo de causalidade: Relação direta entre a conduta do plano de saúde e o prejuízo experimentado pelo beneficiário ou seus familiares.
Jurisprudência e Entendimentos Recentes
A jurisprudência desempenha um papel crucial no refinamento das interpretações sobre a responsabilidade civil dos planos de saúde. No STJ, há precedentes determinando que a recusa de terapias essenciais, mesmo que não previstas em contrato ou no rol da ANS, é passível de responsabilização. O entendimento baseia-se principalmente no respeito à prescrição médica e na proteção do direito à vida e à saúde.
Ademais, o STJ tem reafirmado que a reparação de danos inclui, além da indenização por danos materiais, a compensação por danos morais em casos de sofrimento exacerbado, angústia ou desdobramentos mais sérios, como piora do quadro clínico ou morte.
Boas Práticas para a Atuação Jurídica Nesse Contexto
Advogados que atuam em demandas envolvendo negativas de tratamento por parte de planos de saúde devem:
1. Documentar todas as recomendações médicas: Relatórios e pareceres médicos são fundamentais para evidenciar a necessidade do procedimento ou tratamento.
2. Registrar a negativa formal da operadora de saúde: Protocolos de atendimento e respostas por escrito ajudam a comprovar a abusividade da conduta.
3. Fundamentar a ação com base no CDC e na Constituição: Argumentos baseados nos princípios da boa-fé, dignidade humana e direito à saúde reforçam a tese jurídica.
4. Estar atento às decisões judiciais recentes: Conhecer os padrões de entendimento dos tribunais garante maior segurança nas demandas judiciais.
Considerações Finais
O direito à saúde, enquanto princípio fundamental, demanda atenção redobrada no âmbito da saúde suplementar. Os planos de saúde têm uma função relevante no sistema de saúde brasileiro, mas não podem se eximir de suas responsabilidades contratuais ou legais sob justificativas genéricas.
A busca por equilíbrio e justiça nesse setor exige atenção às normas existentes, bem como atualização constante em relação à jurisprudência. Garantir a proteção aos direitos do consumidor, fundamentada em princípios constitucionais e legais, é o que legitima o sistema jurídico ao lidar com conflitos desse tipo.
Insights e Reflexões
– O conflito entre a argumentação técnica de planos de saúde e as prescrições médicas continuará sendo um tema relevante nos tribunais.
– Aplicar teses que humanizam o Direito é uma tendência que deve ganhar cada vez mais força nos casos envolvendo saúde.
– A exemplificação do rol da ANS promove maior flexibilidade, mas ainda apresenta desafios para implementação prática.
Perguntas e Respostas
1. O rol de procedimentos da ANS é taxativo ou exemplificativo?
Recentes decisões do STJ apontam que o rol possui caráter exemplificativo, podendo tratamentos fora dele serem custeados em determinadas condições.
2. Quando se caracteriza o dano moral nas negativas de cobertura?
O dano moral ocorre quando a negativa afeta a dignidade do consumidor, gerando sofrimento psicológico, angústia ou agravando o estado de saúde do paciente.
3. É necessário provar má-fé do plano de saúde para responsabilizá-lo?
Não. Basta demonstrar que houve conduta abusiva, dano ao consumidor e nexo causal entre as duas situações.
4. Os planos de saúde podem estabelecer limitações contratuais?
Sim, mas tais limitações devem respeitar as normas legais, regulatórias e a boa-fé objetiva.
5. Como o advogado deve proceder em caso de urgência médica?
No caso de negativa em situações de urgência, pode ingressar com pedido liminar para cumprimento imediato da obrigação do plano de saúde.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm
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Este artigo teve a curadoria de Fábio Vieira Figueiredo. Advogado e executivo com 20 anos de experiência em Direito, Educação e Negócios. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP, possui especializações em gestão de projetos, marketing, contratos e empreendedorismo. CEO da IURE DIGITAL, cofundador da Escola de Direito da Galícia Educação e ocupou cargos estratégicos como Presidente do Conselho de Administração da Galícia e Conselheiro na Legale Educacional S.A.. Atuou em grandes organizações como Damásio Educacional S.A., Saraiva, Rede Luiz Flávio Gomes, Cogna e Ânima Educação S.A., onde foi cofundador e CEO da EBRADI, Diretor Executivo da HSM University e Diretor de Crescimento das escolas digitais e pós-graduação. Professor universitário e autor de mais de 100 obras jurídicas, é referência em Direito, Gestão e Empreendedorismo, conectando expertise jurídica à visão estratégica para liderar negócios inovadores e sustentáveis.
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