Publicidade Hiperpersonalizada, Inteligência Artificial e os Desafios Jurídicos na Proteção de Dados Pessoais
A utilização de inteligência artificial (IA) na publicidade digital vem crescendo de forma exponencial. Tecnologias de machine learning, redes neurais e big data permitem traçar perfis altamente acurados de consumidores, com base em suas interações digitais, padrões de consumo, comportamento social e até mesmo respostas emocionais. Esse fenômeno dá origem à chamada “publicidade hiperpersonalizada”.
O uso dessa tecnologia, no entanto, levanta sérias preocupações do ponto de vista jurídico, sobretudo na seara da proteção de dados pessoais, direitos do consumidor e autonomia da vontade. Neste artigo, examinaremos as principais implicações jurídicas decorrentes da publicidade hiperpersonalizada alimentada por algoritmos de IA, com enfoque na legislação brasileira.
O conceito de publicidade hiperpersonalizada
A publicidade hiperpersonalizada é aquela que utiliza algoritmos avançados para oferecer anúncios seletivos e adaptados aos interesses, ao histórico de comportamento e às emoções do indivíduo. Nesse cenário, a atenção do usuário se torna capital. A cada clique, rolagem e curtida, dados são coletados, interpretados e transformados em produto: a intenção do consumidor.
A transição da atenção para a intenção, no entanto, pode ultrapassar limites éticos e jurídicos. Quando algoritmos são treinados para prever e influenciar comportamentos, surge o risco de manipulação do livre-arbítrio e da autonomia do titular de dados.
Base legal para tratamento de dados na publicidade direcionada
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 13.709/2018) regula o tratamento de dados pessoais no Brasil. Para que a publicidade baseada em dados seja lícita, é necessário identificar a base legal apropriada entre as previstas no artigo 7º da LGPD.
É comum que empresas utilizem o consentimento como base, nos termos do art. 7º, I. Contudo, esse consentimento deve ser livre, informado e inequívoco. Se for obtido por caixas pré-preenchidas ou mecanismos que não garantam real compreensão do titular, poderá ser considerado inválido.
Outra base legal frequentemente invocada é o legítimo interesse (art. 7º, IX). No entanto, seu uso requer a realização de Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (DPIA), análise de proporcionalidade e adoção de salvaguardas. O legítimo interesse não pode violar os direitos fundamentais do titular, tampouco servir de escudo para práticas manipulativas.
Atenção como dado pessoal: implicações legais
O comportamento de atenção — como o tempo de permanência em uma página, pausas em vídeos, ou movimentos do cursor — pode, na prática, configurar dado pessoal, pois permite identificar preferências, estado emocional e hábitos sensíveis.
Segundo a definição do art. 5º, I, da LGPD, dado pessoal é toda informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. Assim, ainda que esses sinais sejam coletados de forma anonimizada inicialmente, podem se tornar identificáveis quando cruzados com outros dados, exigindo, portanto, compatibilidade com a LGPD.
Além disso, se o tratamento envolver dados sensíveis — como convicção religiosa, opinião política, dados genéticos ou biométricos —, aplica-se o art. 11 da LGPD, que impõe requisitos ainda mais rígidos e limita fortemente o uso para fins publicitários.
Autonomia da vontade e manipulação algorítmica
Um dos aspectos mais controversos da publicidade hiperpersonalizada é sua capacidade de interferir na tomada de decisões do consumidor. Quando um algoritmo consegue prever — e influenciar — comportamentos, ultrapassamos o território da persuasão legítima e adentramos a seara da manipulação.
A Constituição Federal assegura, em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito. Dela decorre o respeito à autonomia da vontade e o direito de autodeterminação informativa, também garantido pelo Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014), especialmente em seu art. 7º, VII.
Quando os limites entre o convencimento legítimo e a sugestão subliminar se esmaecem, o discurso jurídico passa a debater a validade do consentimento obtido e, sobretudo, a legitimidade do modelo de negócio.
Publicidade infantil e grupos vulneráveis
Outro ponto crítico diz respeito à aplicação da publicidade hiperpersonalizada a grupos vulneráveis, como crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 37, veda a publicidade abusiva direcionada ao público infantil. O Código de Defesa do Consumidor também reforça essa preocupação ao proteger a hipossuficiência informacional dos consumidores (art. 6º, III).
A coleta de dados de menores deve obedecer princípios rigorosos, e alguns juristas defendem que o consentimento parental não basta para legitimar o uso de dados para publicidade direcionada, dado o impacto psicológico potencial e o desequilíbrio de forças na relação tecnológica.
Discriminação algorítmica e responsabilidade civil
Os algoritmos usados para fins publicitários muitas vezes operam sob lógicas opacas e podem reproduzir ou acentuar vieses discriminatórios. Por exemplo, campanhas podem segmentar indivíduos com base em raça, gênero, condição socioeconômica ou outros critérios sensíveis, produzindo discriminação injustificada.
A LGPD, em seu art. 20, garante ao titular o direito de revisão das decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado, incluindo aquelas destinadas a definir perfis. Além disso, o art. 6º, VIII, determina como princípio o tratamento não discriminatório.
Já no campo da responsabilidade civil, o Código Civil impõe o dever de reparar danos (art. 927), inclusive morais. Assim, se o direcionamento publicitário resultar em prejuízo à honra, imagem ou liberdade do titular, o responsável pelo tratamento poderá ser demandado judicialmente.
Transparência, explicabilidade e direitos do titular
Um dos principais desafios impostos pela adoção da IA em publicidade está no dever de transparência. O art. 9º da LGPD obriga o controlador a fornecer informações claras, adequadas e ostensivas sobre o tratamento de dados, seus critérios e finalidades.
Adicionalmente, o art. 18 garante ao titular diversos direitos, incluindo o acesso, correção, portabilidade, anonimização, revogação de consentimento e exclusão dos dados. Em ambientes altamente automatizados, o exercício desses direitos pode ser complexo, exigindo soluções tecnológicas e jurídicas para sua efetividade.
Por isso, muitos especialistas defendem a aplicação do princípio da explicabilidade, ou seja, a necessidade de tornar compreensíveis os sistemas automatizados para que haja real accountability por suas decisões.
Boas práticas e governança de dados em publicidade digital
Diante desse cenário, a adoção de boas práticas de governança e compliance em proteção de dados é imprescindível. Elas devem abranger:
1. Minimização de dados
Limitar a coleta ao estritamente necessário para o propósito declarado.
2. DPIA (Relatório de Impacto)
Ao adotar publicidade baseada em IA, realizar avaliações de impacto conforme exigido por lei, sobretudo ao tratar dados sensíveis ou impactar direitos fundamentais.
3. Controle granular sobre consentimento
Oferecer mecanismos eficazes para gestão do consentimento, incluindo opt-out e painéis de preferências acessíveis ao titular.
4. Revisão contínua de algoritmos
Monitoramento técnico e jurídico dos parâmetros utilizados para segmentação de audiência, buscando mitigar viés algorítmico e desigualdade de tratamento.
5. Transparência e educação digital
Promover termos de uso mais compreensíveis, com linguagem acessível, e ações educativas que esclareçam o uso de IA e coleta de dados no ambiente digital.
Um aprofundamento consistente em fundamentos jurídicos da proteção de dados e governança algorítmica é crucial para a atuação ética e estratégica dos operadores do Direito nesse novo contexto digital. Para isso, cursos como a Certificação Profissional em Privacidade e Proteção de Dados I oferecem uma base teórica sólida e aplicável.
Conclusão
As fronteiras entre publicidade, dados e manipulação algorítmica estão sendo continuamente testadas por inovações tecnológicas. A resposta jurídica a essas transformações deve ser rigorosa, mas ao mesmo tempo sofisticada o suficiente para compreender a complexidade dos modelos de IA aplicados no marketing digital.
Cabe ao jurista contemporâneo não apenas conhecer a legislação em vigor, mas dominá-la à luz das novas arquiteturas tecnológicas e dos desafios éticos que dela emergem.
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Insights Finais
1. Do ponto de vista jurídico, a publicidade hiperpersonalizada demanda atenção redobrada às bases legais para tratamento de dados pessoais, especialmente quando envolvem dados sensíveis ou técnicas de inferência emocional.
2. A autonomia da vontade e o direito à autodeterminação informativa podem ser comprometidos por sistemas algorítmicos que ultrapassam o limiar da persuasão legítima e adentram a manipulação comportamental.
3. A responsabilidade civil por danos decorrentes de segmentação discriminatória ou uso ilegítimo de dados é uma realidade crescente, sendo vital preparar-se para litígios complexos nesse campo.
4. O papel do advogado estará cada vez mais ligado à auditoria de sistemas automatizados, aconselhamento sobre governança de dados e desenhos de políticas de compliance algorítmico.
5. A formação continuada em privacidade, proteção de dados e inteligência artificial não é mais um diferencial: é exigência para a prática jurídica responsável no século XXI.
Perguntas e Respostas
1. O que diferencia a publicidade hiperpersonalizada da publicidade tradicional?
A hiperpersonalização utiliza análise de dados em tempo real e inteligência artificial para direcionar mensagens publicitárias específicas com base no comportamento, localização, emoções e preferências individuais, indo além de simples segmentações demográficas usadas na publicidade tradicional.
2. É possível utilizar o legítimo interesse como base legal para esse tipo de publicidade?
Sim, é possível, mas exige extrema cautela. O legítimo interesse deve ser avaliado caso a caso, com base em proporcionalidade, necessidade e impacto sobre os direitos do titular. A realização do Relatório de Impacto (DPIA) é recomendada e, em muitos casos, indispensável.
3. A coleta de rastros de comportamento online (como cliques e tempo de leitura) precisa seguir a LGPD?
Sim. Mesmo que o dado coletado, isoladamente, não identifique o indivíduo, ele pode se tornar identificável ao ser combinado com outros dados. Assim, precisam respeitar os princípios e bases legais da LGPD.
4. Quais são os riscos jurídicos do uso inconsciente de IA em campanhas publicitárias?
Os riscos incluem infrações à LGPD, violação do Código de Defesa do Consumidor, responsabilidades civis por danos materiais e morais, além de sanções administrativas da ANPD.
5. A publicidade comportamental para crianças é legal no Brasil?
Não. O ECA e o CDC proíbem a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência de crianças, o que inclui mecanismos automatizados de publicidade direcionada para esse público.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-ago-07/quando-a-atencao-vira-intencao-os-seis-riscos-do-avanco-da-ia-na-publicidade-hiperpersonalizada-para-o-consumidor/.