A prova testemunhal no processo penal: limites, critérios e o princípio da legalidade
A importância da prova testemunhal no sistema acusatório
No processo penal brasileiro, a prova testemunhal desempenha um papel crucial na formação do convencimento do juiz. Trata-se de um meio tradicional e amplamente utilizado, especialmente em casos nos quais outras provas são escassas ou inexistentes. No entanto, seu uso exige cuidados meticulosos quanto à admissibilidade, credibilidade e legalidade das informações trazidas ao processo.
A prova testemunhal deve se fundamentar em elementos presenciados ou de ciência direta do depoente. Isso porque o processo penal é regido pelo princípio da legalidade e da ampla defesa, e admitir testemunhos baseados apenas em relatos de terceiros – o chamado boato ou “ouvi dizer” – confronta diretamente garantias fundamentais.
O valor jurídico do testemunho de “ouvi dizer”: inadmissibilidade como prova penal
Um dos temas mais relevantes na análise da prova testemunhal é a diferenciação entre testemunho direto e indireto. O testemunho direto é aquele em que a testemunha relata fatos que presenciou ou sobre os quais tem conhecimento pessoal. Já o testemunho indireto se baseia em relatos de outras pessoas, assumindo a figura do “ouvi dizer”.
Essa distinção tem profunda relevância prática. O artigo 155 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial”. Ainda assim, essa liberdade é balizada por critérios legais que demandam que as provas tenham origem lícita, conteúdo confiável e base empírica defensável.
Provas com base unicamente em testemunhos indiretos carecem de confiabilidade mínima, enfraquecendo o contraditório e a ampla defesa. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) já firmaram entendimento no sentido de que depoimentos baseados apenas em boatos não são suficientes para condenação, tampouco para fins de pronúncia no Tribunal do Júri.
O papel do contraditório e da ampla defesa na apreciação da prova testemunhal
A aceitação de testemunhos com base em “ouvi dizer” viola um dos pilares do processo penal: o contraditório. O réu precisa ter a oportunidade de conhecer, confrontar e questionar todos os elementos que integram os autos do processo.
Ao permitir que uma acusação prospere exclusivamente com base em depoimentos indiretos, o Judiciário incorre em manifesta violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que assegura o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Além disso, no âmbito do Tribunal do Júri, o artigo 413 do CPP exige, para que ocorra a pronúncia, que existam “indícios suficientes da autoria e da materialidade do fato”. Indícios baseados em afirmações vagas e reproduções sem fonte confiável não são suficientes para dar seguimento à ação penal.
Precedentes jurisprudenciais e a aplicação prática pelos tribunais
Diversos tribunais superiores vêm reafirmando, em decisões reiteradas, que não se pode admitir como suficiente para a pronúncia ou condenação criminal o depoimento de testemunhas que não tiveram contato direto com os fatos narrados, limitando-se a reproduzir o que ouviram de terceiros.
O STJ, por exemplo, reconheceu em diversos julgados que o testemunho por boato compromete de forma irremediável a higidez da prova e não pode ser confrontado de forma eficaz pelo réu, trazendo insegurança jurídica ao processo.
A jurisprudência tem evoluído no sentido de reforçar a necessidade de demonstração concreta da existência do fato criminoso e da probabilidade razoável de autoria para o réu ser levado ao Tribunal do Júri. Considerações generalistas ou relatos sabidamente indiretos devem ser desconsiderados para fins de pronúncia.
A diferenciação entre testemunha, informante e “testemunha referida”
Outro ponto jurídico relevante é a correta distinção entre testemunha, informante e a chamada “testemunha referida”. A testemunha é aquela que, conforme o artigo 202 do CPP, deve relatar perante o juiz fatos relevantes que tenha presenciado ou de que tenha conhecimento próprio.
Já o informante não é obrigado a dizer a verdade e não presta compromisso de veracidade – por exemplo, familiares próximos do réu. A testemunha referida, por sua vez, é aquela mencionada por outra testemunha e pode, mais tarde, ser arrolada para prestar depoimento direto. Entretanto, enquanto não ouvida diretamente, tal referência deve ser tratada apenas como elemento acessório, sem valor probatório pleno.
É comum confusão entre essas figuras, o que gera vícios processuais significativos. A imputação penal exige prova que traga mínima segurança quanto à origem dos fatos, e os tribunais mantêm a exigência de que tal prova seja substancial, não meramente opinativa ou indireta.
Conteúdo, forma e credibilidade da prova para fins de pronúncia
No procedimento do Júri, a decisão que pronuncia o réu deve conter lastro probatório mínimo quanto à materialidade do crime (geralmente atestada pelo laudo pericial) e autoria ou participação. Essa é a exigência do artigo 413 do CPP.
A jurisprudência exige que o conteúdo das provas levadas aos autos esteja apto a demonstrar elementos mínimos e plausíveis de envolvimento do réu no fato apurado. A forma como a prova se insere no processo não pode violar as garantias processuais e, sobretudo, deve respeitar a lógica e a coerência jurídica. Provas frágeis, contraditórias ou calcadas exclusivamente em falas de “ouvi dizer” carecem de credibilidade necessária para ultrapassar o juízo de admissibilidade da acusação.
O processo penal, nesse contexto, não pode se orientar por convicções pessoais, presunções ou inferências desacompanhadas de base empírica sólida. Condenar alguém com base apenas em “ecos” de informações despersonalizadas é ignorar todo o rigor exigido pelo ordenamento jurídico.
O princípio do in dubio pro reo na formação da convicção e na pronúncia
Quando a única prova de autoria existente nos autos se mostra frágil ou duvidosa, a solução jurídica, seja na sentença de mérito ou na fase da pronúncia, deve ser orientada pelo princípio do in dubio pro reo. Trata-se de um dos princípios estruturantes do processo penal, presente nas garantias constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência (art. 5º, incisos LIV e LVII, da CF).
Este princípio impõe ao Juiz a obrigação de não lavrar decisão desfavorável ao réu na ausência de elementos objetivos e consistentes. Isso se aplica tanto para absorvições sumárias quanto para rejeições de denúncia ou negativa de pronúncia.
É por esse motivo que a jurisprudência tem exigido um mínimo de elementos confiáveis para justificar um juízo de admissibilidade da acusação. No sistema acusatório brasileiro, nenhuma pessoa pode ser levada a julgamento popular sem que haja justa causa, definida como um conjunto de indícios concretos e relevantes de autoria delitiva.
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Insights para o profissional do Direito
1. O uso cuidadoso da prova testemunhal é decisivo para a legitimidade do processo penal
2. Testemunhos baseados em “ouvi dizer” não atendem aos requisitos constitucionais e legais das provas
3. A pronúncia exige mais do que alegações: requer indícios concretos, legais e contraditados de autoria
4. Profissionais do Direito devem dominar a distinção entre provas diretas e indiretas e suas consequências
5. A atuação qualificada da defesa técnica pode evitar que acusações frágeis prosperem até o Júri
Perguntas e Respostas
1. Depoimentos baseados em “ouvi dizer” podem fundamentar uma condenação?
Não. Depoimentos indiretos, sem confirmação por outras provas, não possuem valor suficiente para condenação e violam garantias fundamentais como o contraditório e a presunção da inocência.
2. O que é necessário para que haja uma pronúncia válida no rito do Tribunal do Júri?
É preciso que haja prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria. Provas frágeis ou puramente baseadas em boatos são insuficientes.
3. O juiz pode utilizar qualquer tipo de prova para formar sua convicção?
Não. O artigo 155 do CPP exige que o juiz se baseie em provas produzidas judicialmente e sob contraditório. Há limites legais para essa apreciação.
4. A quem cabe instruir o juiz sobre a insuficiência de determinadas provas?
À defesa, por meio de requerimentos, memoriais, sustentações orais e recursos. A atuação técnica e qualificada da defesa é essencial para garantir que apenas provas válidas sejam consideradas.
5. Como aprofundar o conhecimento técnico sobre o tema e suas implicações no processo penal?
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-16/juiza-nega-pronuncia-de-reu-acusado-com-base-em-ouvi-dizer/.