Propriedade Intelectual de Criações Funcionais no Contrato de Trabalho
Introdução ao tema
O desenvolvimento de softwares, ferramentas digitais e outras inovações por empregados dentro do contexto da relação laboral levanta uma série de questões jurídicas relevantes. Dentre elas, destaca-se a titularidade dos direitos autorais ou de propriedade intelectual pelas obras criadas durante a vigência do contrato de trabalho. A legislação brasileira dispõe sobre o tema, mas a complexidade das relações de trabalho modernas exige uma análise minuciosa dos limites, exceções e consequências jurídicas envolvidas.
Neste artigo, aprofundamos as regras jurídicas sobre a titularidade de criações funcionais, com foco naquelas relacionadas à produção intelectual do trabalhador, especialmente no que se refere à criação de softwares e programas de computador.
Criação intelectual no ambiente de trabalho: conceitos centrais
A principal distinção que fundamenta a definição de titularidade sobre obras criadas durante o vínculo empregatício está entre as criações funcionais e as criações desvinculadas da atividade funcional do empregado. Para compreendermos o alcance desse conceito, é necessário analisar as normas específicas de direito autoral e da Lei de Software.
Criações intelectuais e o Direito do Trabalho
Segundo a legislação civil e trabalhista brasileira, uma criação intelectual gerada durante o desempenho das funções do trabalhador pode pertencer ao empregador se ocorrer dentro de determinadas condições.
O artigo 4º, §1º da Lei nº 9.609/1998 (Lei de Software) estabelece que:
“A titularidade dos direitos referentes a programas de computador desenvolvidos durante a vigência do contrato ou vínculo, por empregado ou prestador de serviços, pertencerá ao empregador […] quando o desenvolvimento decorrer da execução de contrato de trabalho ou prestação de serviços, que tenha por objeto a pesquisa e o desenvolvimento de programas de computador.”
Trata-se, portanto, de uma norma que condiciona a titularidade patronal à existência de vínculo contratual que preveja explicitamente a obrigação funcional de desenvolver software.
Criação funcional versus criação pessoal
É necessário distinguir dois aspectos fundamentais:
1. A criação funcional é aquela cuja concepção e desenvolvimento integram diretamente as tarefas atribuídas ao empregado. O trabalhador está, nesse caso, investido do dever de criar como parte de sua função — por exemplo, um analista de sistemas contratado para desenvolver soluções digitais para a empresa.
2. A criação pessoal, por sua vez, ocorre à margem da função contratual. Mesmo que realizada durante o vínculo empregatício, se não estiver vinculada às obrigações funcionais e for feita com recursos próprios e fora do horário de expediente, os direitos poderão pertencer exclusivamente ao trabalhador.
Essa diferenciação tem impactos diretos na análise da titularidade e também na existência (ou não) de eventual indenização pela empresa.
A titularidade da obra: interpretação jurisprudencial
Entendimento predominante na jurisprudência
De forma geral, o Poder Judiciário tem firmado entendimento de que, existindo previsão contratual clara para a criação de software, presume-se que os direitos patrimoniais decorrentes da obra desenvolvida pertencem ao empregador.
Contudo, há casos em que a autoria intelectual e a titularidade patrimonial são cindidas, especialmente quando o empregado extrapola os limites de sua função contratual ou desenvolve a obra com nível significativo de autonomia intelectual.
As decisões enfatizam a necessidade de comprovação do nexo entre a criação e as obrigações contratualmente estipuladas. Se esse nexo não for estabelecido, o reconhecimento da titularidade do empregado pode ser admitido, com base nos artigos 11 e 13 da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998).
Boas práticas contratuais: cláusulas de proteção
Para evitar litígios, recomenda-se que a empresa descreva com clareza no contrato de trabalho as funções do empregado, especialmente nos cargos técnicos e criativos. A formalização de cláusulas de cessão de direitos patrimoniais (respeitando as exigências da legislação) oferece maior segurança jurídica às partes.
A ausência de cláusulas claras pode gerar margem para discussões judiciais acerca da existência de vínculo criativo funcional e, portanto, sobre a quem pertence a titularidade da obra.
Direitos autorais morais e patrimoniais: limites na relação empregatícia
Natureza inalienável dos direitos morais
Os direitos morais do autor, previstos no artigo 24 da Lei nº 9.610/1998, são inalienáveis e irrenunciáveis. Isso significa que, independentemente de quem detenha os direitos patrimoniais, o criador sempre será reconhecido como autor da obra.
Portanto, mesmo que o empregador detenha os direitos de exploração econômica da obra (uso, comercialização, modificação), o empregado tem direito de ser identificado como seu autor, nos moldes do art. 13, parágrafo único, da Lei de Software, que também resguarda esse aspecto moral do direito.
Direitos patrimoniais: possibilidade de cessão
Já os direitos patrimoniais podem ser transferidos ao empregador, total ou parcialmente, desde que mediante contrato escrito e com previsão clara. A cessão não pode ser presumida, conforme preconizado no artigo 49 da Lei de Direitos Autorais.
A Lei de Software, no entanto, faculta que o contrato de trabalho — se expressar a expectativa funcional de criação — sirva como base jurídica para a transmissão automática dos direitos patrimoniais.
Ações judiciais típicas envolvendo disputas sobre propriedade intelectual
Indenizações por uso indevido da criação
Casos em que o empregador comercializa ou obtém vantagem econômica significativa com a criação do empregado sem previsão contratual podem ensejar ações indenizatórias. Nesses casos, o trabalhador busca o reconhecimento de sua titularidade patrimonial ou compensações econômicas proporcionais à exploração da obra.
No entanto, para o êxito da ação, o empregado deverá comprovar:
– Que a criação não fazia parte de suas obrigações funcionais;
– Que desenvolveu a obra com autonomia e fora do escopo contratual;
– Que a empresa apropriou-se indevidamente do benefício econômico.
Pedidos declaratórios de coautoria ou exclusividade
Outra linha de litígios passa por pedidos para que o Poder Judiciário reconheça o empregado como autor ou coautor de determinada solução técnica produzida durante o contrato. Embora isso envolva direitos morais (já reconhecidos), muitas vezes o objetivo do autor é reivindicar também a titularidade patrimonial futura da obra ou a anulação de cessão viciada.
Reflexões práticas: como advogados devem lidar com o tema
Assessoria preventiva e contratual
A advocacia empresarial tem papel fundamental ao orientar empregadores sobre a correta redação de contratos de trabalho que envolvam criação intelectual. A descrição das funções, a previsão clara sobre titularidade de obras criadas e a política interna de inovação são mecanismos que reduzem litígios e protegem o patrimônio imaterial das empresas.
Também é papel do advogado esclarecer os limites legais da cessão de direitos e os riscos de tentar presumir titularidade sobre criações não funcionais.
Atuação contenciosa e probatória
Nos casos de litígios já instaurados, o domínio dos conceitos de autoria, titularidade patrimonial e os limites da cessão no contrato laboral ajudam o profissional na elaboração de teses jurídicas e estratégias probatórias.
Relatórios técnicos sobre o desenvolvimento da obra, comunicações internas, registros de horário, e-mails, organogramas e contratos anteriores auxiliam na comprovação (ou negação) do vínculo funcional entre a criação e o contrato de trabalho.
O tema exige profundo conhecimento das normas de direitos autorais, da Lei de Software e da legislação trabalhista. Cursos especializados como a Pós-Graduação em Direito e Novas Tecnologias são indicados para profissionais que desejam atuar com excelência nessa interseção entre propriedade intelectual e relações laborais.
Considerações finais
O tratamento jurídico da titularidade de obras intelectuais criadas por empregados exige análise cuidadosa do contrato de trabalho, das funções desempenhadas e da legislação específica sobre direitos autorais e software. A individualização entre o que é funcional e o que é fruto de iniciativa pessoal do empregado tem impactado diretamente a distribuição de direitos e obrigações entre as partes.
Na prática, recomenda-se que empregadores e empregados tenham regras claras em contratos e que os profissionais do Direito estejam atualizados diante das transformações constantes do mundo do trabalho e da inovação tecnológica.
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Insights para profissionais do Direito
– A titularidade sobre criações intelectuais no contrato de trabalho não é automática. É essencial verificar a função contratual e a finalidade da criação.
– Direitos morais não se transferem, mesmo quando os patrimoniais são cedidos.
– A ausência de cláusula contratual permite ao empregado pleitear judicialmente a indenização pelo uso comercial da obra.
– Empresas devem regulamentar bem suas políticas de inovação para evitar litígios futuros.
– Advogados trabalhistas e cíveis precisam dominar tanto a legislação tecnológica quanto princípios de direito do trabalho.
Perguntas e respostas comuns
1. Todo software criado por um empregado pertence ao empregador?
Não. Apenas se a criação decorrer da execução das atividades previstas no contrato de trabalho, e se estas incluírem o desenvolvimento de software. Se foi uma criação pessoal e desvinculada da função, o empregado pode reter a titularidade.
2. O empregado pode impedir que a empresa use uma criação feita durante o vínculo?
Em regra, não, se a criação for funcional. Todavia, se provar que a obra foi feita sem vinculação à função contratual, poderá reivindicar seus direitos patrimoniais e até impedir o uso indevido.
3. É necessário um contrato específico para as criações intelectuais dentro do emprego?
Não obrigatoriamente, mas é altamente recomendado. O contrato de trabalho pode conter cláusulas de cessão de direitos patrimoniais. A ausência de tais cláusulas abre espaço para controvérsias.
4. O nome do empregado precisa ser creditado como autor da obra?
Sim. Os direitos morais são irrenunciáveis pela legislação brasileira. Mesmo que o empregador detenha os direitos patrimoniais, o empregado tem direito de ser identificado como autor.
5. A empresa pode registrar a criação no INPI ou no Instituto Nacional de Direitos Autorais sem o consentimento do empregado?
Pode registrar, desde que haja cessão prévia e legalmente válida dos direitos patrimoniais. Sem essa cessão, o registro pode ser contestado judicialmente.
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-06/tst-nega-indenizacao-a-ex-gerente-de-logistica-por-criacao-de-software/.