Primazia da realidade trabalhista: fundamentos e desafios atuais

Artigo sobre Direito

A primazia da realidade no Direito do Trabalho: fundamentos, limites e desafios

O que é a primazia da realidade no Direito do Trabalho?

A primazia da realidade constitui um dos princípios basilares do Direito do Trabalho, configurando-se como elemento interpretativo essencial para a proteção do trabalhador. Em termos simples, esse princípio estabelece que, havendo divergência entre a forma e a substância de uma relação jurídica trabalhista, deve-se considerar a realidade dos fatos efetivamente praticados, e não os documentos formais apresentados.

Presente em diversos julgados e consagrada pela doutrina trabalhista, a primazia da realidade funciona como uma salvaguarda diante de fraudes, simulações e manobras contratuais destinadas a restringir direitos trabalhistas. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é repleta de precedentes aplicando esse princípio quando, por exemplo, há contratação como pessoa jurídica (pejotização) que encobre uma típica relação de emprego.

Fundamento jurídico do princípio

Embora a primazia da realidade não esteja expressamente positivada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o princípio encontra respaldo implícito nos arts. 9º e 3º da CLT:

– Art. 9º da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
– Art. 3º da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário.”

Esses dispositivos permitem que o juiz do trabalho, diante de suspeita de desconformidade entre o contrato e a realidade da prestação de serviços, reconheça a existência de relação empregatícia conforme os elementos fáticos comprovados ao longo do processo: subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade.

Objetivos e função protetiva

O escopo maior desse princípio é a efetivação da função tutelar do Direito do Trabalho. Dado o desequilíbrio estrutural na relação entre trabalhador e empregador, o legislador e os tribunais enfatizaram a realidade como critério interpretativo para evitar que a autonomia da vontade seja usada de forma abusiva.

Desse modo, mesmo que as partes celebrem um contrato de prestação de serviços autônomos ou um acordo de parceria empresarial, a Justiça do Trabalho pode — e deve — intervir sempre que houver evidências da existência de fatos incompatíveis com os acordos formalizados.

Contexto atual: precedentes, segurança jurídica e desafios

A reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017) introduziu dispositivos que fortaleceram a liberdade contratual, especialmente o art. 443, parágrafo 3º da CLT, que reconhece a possibilidade de prestação de serviços por pessoas jurídicas — os chamados “trabalhadores PJ´s”.

Entretanto, a aplicação da primazia da realidade continua sendo um contraponto essencial para evitar que a autonomia privada extrapole os limites legais. Com o aumento da formalização de relações laborais atípicas, é comum que empregadores aleguem validade jurídica com base na forma contratada e em julgados anteriores (“precedentes seguros”).

Esse cenário traz à tona um desafio: como equilibrar a segurança jurídica proporcionada pelos precedentes e convenções com a aplicação do princípio da primazia da realidade?

A conexão com o princípio da dignidade da pessoa humana

A primazia da realidade não é apenas uma diretriz interpretativa interna da CLT. Ela se conecta diretamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Ao preservar o trabalhador de arranjos contratuais simulados, protegendo seu direito à remuneração digna, ao tempo de descanso e à segurança social, o Direito do Trabalho reafirma seu caráter humanista.

Assim, mais do que proteger normas trabalhistas, a primazia da realidade protege valores constitucionais, posicionando-se como um baluarte contra a precarização das relações de emprego.

Limites da incidência do princípio

A importância da prova dos fatos

Para que o princípio da primazia da realidade produza efeitos práticos, é imprescindível a demonstração clara dos fatos que revelam uma típica relação de emprego. Declarações genéricas ou argumentos subjetivos não são suficientes. É necessária prova robusta de que o trabalhador exercia suas atividades com as características do vínculo empregatício.

É nesse ponto que a atuação do advogado trabalhista é decisiva. A adequada instrução do processo, por meio de testemunhas, documentos e presunções legais, é o que dá concretude à aplicação do princípio.

Convivência com a Reforma Trabalhista

A Reforma Trabalhista ampliou o espectro da contratação por formas alternativas, permitindo maior flexibilização na estruturação das relações de trabalho. No entanto, essa flexibilidade contratual não tem o poder de afastar a aplicação da primazia da realidade quando caracterizada fraude ou desvio de finalidade.

A convivência entre liberdade contratual e o princípio da primazia da realidade é possível, desde que se respeite a função social dos contratos (art. 421 do Código Civil) e a boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil).

Aplicações práticas: pejotização, terceirização e trabalho análogo

Pejotização

A pejotização é a principal hipótese de aplicação do princípio da primazia da realidade. Consiste na simulação de uma relação entre empresas (quando na realidade há um vínculo empregatício) com o intuito de driblar encargos trabalhistas e previdenciários.

Ao analisar situações desse tipo, os tribunais trabalhistas verificam a presença dos elementos da relação de emprego e, se constatados, desconsideram o formato PJ formalizado.

Terceirização ilícita

Apesar de a terceirização ter sido ampliada após a Lei nº 13.429/2017, a jurisprudência permite a requalificação da relação laboral caso reste demonstrada subordinação direta do trabalhador ao tomador de serviços. Nestes casos, o contrato entre empresas é superado pela realidade, atribuindo-se vínculo com a empresa beneficiária da mão de obra.

Condições degradantes e informalidade

O princípio também se aplica em contextos nos quais trabalhadores são inseridos em rotinas laborais sem qualquer formalização ou em condições análogas à escravidão. Nestes casos, mais do que uma questão contratual, a análise fática torna-se imprescindível para assegurar o mínimo existencial garantido pela Constituição.

Formação jurídica e domínio do tema

A correta compreensão e aplicação da primazia da realidade requerem preparo técnico, conhecimento das fontes do Direito do Trabalho e atenção à jurisprudência atualizada. Profissionais que atuam na área precisam estar aptos a manejar os elementos fáticos de forma estratégica, assegurar os direitos dos trabalhadores e evitar riscos de passivo para os empregadores.

Nesse sentido, o domínio aprofundado deste princípio e de suas aplicações torna-se um diferencial competitivo para advogados trabalhistas. Para isso, é recomendável participar de programas de capacitação voltados à prática do Direito do Trabalho, como a Certificação Profissional em Fundamentos do Direito do Trabalho.

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Insights finais

A primazia da realidade é um poderoso instrumento de justiça material, essencial para proteção da parte mais vulnerável na relação trabalhista. Mesmo em um contexto jurídico cada vez mais voltado para a flexibilização e para a valorização das formas contratuais, a realidade dos fatos permanece como critério soberano.

No equilíbrio entre segurança jurídica e efetividade dos direitos fundamentais do trabalhador, o princípio da primazia da realidade emerge como elemento de ponderação. Seu mau uso pode gerar insegurança jurídica; sua omissão, no entanto, pode abrir as portas para a exploração.

Para o profissional do Direito, o estudo cuidado desse princípio transcende a mera teoria jurídica. Trata-se de uma ferramenta essencial para se diferenciar no contencioso trabalhista, oferecer maior segurança aos clientes e promover justiça em sua essência.

Perguntas e Respostas Frequentes

1. A primazia da realidade se aplica apenas às relações de trabalho informais?

Não. Embora seja frequentemente invocada quando há informalidade, a primazia da realidade também se aplica em relações formalizadas, mas cuja execução dos serviços revela vínculo empregatício disfarçado ou simulado.

2. Trabalhadores contratados como PJ podem ser reconhecidos como empregados?

Sim. Se os elementos fáticos característicos da relação de emprego estiverem presentes (pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade), o vínculo pode ser reconhecido, independentemente da formalização como pessoa jurídica.

3. Como advogados podem comprovar a realidade dos fatos no processo?

Por meio de testemunhas, troca de mensagens, comprovação de horários, ordens diretas do empregador e outros elementos que demonstrem controle e subordinação.

4. O uso da primazia da realidade é limitado pela Reforma Trabalhista?

Não. Apesar das flexibilizações trazidas pela reforma, a primazia da realidade continua sendo aplicada quando verificada fraude, desvirtuamento ou simulação contratual incompatível com a realidade dos fatos.

5. A Justiça do Trabalho pode aplicar de ofício o princípio da primazia da realidade?

Sim. O juízo trabalhista possui ampla liberdade para analisar os fatos do processo, e pode reconhecer o vínculo empregatício ex officio, mesmo que não tenha sido o pedido principal da ação, desde que estejam presentes os elementos caracterizadores do vínculo.

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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-28/em-um-mundo-de-precedentes-ha-espaco-para-primazia-da-realidade/.

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