O Poder de Sustenção de Atos Normativos pelo Congresso Nacional: Limites e Fundamentos Jurídicos
O sistema de freios e contrapesos no Direito Constitucional Brasileiro
O ordenamento jurídico brasileiro é estruturado com base na separação de poderes, conforme previsto no artigo 2º da Constituição Federal de 1988. Todavia, esse princípio não implica em isolamento ou autonomia absoluta. Ao contrário, há um sistema interdependente de freios e contrapesos (checks and balances), em que cada poder exerce mecanismos de controle sobre os demais.
Nesse contexto, destaca-se a competência do Congresso Nacional para sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa. Esse mecanismo de controle é fundamental para a preservação do equilíbrio entre os Poderes da República.
Fundamento jurídico da sustação de atos normativos
A base constitucional para a sustação de atos normativos está no artigo 49, inciso V, da Constituição Federal:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(…)
V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa;”
A norma confere ao Congresso um controle de legalidade das normas infralegais emanadas do Executivo. Em termos técnicos, não se trata aqui de controle de constitucionalidade, mas de controle político-legislativo, exercido pelo Parlamento sem necessidade de provocação judicial.
Esse dispositivo confere ao Poder Legislativo a última palavra no tocante ao controle da legalidade de atos normativos autônomos do Executivo que ultrapassam os limites autorizados ou invadem a competência do Legislativo.
O que configura o abuso do poder regulamentar?
O poder regulamentar é conferido ao Chefe do Executivo, conforme o artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal. Por meio dele, o Presidente da República pode expedir decretos e regulamentos para fiel execução das leis.
Contudo, a atuação nesse campo deve se restringir à fiel execução da lei, sem inovar no ordenamento jurídico. Quando um ato infralegal (como um decreto) cria obrigações novas, modifica tributos, impõe penalidades não previstas em lei ou interfere no campo reservado à legislação, há extrapolação.
Esse abuso é precisamente o que o artigo 49, V, permite ao Congresso sustar, exercendo legítima defesa do espaço de conformação normativa próprio do parlamento.
Tributos e o princípio da legalidade
No campo tributário, o princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CF/88) é especialmente sensível a abusos. Nenhum tributo pode ser instituído ou aumentado sem lei que o estabeleça. Este princípio é reforçado pelas disposições do Código Tributário Nacional (CTN), especialmente o artigo 97, que exige lei para instituir ou majorar tributos, alterá-los essencialmente ou modificar bases de cálculo ou alíquotas.
Contudo, algumas exceções existem, como é o caso dos tributos com alíquotas moduláveis por ato do Executivo, hipótese prevista no artigo 153, §1º da CF/88. O Imposto sobre Operações de Crédito (IOF) é um exemplo clássico, cujas alíquotas podem, conforme a lei, ser modificadas por decreto do Executivo.
Mesmo assim, essa delegação à modulação de alíquotas não é ilimitada: está atada aos termos da lei autorizadora. Caso um decreto exceda os limites legais – seja por modificar base de cálculo, seja por instituir nova incidência – ele poderá ser objeto de sustação conforme o artigo 49, V.
O processo legislativo da sustação de atos
A sustação de atos do Executivo que exorbitem seu poder regulamentar é processada no âmbito do Congresso Nacional e não depende de provocação de outro poder. O procedimento pode ter início por proposição de Resolução Legislativa. Em regra, é admitido o julgamento político sobre a existência ou não de excesso.
Ao sustar o efeito do ato normativo, o Congresso não está produzindo norma nova, tampouco julgando no sentido técnico-jurídico. Está, sim, retirando do mundo jurídico os efeitos de um ato incompatível com o sistema normativo, preservando as competências legislativas exclusivas.
O controle judicial e o controle legislativo: complementaridade ou sobreposição?
É importante destacar que o exercício do controle político-legislativo pelo Congresso não exclui o controle judicial. Ambos coexistem. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que, mesmo havendo a possibilidade de sustação parlamentar, a parte prejudicada pode acessar o Judiciário para discutir a legalidade ou constitucionalidade do ato.
Essa dualidade de controles reforça a proteção jurídica à legalidade e ao equilíbrio federativo. O Judiciário avalia conflitos com base em ação judicial provocada; já o Legislativo exerce seu controle no âmbito político, sem provocação específica, mas sempre com base jurídica, conforme determina o artigo 49, V, da Constituição.
Importância para a prática jurídica
O estudo dos limites do poder normativo do Executivo e da atuação do Congresso na sustação de atos exorbitantes é essencial para os profissionais do Direito que atuam com Direito Público, Direito Tributário e Direito Constitucional. A compreensão técnica dessas competências pode ser determinante para a elaboração de pareceres, propositura de ações e estratégias de controle normativo institucional.
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A distinção entre decreto autônomo e decreto regulamentar
A compreensão sobre os limites do poder normativo passa pela distinção entre dois tipos de decretos: o decreto autônomo e o decreto regulamentar.
O decreto autônomo está previsto no artigo 84, VI, da CF/88, e permite que o Presidente da República, mediante decreto, disponha sobre:
a) a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
b) a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.
Nos demais casos, os decretos têm função meramente regulamentar – ou seja, apenas detalham a execução das leis. Não têm competência para criar direitos, deveres, tributos ou sanções que não estejam previstas previamente em lei ordinária.
Quando um decreto infringe esse limite, estamos diante de violação direta ao princípio da reserva legal, abrindo caminho para atuação sustatória do Congresso.
Remédios jurídicos alternativos e complementaridade dos controles
Além da sustação pelo Congresso, os atos normativos ilegais ou inconstitucionais podem ser objeto de controle judicial por meio de ações como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o Mandado de Segurança coletivo, o Ato Popular e a Reclamação Constitucional. Tais ações podem ser manejadas por partidos políticos, entidades de classe, cidadãos e outros legitimados previstos no artigo 103 da Constituição.
Enquanto o Congresso atua por sua iniciativa, conforme o artigo 49, V, o controle judicial depende de provocação. Há, portanto, uma convergência funcional – não uma sobreposição – entre os dois instrumentos de vigilância jurídico-política da legalidade do ordenamento.
Consequências jurídicas da sustação
Uma vez sustado o ato normativo pelo Congresso, ele perde validade e eficácia imediatamente. Como a Constituição não exige homologação do Judiciário, a decisão política-legislativa do Congresso é autoexecutável. Significa que nenhum órgão da administração pública pode mais aplicar ou se valer do ato suspenso.
Inclusive, atos administrativos baseados no normativo sustado podem ser revistos, anulados ou ter seus efeitos estornados, especialmente quando prejudiciais ao administrado. A doutrina aponta inclusive a possibilidade de responsabilização administrativa, civil ou penal de agentes públicos que, mesmo após a sustação, insistam na aplicação indevida do normativo.
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Insights
A sustentação pela via política e legislativa é uma ferramenta constitucional que fortalece a democracia e o equilíbrio entre os Poderes. Profissionais do Direito, especialmente aqueles que atuam em áreas como Direito Público, Tributário e Constitucional, precisam mapear com precisão os limites da atuação normativa do Executivo. A constituição reserva ao Congresso um papel mais ativo do que se percebe usualmente na prática forense. Assistir ao exercício dessa competência é também valorizar institucionalmente o papel político do Legislativo.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. O Congresso pode sustar apenas decretos?
Não. O Congresso pode sustar qualquer ato normativo do Executivo que ultrapasse os limites do poder regulamentar ou da delegação legislativa, inclusive portarias, instruções normativas e resoluções, desde que possuam natureza normativa.
2. Existe prazo para o Congresso sustar um ato ilegal?
A Constituição não determina prazo para o exercício dessa competência. Contudo, o princípio da razoabilidade impõe que a atuação legislativa ocorra em tempo útil, de forma a evitar permanência indevida de efeitos jurídicos inconstitucionais ou ilegais.
3. A sustação tem efeito retroativo?
A sustação produz efeitos ex nunc (a partir de sua publicação). Contudo, os efeitos anteriores poderão ser revisados pela via judicial se comprovado prejuízo concreto a particulares ou à coletividade.
4. Um ato já declarado inconstitucional pelo STF ainda pode ser sustado pelo Congresso?
Sim. Embora o controle judicial da constitucionalidade tenha força vinculante, o Congresso ainda pode exercer sua competência de sustação em razão de fundamentos distintos ou por conveniência política, gerando efeitos próprios.
5. A sustação depende de aprovação nas duas casas legislativas?
Sim. Como se trata de competência exclusiva do Congresso Nacional, o ato de sustação exige manifestação conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, conforme o devido processo legislativo interno.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art49
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-28/congresso-pode-sim-sustar-aumento-ilegal-do-iof/.