Ônus da Prova nos Contratos de Seguro: Implicações Jurídicas e Evolução Legislativa
O ônus da prova nos contratos de seguro é tema de grande relevância na prática jurídica contemporânea. Trata-se de uma discussão que envolve aspectos materiais e processuais do Direito, exigindo do profissional uma compreensão profunda sobre normas de direito civil, direito contratual e direito securitário.
Para além dos dispositivos legais específicos, a jurisprudência também exerce um papel central na definição da responsabilidade probatória entre segurado e seguradora. Com o tempo, essa responsabilidade foi reinterpretada com base em princípios, especialmente diante da assimetria informacional e da função social do contrato.
Fundamentos Jurídicos da Distribuição do Ônus da Prova
O que diz o Código de Processo Civil
O ponto de partida para compreender o ônus da prova nas demandas judiciais é o artigo 373 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Ele estabelece que incumbe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, e ao réu a demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo desse direito.
No entanto, o mesmo dispositivo prevê, no §1º, a possibilidade de inversão do ônus probatório pelo juiz, “nos casos previstos em lei ou diante da peculiaridade da causa, relacionada à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo […]”. Essa cláusula aberta foi fundamental para interpretações mais protetivas ao consumidor, especialmente nos litígios envolvendo contratos de adesão.
O papel do Código de Defesa do Consumidor
No contexto securitário, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) tem aplicação destacada. A relação entre segurado e seguradora é considerada uma típica relação de consumo, presumindo-se a hipossuficiência técnica, econômica e informacional do consumidor.
O artigo 6º, inciso VIII, assegura ao consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova “a seu favor no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente”. Essa disposição tem sido frequentemente aplicada nas causas envolvendo seguros pessoais, de vida e de saúde, dada a complexidade dos termos contratuais e dos riscos cobertos.
A Transição Legislativa: Do Decreto-Lei nº 73/1966 às Regras Atuais
O cenário anterior: foco na interpretação restritiva
Até o advento do Código Civil de 2002 e da consolidação do Código de Defesa do Consumidor como norma de ordem pública e interesse social, vigorava uma lógica mais protetiva ao mercado segurador. O Decreto-Lei nº 73/1966, lei específica que regulamentou o mercado de seguros privados, sugeria uma estrutura de regulação centralizada no Estado, e um modelo contratual inflexível.
Com isso, não raro os contratos de seguro eram interpretados de forma literal e restritiva, limitando os direitos dos segurados às cláusulas contratualmente previstas, muitas delas de difícil compreensão. Isso refletia também na responsabilização do segurado pela prova de todos os elementos exigidos para o acionamento da cobertura, inclusive causas excludentes.
Novos paradigmas: boa-fé e distribuição dinâmica do ônus da prova
A mudança de paradigma ocorre em duas frentes: a primeira com o fortalecimento da boa-fé objetiva como princípio norteador de todo o direito contratual, conforme os artigos 421 e 422 do Código Civil. A segunda, pela admissibilidade da chamada “distribuição dinâmica do ônus da prova” conforme o novo CPC.
Esse mecanismo permite que o juiz, observando a estrutura da relação jurídica, reatribua o encargo de provar a parte que tiver melhores condições técnicas ou de acesso aos meios que comprovem determinado fato. Em contratos de seguro, isso é fundamental nos casos em que a seguradora detém documentos, perícias ou laudos indispensáveis à comprovação de uma cláusula excludente, como o dolo do segurado ou agravamento intencional do risco.
Responsabilidade Probatória nos Casos de Negativa de Cobertura
Quem deve provar a exclusão do risco?
Uma das maiores controvérsias práticas refere-se à negativa de cobertura por parte da seguradora. Em muitos casos, a companhia alega violação contratual por parte do segurado, seja no momento da contratação (omissão de informações), seja no momento do sinistro (descumprimento de deveres).
Em tais hipóteses, cabe à seguradora o ônus de provar a configuração da causa excludente da cobertura, em especial se a negativa foi baseada em cláusula contratual restritiva, conforme exige o artigo 54, §4º do Código de Defesa do Consumidor. Esse artigo determina que tais cláusulas devem ser redigidas de forma clara e destacada, sob pena de serem consideradas abusivas ou nulas.
Esse entendimento se consolidou com base na jurisprudência, que passou a reconhecer que alegações restritivas feitas pela parte mais forte contratualmente – a seguradora – devem ser objeto de comprovação robusta e inequívoca, afastando qualquer presunção automática de veracidade.
Importância da transparência e da clareza contratual
A responsabilização da seguradora pelo ônus de provar a negativa de cobertura também se conecta com a obrigação de informação. Conforme o artigo 6º, inciso III do CDC, o fornecedor deve prestar informações claras e completas sobre os produtos e serviços ofertados.
Isso inclui explicitar, de forma destacada, todas as hipóteses excludentes de cobertura. A eventual omissão ou obscuridade pode ensejar interpretação mais favorável ao consumidor, nos termos do artigo 47 do CDC. Dessa forma, cláusulas redigidas de forma genérica ou imprecisa podem ser consideradas abusivas e afastadas judicialmente.
A Relevância da Boa-Fé na Interpretação Contratual
Aplicação do princípio da boa-fé objetiva
O princípio da boa-fé objetiva, consagrado nos arts. 113 e 422 do Código Civil, transforma a interpretação contratual de forma profunda. No caso dos seguros, ele se manifesta em diversos aspectos: no dever de prestar informações completas na contratação, na cooperação na regulação do sinistro e na atuação leal na análise da cobertura.
As seguradoras, por exemplo, devem agir de modo transparente, regulando os sinistros no tempo contratualmente previsto e motivando adequadamente eventuais negativas. O descumprimento desses deveres pode ensejar indenização por danos morais e materiais, além da aplicação da cláusula penal, quando convencionada.
Ônus da Prova em Seguros Coletivos
Particularidades da relação segurado-adesão seguradora
Nos contratos de seguro coletivo, a complexidade aumenta. Em regra, há três partes envolvidas: a seguradora, a estipulante (geralmente o empregador) e o segurado, como aderente. Nesses casos, o conhecimento dos termos contratuais pelo segurado é frequentemente limitado, o que justifica ainda mais a inversão do ônus da prova em seu favor.
Mesmo quando a negativa é motivada por suposta preexistência de doença ou agravamento do risco, cabe à seguradora comprovar, com base em laudos e documentos médicos acessíveis, essas alegações. Presume-se que o segurado médio, ao aderir ao seguro, não dispõe das condições nem do conhecimento técnico necessário para compreender a totalidade das cláusulas.
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Insights Finais
O ônus da prova nos contratos de seguro envolve mais do que uma simples regra processual. Trata-se de um instrumento de justiça material, que deve ser aplicado com sensibilidade e técnica. A distribuição dinâmica é uma tendência irreversível em favor da equidade procedimental, sendo vital para a correta aplicação do direito nas relações consumeristas.
Para o profissional do Direito, o domínio dessas discussões é decisivo para garantir uma atuação estratégica, seja na defesa do segurado ou das seguradoras. Perícia, jurisprudência recente e o conhecimento normativo avançado são ferramentas indispensáveis nesse campo altamente técnico.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Quem tem o ônus da prova em uma ação de indenização por sinistro negado?
Inicialmente, cabe ao segurado provar a ocorrência do sinistro e o cumprimento das obrigações contratuais. Contudo, se a negativa da seguradora se baseia em cláusula excludente, o ônus da prova é dela.
2. O juiz pode inverter o ônus da prova mesmo quando não se trata de relação de consumo?
Sim. O Código de Processo Civil atual admite a inversão do ônus probatório com base na dificuldade de produção da prova ou na maior aptidão técnica da parte para produzi-la, ainda que fora do âmbito consumerista.
3. Em seguros coletivos, é possível aplicar o Código de Defesa do Consumidor?
Sim. A relação entre o segurado e a seguradora, mesmo em contratos coletivos, é tida como relação de consumo. Portanto, aplicam-se as normas do CDC, inclusive quanto à inversão do ônus da prova.
4. Cláusulas que limitam ou excluem o direito do segurado à cobertura têm validade automática?
Não. Tais cláusulas devem ser redigidas com destaque e clareza. Se forem obscuras ou contraditórias, podem ser afastadas pelo julgador com base nos princípios do CDC e da boa-fé objetiva.
5. Qual a importância da distribuição dinâmica do ônus da prova para o direito securitário?
Ela permite uma responsabilização proporcional e justa, considerando quem tem melhores condições de produzir a prova. Isso equilibra a relação processual, especialmente diante da assimetria entre segurado e seguradora.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-22/onus-da-prova-nos-contratos-de-seguro-do-dl-no-73-1966-a-nova-lei/.