O dever de diligência e a omissão lícita no Direito

Artigo sobre Direito

O dever de diligência como fundamento da omissão lícita no Direito

No universo jurídico, há ocasiões em que o melhor curso de ação pode ser, paradoxalmente, a inação. Essa ideia está amparada por fundamentos sólidos no Direito Civil e Penal, especialmente no que tange à responsabilidade nas condutas omissivas. Entender quando a omissão se torna juridicamente legítima — ou mesmo recomendável — é essencial para os operadores do Direito que lidam com decisões estratégicas e responsabilidades legais.

Este artigo aprofunda o tema da omissão lícita e o dever de diligência, delineando as balizas que separam a omissão culposa da conduta juridicamente aceitável. Com base em dispositivos legais, doutrina e a lógica própria das relações jurídicas, exploramos os limites e a aplicação prática do princípio da não intervenção intencional.

Responsabilidade por omissão: o que diz a lei?

A responsabilidade por omissão está diretamente ligada ao dever jurídico de agir. No campo do Direito Civil, a base legal para a responsabilização se encontra no artigo 186 do Código Civil:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

No entanto, a caracterização de uma omissão como ilícita exige, necessariamente, a existência de um dever jurídico de agir. Sem esse dever imposto pela legislação, contrato ou obrigação assumida, não há ato ilícito na inação.

Já no campo penal, o artigo 13, §2º, do Código Penal Brasileiro, estabelece os critérios para a responsabilidade por omissão:

“A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: (a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; (c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.”

Assim, quando não existe esse vínculo jurídico que cria o dever de agir, estamos diante de uma hipótese em que a omissão é lícita — ou seja, não gera responsabilidade.

O que é omissão lícita?

A omissão lícita é a ausência de ação em uma situação em que não há dever jurídico de intervenção. Do ponto de vista prático, ela pode se referir tanto à esfera privada (entre particulares) quanto à atuação de entes públicos ou empresas que optam estrategicamente por não intervir em determinado conflito, demanda ou questão operacional.

Um ponto central aqui é o contraste entre ética e responsabilidade jurídica. Pode haver uma expectativa moral ou social de ação, mas sem a correspondente obrigação legal, não se configura responsabilidade jurídica. Isso tem profundas consequências no campo da responsabilidade civil e penal, inclusive no tocante à tomada de decisões estratégicas em litígios.

Exemplos clássicos de omissão lícita

– Um transeunte que presencia um acidente, mas não presta socorro — embora moralmente questionável, juridicamente não há dever legal de interceder, a menos que ele tenha dado causa ao evento ou se enquadre em categoria com esse dever (como médico em serviço, por exemplo).

– Sócios ou administradores que deliberadamente decidem não interferir em condutas acionárias de terceiros, desde que não tenham obrigação contratual ou estatutária específica de agir ou impedir determinado resultado.

– Vigilância patrimonial privada que não impede agressão ocorrida fora do perímetro protegido — a extensão do dever tem limites contratuais claros.

Em todos esses casos, a inação não implica necessariamente responsabilidade. A análise jurídica deve considerar se existia efetivamente o dever de agir.

Dever de agir e o papel do dever de diligência

O dever de diligência, central no Direito Civil, impõe que determinados sujeitos atuem com atenção, prudência e cuidado no trato de interesses jurídicos. Ele é especialmente visível nas relações contratuais e na atuação de administradores e agentes fiduciários.

Na ausência desse dever, a omissão (mesmo que gere consequências para terceiros) não gera responsabilidade jurídica. Um administrador que, por razões estratégicas legítimas, resolve não impugnar uma proposta em uma assembleia, muitas vezes o faz com base em considerações de maior interesse social ou econômico — e não estará, necessariamente, violando seu dever de diligência. A diligência não exige ação a todo custo, mas sim ações ponderadas, prudentes e proporcionais.

A relação entre o dever de agir e o risco criado

Haverá responsabilidade pela omissão quando ela se vincular diretamente à criação de um risco. Trata-se da chamada posição de garantia, amplamente aceita na doutrina penal. Se o sujeito contribui de forma relevante para o surgimento de um risco não permitido, omitir-se na neutralização desse risco poderá configurar omissão ilícita.

É o que ocorre, por exemplo, quando um responsável técnico por determinado processo percebe indícios claros de risco ambiental ou lesivo e opta por nada fazer, mesmo tendo o dever funcional e técnico de evitar o resultado. A ilicitude nasce da quebra do dever funcional, que impõe ao agente a necessidade de ação corretiva.

Esse mesmo raciocínio é reproduzido nas relações civis: o Código Civil trata com rigor a violação de deveres de cuidado nos contratos (arts. 421-A e 422). Contudo, a omissão só será punível civilmente se houver um vínculo jurídico claro exigindo atuação.

Riscos da atuação indevida: quando fazer algo piora a situação

O Direito também reconhece que a ação imprudente pode gerar mais prejuízo do que a abstenção. Há, portanto, ocasiões onde a omissão técnica — a não ação deliberada em respeito a uma avaliação de danos potenciais — é absolutamente prudente e legítima.

Devemos distinguir entre omissão por negligência e omissão por avaliação estratégica. Esta última, amparada no princípio da razoabilidade e da eficiência (especialmente relevante na Administração Pública, mas também em empresas), pode ser a melhor opção diante de incertezas, riscos jurídicos ou danos colaterais em potencial.

Essa avaliação atualiza o próprio conceito de diligência esperada, pois o operador do Direito deve considerar que agir intempestivamente ou sem base legal firme pode expor seus clientes ou empresas à responsabilização futura, inclusive por abuso de direito.

Omissão e estratégia na gestão jurídica

Advogados, controladores, representantes legais e outros operadores do Direito enfrentam frequentemente dilemas jurídicos em que agir pode parecer pressionado por uma urgência externa, mas não se justifica do ponto de vista técnico-legal. É nesse momento que o respaldo jurídico sobre a omissão lícita ganha importância estratégica.

No contencioso cível e societário, por exemplo, deixar de apresentar determinada manifestação ou de intervir em assembleias acionárias pode ser uma decisão de risco calculado amparada em parecer jurídico, sem que isso implique em responsabilidade automática.

Nessas situações, fundamentar a inação em doutrina, contratos vigentes, regulamentos internos e padrões de mercado alinhados à boa-fé é essencial. Um exemplo de boas práticas envolve a documentação da tomada de decisão, com pareceres e atas que esclareçam o motivo pelo qual a abstinência de conduta foi a escolha juridicamente mais racional.

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Conclusão

A omissão lícita representa um elemento essencial da prática jurídica madura, consciente e estratégica. Saber quando não agir é uma habilidade sofisticada, que exige profundo conhecimento das normas legais, jurisprudência e princípios contratuais. Especialmente para profissionais que atuam na área cível, societária e penal, compreender os contornos do dever jurídico de agir e do dever de diligência é fundamental.

A violação só ocorre se houver inobservância de um dever legal, funcional ou contratual de atuação. Fora disso, a omissão pode ser a melhor forma de manter a integridade da conduta jurídica — atuando com prudência, moderação e responsabilidade.

Insights Relevantes

– Nem toda omissão gera responsabilidade jurídica: é preciso que exista dever de agir.

– A omissão lícita pode ser uma estratégia legítima na atuação jurídica.

– A responsabilidade por omissão depende de vínculo jurídico, risco criado e posição de garantia.

– A ação imprudente, muitas vezes, gera mais responsabilidade que a abstenção técnica.

– Documentar os fundamentos que justificam a omissão é uma prática segura e recomendável.

Perguntas e Respostas Frequentes

1. Como saber se tenho o dever jurídico de agir em determinada situação?

A existência do dever jurídico decorre da legislação, contrato, função assumida ou criação de risco por ato anterior. Avaliar esses elementos é essencial antes de qualquer decisão.

2. Existe omissão culposa mesmo sem intenção?

Sim. A omissão culposa ocorre por negligência, imprudência ou imperícia, quando o agente, mesmo sem intenção, deixa de cumprir um dever legal ou contratual de intervir.

3. Em uma empresa, o administrador pode ser responsabilizado por não agir?

Sim, caso sua abstenção viole o dever de diligência previsto na Lei das S.A. (Lei 6.404/76), especialmente no art. 153, que exige conduta leal e diligente na gestão societária.

4. Quando a omissão é recomendável na prática jurídica?

Quando a ação implicaria riscos jurídicos elevados, falta de base legal clara ou impacto negativo desproporcional. Nessas hipóteses, a omissão técnica pode ser a opção mais segura.

5. A omissão pode ser justificada por parecer jurídico?

Sim. Um parecer jurídico bem fundamentado pode amparar a estratégia de não agir, desde que esteja alinhado aos princípios da legislação e à situação concreta analisada.

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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

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Este artigo foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de uma fonte e teve a curadoria de Fábio Vieira Figueiredo. Advogado e executivo com 20 anos de experiência em Direito, Educação e Negócios. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP, possui especializações em gestão de projetos, marketing, contratos e empreendedorismo. CEO da IURE DIGITAL, cofundador da Escola de Direito da Galícia Educação e ocupou cargos estratégicos como Presidente do Conselho de Administração da Galícia e Conselheiro na Legale Educacional S.A.. Atuou em grandes organizações como Damásio Educacional S.A., Saraiva, Rede Luiz Flávio Gomes, Cogna e Ânima Educação S.A., onde foi cofundador e CEO da EBRADI, Diretor Executivo da HSM University e Diretor de Crescimento das escolas digitais e pós-graduação. Professor universitário e autor de mais de 100 obras jurídicas, é referência em Direito, Gestão e Empreendedorismo, conectando expertise jurídica à visão estratégica para liderar negócios inovadores e sustentáveis.

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