Ne bis in idem leniência e sua legalidade na Portaria CGU/AGU e retorne somente o resultado.

Artigo sobre Direito

O princípio do ne bis in idem na leniência e sua legalidade à luz da Portaria Interministerial

Fundamentos do princípio do ne bis in idem

O princípio do ne bis in idem, expressão latina que significa “não se pode punir duas vezes pelo mesmo fato”, é basilar no Direito Penal e nas sanções administrativas de natureza sancionatória. Trata-se de uma garantia fundamental do indivíduo contra a múltipla imposição de sanções pelo mesmo comportamento infrator, desde que envolva os mesmos fatos, o mesmo agente e a mesma natureza jurídica da sanção.

Esse princípio encontra respaldo constitucional no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, ao assegurar a segurança jurídica e a coisa julgada. Em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 14.7), reforça-se sua aplicação.

No âmbito do Direito Administrativo Sancionador, o ne bis in idem atua como limite ao poder punitivo do Estado. Ele impõe uma vedação à duplicidade de sanções com o mesmo objeto e finalidade, garantindo racionalidade e equilíbrio ao sistema jurídico punitivo. Todavia, no campo da persecução de atos lesivos à Administração Pública, especialmente em casos complexos envolvendo leniência e múltiplas autoridades sancionadoras, sua aplicação prática exige análise criteriosa.

Acordos de leniência e o cenário pós-Lava Jato

Com o advento da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), o ordenamento jurídico brasileiro passou a admitir o acordo de leniência como instrumento para mitigar sanções a empresas que colaboram com as investigações administrativas e civis oriundas de atos lesivos à Administração Pública.

O acordo visa combater a corrupção empresarial e fomentar a recuperação de ativos para os cofres públicos. No entanto, por envolver diferentes esferas de sanção — administrativa, civil e penal — e múltiplos órgãos como CGU, AGU e MPF, surge o desafio da compatibilização destas competências frente ao princípio do ne bis in idem.

Em razão dessa multiplicidade, cria-se um terreno fértil para discussões sobre bis in idem. É possível que a empresa colaboradora, mesmo após celebrar leniência com um órgão, seja submetida a investigações e sanções de outros entes públicos pelo mesmo conjunto de fatos, o que desafia diretamente o núcleo do princípio jurídico protetor.

A nova Portaria Interministerial CGU/AGU e o artigo 54

A Portaria Interministerial CGU/AGU nº 9, de 2024, buscou regulamentar aspectos dos acordos de leniência celebrados no âmbito do Poder Executivo Federal. Ela traz importantes diretrizes quanto à autoridade competente, cláusulas dos acordos, critérios para cálculo de reparação e, notadamente, sobre os efeitos jurídicos da leniência em relação a outras esferas sancionatórias.

O artigo 54 dessa portaria dispõe:

“Art. 54. A celebração de acordo de leniência (…) não impede a apuração pela persecução penal, civil ou administrativa dos fatos tratados na leniência, por outros órgãos com competência legal para tanto.”

Essa redação tem sido alvo de críticas doutrinárias e debates jurídicos. Se, por um lado, reconhece a autonomia dos órgãos de controle e persecução, por outro, parece criar uma abertura desmedida à possibilidade de múltiplas sanções sobre os mesmos fatos, ignorando o alcance do ne bis in idem.

A interpretação literal do artigo poderia sugerir que o firmamento de uma leniência administrativa com a CGU não impediria posteriores sanções cíveis pela AGU com os mesmos fundamentos — ou ainda ação penal pelo MPF nos mesmos moldes do material confessado. Surge então a fundamental pergunta: como compatibilizar esse dispositivo com a proteção do cidadão contra sanções duplicadas?

Diversidade de esferas ou multiplicidade de punições?

Na prática, a linha que separa esferas com naturezas jurídicas distintas e as punições pela mesma infração pode ser tênue. O aspecto central para se examinar a incidência do ne bis in idem não é apenas a duplicação do ente processante, mas sim a conjunção dos seguintes elementos:

– identidade do fato;
– identidade de fundamentos jurídicos;
– identidade do autor;
– identidade da sanção quanto à sua natureza punitiva.

Portanto, a mera designação de que a sanção é “civil”, “penal” ou “administrativa” não neutraliza, por si só, o risco do bis in idem, se a finalidade sancionatória se sobrepõe nas esferas envolvidas. A intersecção entre as finalidades repressivas pode configurar ilegalidade.

Em outras palavras, se, por exemplo, uma empresa já foi punida em valores expressivos através de cláusulas de uma leniência administrativa com efeitos indenizatórios, e ainda assim é demandada judicialmente para pagamento de idêntico montante sob o manto da ação civil pública, isso poderia configurar duplicidade repressiva, violando o ne bis in idem.

Acordo de leniência e seus efeitos interinstitucionais

A doutrina majoritária sustenta que o acordo de leniência possui efeitos que devem ser coordenados, promovendo segurança jurídica, previsibilidade e respeito à cooperação entre as instituições.

A interpretação jurídica mais adequada do artigo 54 da Portaria CGU/AGU é aquela que respeita os marcos legais já existentes na Lei de Improbidade Administrativa, na Lei Anticorrupção e na própria Constituição. De forma coerente, deve-se considerar que:

– os órgãos não signatários ainda possuem liberdade para investigar, mas não devem impor novas sanções idênticas àquelas já acordadas;
– as cláusulas do acordo de leniência podem prever afastamento expressamente de responsabilização em outras esferas, desde que haja integração da autoridade interessada no acordo; e
– é cabível a utilização de mecanismos de coordenação institucional para preservar a força operacional dos acordos e evitar litígios paralelos com iguais fundamentos.

Evidentemente, não se trata de impedir o exercício de atribuições constitucionais dos entes estatais, mas de limitar a persecução a aspectos residuais ou jurídicos autônomos, quando já houver sanção materialmente equivalente aplicada.

O papel da jurisprudência e o STF

A jurisprudência brasileira ainda caminha na consolidação dos limites do ne bis in idem em contextos de leniência. Contudo, decisões importantes do Supremo Tribunal Federal têm indicado a tendência de reforçar garantias fundamentais, principalmente quando há colaboração premiada e acordos formais com o Estado.

Em decisões recentes envolvendo a colaboração processual e responsabilizações múltiplas, o STF sinalizou a necessidade de coordenação institucional e respeito aos princípios constitucionais da legalidade e da segurança jurídica, elementos centrais também ao ne bis in idem. Esse cenário reforça a necessidade de se interpretar o artigo 54 à luz desses princípios e não de forma isolada.

Reflexos práticos para a advocacia empresarial e penal

Profissionais que atuam com Direito Empresarial, Penal Econômico e Anticorrupção devem estar atentos à forma como os acordos de leniência são formulados e às implicações de sua aplicação. A redação de cláusulas, a definição clara dos órgãos signatários e a delimitação dos fatos confessados são cruciais para assegurar a validade do pacto e evitar questionamentos futuros.

Além disso, o domínio dos riscos de múltiplas sanções e a atuação preventiva junto às autoridades contribuem diretamente para a mitigação de impactos financeiros, reputacionais e operacionais que uma empresa poderá sofrer caso haja violações ao princípio do ne bis in idem.

Nesse cenário, o aprofundamento técnico sobre esquemas sancionatórios, leniência e garantias jurídicas torna-se ferramenta imprescindível na atuação profissional. Para os que desejam atuar ou aprimorar sua performance em temas como esses, recomendamos o curso Pós-Graduação em Direito Penal Econômico, que aborda com profundidade temas como responsabilidade penal da pessoa jurídica, teorias do bem jurídico e acordos penais.

Conclusão

A interpretação do artigo 54 da Portaria Interministerial CGU/AGU deve sujeitar-se aos limites constitucionais e legais do princípio do ne bis in idem. Embora não se pretenda anular as competências legítimas de órgãos diversos, é imperioso evitar a multiplicação de punições sobre as mesmas condutas, sob pena de comprometer a segurança jurídica e os incentivos à colaboração com o Estado.

Quanto mais avançam os mecanismos de persecução e responsabilização no Brasil, mais relevante se torna o domínio técnico sobre as garantias fundamentais que permeiam o sistema punitivo. Cabe aos operadores jurídicos atuar com zelo, consciência jurídica e domínio das ferramentas normativas disponíveis.

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Insights Finais

1. A interpretação do artigo 54 da Portaria exige leitura sistemática com a Constituição e a legislação infraconstitucional.

2. O ne bis in idem visa impedir múltiplas sanções de mesma natureza e embasamento fático contra o mesmo agente.

3. Acordos de leniência eficazes exigem articulação clara entre órgãos signatários, delimitando seus efeitos jurídicos.

4. A falta de segurança jurídica pode fragilizar o uso de instrumentos colaborativos no combate à corrupção.

5. A atuação jurídica estratégica requer conhecimento denso sobre os tensionamentos entre garantias individuais e múltiplas esferas punitivas.

Perguntas e Respostas Frequentes

1. O que caracteriza uma violação ao princípio do ne bis in idem?

Ocorre violação quando um indivíduo ou empresa sofre mais de uma sanção punitiva de mesma natureza jurídica, fundamentada nos mesmos fatos e elementos, por entes diferentes sem justificativa legal.

2. O artigo 54 permite punição múltipla sobre o mesmo fato?

A redação é dúbia e pode abrir margem para punições paralelas se mal interpretada. A leitura constitucional deve limitar sua aplicação para não permitir o bis in idem.

3. Como evitar múltiplas responsabilizações em acordos de leniência?

Através da integração interinstitucional no acordo, da delimitação clara dos efeitos jurídicos previstos e do registro transparente das sanções pactuadas.

4. O STF já decidiu a respeito da validade de sanções múltiplas após leniência?

Ainda não há jurisprudência consolidada, mas decisões sobre colaboração e garantias vêm sinalizando para a importância do respeito ao ne bis in idem.

5. O que deve constar obrigatoriamente na cláusula de um acordo de leniência para evitar responsabilizações sobrepostas?

Deve-se incluir a abrangência dos fatos confessados, os órgãos signatários, os efeitos jurídicos esperados e cláusulas sobre renúncia a sanções equivalentes por outras entidades públicas, quando aplicável.

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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm

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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-ago-06/o-bis-in-idem-na-leniencia-e-a-adequada-interpretacao-do-artigo-54-da-nova-portaria-interministerial-cgu-agu/.

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