Litigância predatória reversa e proteção dos vulneráveis jurídicas

Artigo sobre Direito

Litigância predatória reversa e a proteção dos vulneráveis: aspectos jurídicos essenciais

A litigância predatória tradicional é amplamente conhecida como o uso repetitivo e abusivo do Poder Judiciário com o objetivo de obter vantagem econômica, geralmente contra grandes empresas. No entanto, emerge no cenário jurídico um fenômeno recente e preocupante: a litigância predatória reversa, em que grandes atores econômicos judicializam massivamente contra consumidores ou indivíduos hipossuficientes, com o propósito de dissuadir o exercício legítimo de seus direitos.

Essa prática afeta diretamente a efetividade do sistema judicial e representa um desafio relevante à garantia da justiça, sobretudo quando as partes vulneráveis não possuem recursos financeiros ou jurídicos para reagirem de maneira adequada. Neste artigo, vamos explorar os fundamentos jurídicos aplicáveis, os riscos sistêmicos e as possíveis respostas do ordenamento para mitigar esse abuso.

O conceito de litigância predatória reversa

Características e elementos centrais

A litigância predatória reversa se caracteriza pelo ajuizamento massivo e estratégico de ações judiciais por grandes players econômicos contra partes hipossuficientes, com o objetivo de inibir a judicialização de seus direitos pelos consumidores, esvaziar a resistência econômica face à imposição de obrigações indevidas, ou coagir renegociações desfavoráveis.

Diferente da litigância de má-fé tradicional, que busca vantagens ilícitas no processo de forma isolada, a estratégia reversa opera numa escala industrial e pode inclusive se disfarçar de boas práticas jurídicas. O abuso está na quantidade, na desproporção de poder entre as partes e na instrumentalização do Judiciário como meio de intimidação econômica.

Hipossuficiência e o artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal

O artigo 5º, inciso LXXIV da Carta Magna, garante assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Essa previsão assegura o acesso à Justiça como direito fundamental. Quando esse direito é minado por práticas predatórias vindas de partes detentoras de poder econômico e estrutural, há violação direta ao núcleo essencial do princípio da isonomia material, conforme previsto no artigo 5º, caput.

O papel do Código de Processo Civil

Boa-fé processual e cooperação

O artigo 5º do Código de Processo Civil (CPC) estabelece o princípio da boa-fé processual, que deve permear todas as fases do processo. Já o artigo 6º introduz o princípio da cooperação, exigindo conduta leal e colaboração das partes para a condução processual equilibrada.

Movimentos processuais que visam sufocar economicamente a parte contrária, com manobras de volume ou ações de caráter meramente intimidatório, violam esses princípios. A litigância predatória reversa, nesse sentindo, representa clara infringência aos deveres processuais fundamentais.

Litigância de má-fé: artigos 79 e 80 do CPC

Os artigos 79 e 80 estabelecem regras sobre a responsabilidade por litigância de má-fé. O artigo 80, em especial, descreve condutas como alterar a verdade dos fatos (inciso II) ou usar o processo para conseguir objetivo ilegal (inciso III).

Com base nessas disposições, é possível identificar e sancionar condutas abusivas na litigância predatória reversa, ainda que o provocador do abuso seja o autor da ação — invertendo o papel tradicional das análises de má-fé.

Responsabilidade civil e abuso do direito

Fundamento no artigo 187 do Código Civil

Nos termos do artigo 187 do Código Civil, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Logo, mesmo quando existe um direito formal de ação judicial, seu exercício massivo com finalidade incompatível com a boa-fé — como forma de silenciar os vulneráveis — incorre em abuso do direito. Esta é uma forma contemporânea de ilicitude civil.

A responsabilidade objetiva aplicada a empresas

Quando analisamos condutas lesivas por parte de empresas contra grandes grupos de consumidores vulneráveis, é válido argumentar em favor da aplicação da responsabilidade objetiva por abuso no exercício do direito de ação. Nesses casos, o dano é evidente, o nexo causal é traçável e o risco é inerente à atividade empresarial de alta escala.

A jurisprudência já admite que a litigância abusiva em massa que produz danos sociais enseja dever de reparar, inclusive na forma de dano moral coletivo, sob a ótica dos direitos difusos e coletivos.

Impactos sistêmicos no Judiciário e na sociedade

Congestionamento judicial e deslegitimação institucional

O Judiciário brasileiro já enfrenta elevados índices de congestionamento e morosidade. A inserção artificial e industrializada de demandas com baixa densidade jurídica, mas grande vulto, agrava esse cenário. Significativas parcelas de tempo e recursos judiciais são drenadas pela insistência contenciosa de grupos capazes de suportar custos judiciais elevados.

Esse uso distorcido do sistema judicial gera um efeito não apenas técnico, mas simbólico: transmite ao cidadão comum a mensagem errônea de que o Poder Judiciário não é acessível nem benéfico à parte mais fraca.

Chilling effect e inibição de direitos

Um dos efeitos mais prejudiciais da litigância predatória reversa é o “efeito inibidor” (chilling effect). Quando consumidores, segurados, trabalhadores ou pequenos fornecedores são judicialmente confrontados com o receio de retaliação processual, muitos optam por se abster de buscar reparações legítimas para seus direitos.

Este fenômeno colide frontalmente com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do contraditório e da ampla defesa — art. 1º, III e art. 5º, LV da Constituição Federal.

Possíveis estratégias jurídicas de enfrentamento

A atuação ativa da Defensoria Pública e do Ministério Público

A legitimação extraordinária da Defensoria Pública (artigo 134 da Constituição Federal) amplia sua atuação para além da assistência individual, permitindo intervir diretamente em ações coletivas ou mesmo propor ações civis públicas.

O mesmo se aplica ao Ministério Público (art. 129, III e art. 127 da CRFB), especialmente quando os processos envolvem repercussão coletiva ou proteção de segmentos vulneráveis. A judicialização predatória reversa contra grupos hipossuficientes insere-se neste contexto.

Utilização dos instrumentos de tutela coletiva

A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) oferecem ferramentas robustas para enfrentar práticas lesivas de alcance coletivo. Ações para cessação de condutas predatórias, junto de pleitos por danos morais coletivos, são alternativas válidas e já reconhecidas judicialmente.

Além da reparação, essas ações possuem efeito dissuasório sobre as estruturas empresariais que adotam a litigância estratégica como política institucional.

Mediação institucional e a prevenção de litígios abusivos

Como forma preventiva, a adoção de mecanismos extrajudiciais — como a mediação e a autocomposição assistida — pode ser caminho importante. No entanto, para que esses meios sejam eficazes, é necessário que o poder estatal garanta equilíbrio nas relações, inclusive com ofertas de assistência técnica pública adequada às partes mais frágeis.

Uma questão cada vez mais relevante na prática jurídica

Dominar os fundamentos da responsabilidade civil pelo uso abusivo do processo, identificar padrões de litigância predatória e articular estratégias de tutela judicial e extrajudicial são competências cada vez mais exigidas na prática atual da advocacia.

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Insights finais sobre o tema

A litigância predatória reversa revela uma nova dinâmica preocupante nas relações jurídicas, deslocando o tradicional polo do abuso do consumidor para o fornecedor ou ente institucional. Esse fenômeno exige atenção redobrada dos operadores jurídicos, não apenas pela defesa da justiça, mas pelo compromisso ético com a dignidade dos vulneráveis.

À medida que essas práticas se intensificam, cresce também a responsabilidade da comunidade jurídica em identificá-las, combatê-las e construir doutrina e jurisprudência de enfrentamento efetivo. O direito de ação não pode ser manipulado como instrumento de opressão judicial.

Perguntas e Respostas

1. É possível responsabilizar civilmente empresas que ajuízam ações abusivas em massa?

Sim. A partir do artigo 187 do Código Civil, é possível fundamentar a responsabilização civil pelo exercício abusivo do direito. Quando se comprova desvio de finalidade, má-fé ou dano reiterado contra vulneráveis, configura-se ato ilícito gerador de dano.

2. A conduta de litigância predatória reversa pode ser enquadrada como litigância de má-fé?

Sim. Apesar de menos comum, o autor da ação também pode ser sancionado por violar os artigos 79 e 80 do CPC, quando sua conduta processual objetiva exclusivamente prejudicar ou constranger a parte adversa.

3. O que diferencia a litigância predatória reversa da tradicional?

Na tradicional, o maior volume de processos é ajuizado por consumidores contra grandes empresas. Na reversa, ocorre o oposto: empresas se valem do poder econômico para dissuadir consumidores a buscar seus direitos, demandando-os de forma massificada.

4. Quais órgãos podem atuar na defesa dos vulneráveis afetados?

A Defensoria Pública, o Ministério Público e entidades civis legitimadas podem propor ações coletivas para deter práticas prejudiciais e garantir efetividade aos direitos ameaçados.

5. Quais os principais prejuízos sociais da litigância predatória reversa?

Além do congestionamento judicial, ela gera um efeito inibidor sobre a cidadania plena, retirando dos vulneráveis a capacidade real de reivindicar direitos, por medo de retaliação ou impossibilidade econômica de resistência.

Esse é um tema dinâmico e decisivo para o futuro do acesso à justiça no Brasil. Profissionais atentos a essas mudanças terão papel crucial na construção de um sistema jurídico mais justo e equilibrado.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art5lxxiv

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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-11/os-vulneraveis-e-a-litigancia-predatoria-ou-abusiva-reversa/.

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