O exercício profissional regulamentado e os limites da fiscalização administrativa
A exigência de registros profissionais para empresas que atuam em determinados ramos tem gerado amplas discussões jurídicas, especialmente no que diz respeito aos conselhos de fiscalização do exercício profissional. A questão central recai sobre até que ponto esses conselhos podem exigir registro de pessoas físicas ou jurídicas, com base exclusivamente na atividade econômica exercida, sem que haja efetiva prestação de serviços técnicos privativos de profissionais regulamentados.
Esse tema integra o estudo do Direito Administrativo, com reflexos importantes no Direito Empresarial e no Direito Constitucional, especialmente no tocante ao princípio da legalidade e à liberdade de exercício profissional prevista na Constituição Federal. Entender os contornos jurídicos da atuação dos conselhos profissionais é fundamental para advogados que atuam na defesa de empresas, em consultorias regulatórias ou na propositura de medidas judiciais contra autuações indevidas.
A natureza jurídica dos conselhos de fiscalização
Os conselhos profissionais são autarquias corporativas, instituídas por lei, com a finalidade precípua de fiscalizar e regular o exercício de determinadas profissões. Apesar de integrarem a Administração Pública indireta, possuem autonomia administrativa e financeira e função atípica de polícia administrativa.
A natureza autárquica desses entes lhes garante poderes para realizar fiscalizações, aplicar sanções administrativas e cobrar anuidades dos profissionais registrados. Todavia, esses poderes não são ilimitados. Como entes públicos que são, estão sujeitos aos princípios fundamentais da Administração Pública, especialmente o da legalidade. Logo, somente podem atuar nos limites expressamente previstos em lei.
O princípio da legalidade e a função reguladora
O princípio da legalidade, especialmente no Direito Administrativo, impõe que a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. Essa premissa se aplica integralmente aos conselhos profissionais: se não houver previsão legal que determine a obrigatoriedade de registro de determinada atividade, não há como exigir tal inscrição compulsória de empresas ou pessoas físicas.
É comum que conselhos entendam que toda atividade correlata à sua área de atuação exija registro. No entanto, a jurisprudência vem reiteradamente restringindo essa interpretação. O Superior Tribunal de Justiça tem consolidado entendimento no sentido de que o simples exercício de uma atividade econômica relacionada a uma profissão regulamentada não enseja, por si só, a obrigação de registro no respectivo conselho, salvo quando houver o efetivo exercício de atos técnicos privativos dos profissionais daquela área.
Um exemplo relevante sobre esse entendimento pode ser encontrado nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, como no REsp 1.221.408/PR, onde se afirma que “não é toda empresa que exerça atividade relacionada a determinada profissão regulamentada que está obrigada ao registro, mas apenas as que exerçam atividades essenciais e privativas do profissional abrangido pelo Conselho de Fiscalização Profissional”.
O limite entre atividade econômica e atuação técnica
Diferenciar o exercício de uma atividade econômica da execução de atos técnicos privativos é crucial. A atividade empresarial é, por natureza, livre, conforme estabelece o art. 170 da Constituição Federal. Já os atos técnicos privativos decorrem de normas específicas que regulam o exercício profissional.
Assim, apenas é legítima a exigência de registro em conselhos quando a empresa realiza, de forma central e habitual, atividades técnicas privativas que exijam o concurso de um profissional habilitado. Não basta que a atividade fim da empresa esteja em área estratégica que, genericamente, se relacione a uma profissão técnica.
No setor industrial, essa distinção se torna particularmente sensível. Em muitos casos, empresas que fabricam produtos — como cosméticos, alimentos, bebidas ou medicamentos — são instadas a se registrar em conselhos regionais de engenharia, química ou agronomia, ainda que as atividades técnicas sejam delegadas a profissionais terceirizados ou sejam executadas sem a atuação efetiva desses profissionais.
Na ausência de demonstração inequívoca de que o cerne da atividade empresarial envolve a prática de atos técnicos típicos, a exigência de registro não se justifica. Isso acaba por constituir violação não apenas ao princípio da legalidade, mas também ao princípio da livre iniciativa.
O papel do poder judiciário e a anulação de autos de infração
Diante de imposições administrativas indevidas, o Judiciário tem sido chamado a intervir. O reconhecimento da ilegalidade da exigência de inscrição e, por conseguinte, da nulidade de autos de infração e da inexigibilidade de anuidades, tem sido reiterado pela jurisprudência de diversos tribunais.
Nestes casos, o Judiciário atua como limitador da atuação dos conselhos, garantindo o devido processo legal e a segurança jurídica. Empresas que são autuadas injustamente podem se socorrer do mandado de segurança ou de ação declaratória para ver reconhecido o descabimento do registro compulsório.
O princípio da proporcionalidade também tem se revelado um argumento valioso nesses pleitos. Sob esse prisma, a exigência de registro e o consequente pagamento de anuidades configuram medidas desproporcionais quando não houver vinculação essencial da atividade empresarial com a atividade técnica regulamentada.
Precedentes e jurisprudência dominante
Há sólida jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça delimitando o alcance das exigências de registro profissional. Um dos leading cases (REsp 1.339.864/PR) consolidou a seguinte tese: “a obrigatoriedade de registro em conselho profissional deve decorrer do exercício efetivo de atividade técnica privativa de profissional regulado”.
Esses precedentes vêm sendo acompanhados por tribunais regionais federais, que têm anulado autuações, dispensado registros e afastado a cobrança de anuidades quando verificado que a empresa autuada não promove diretamente atividades técnicas típicas.
Para aqueles que desejam aprofundar-se no tema do funcionamento institucional de órgãos reguladores, fiscalizações administrativas e estrutura jurídica da administração indireta, o caminho ideal é aprofundar os fundamentos de Direito Administrativo, especialmente sua conjugação com os direitos fundamentais da livre iniciativa e do devido processo legal.
Conflitos normativos e interpretação restritiva
É comum que conselhos fundamentem suas exigências genéricas em resoluções internas e normativos infralegais. No entanto, conforme reiteradamente decidido pelos tribunais superiores, essas normas não podem criar obrigações que não estejam previstas expressamente em lei. O poder regulamentar não pode inovar no ordenamento a ponto de impor novos deveres à iniciativa privada.
Daí decorre a importância de se aplicar o princípio da interpretação restritiva à atuação dos conselhos. Esse princípio impõe que, em se tratando de normas de limitação de direitos – como a exigência de registro obrigatório –, sua interpretação deve ser a mais estrita possível, sob pena de afronta ao núcleo da liberdade profissional assegurada constitucionalmente.
Na prática, isso significa que a atuação fiscalizatória deve estar sempre amparada por base legal robusta e documentação que demonstre a realização de atividades técnicas privativas, e não simplesmente o enquadramento da empresa em determinado CNAE ou objeto social genérico.
Reflexos práticos para a advocacia empresarial e regulatória
Do ponto de vista da advocacia, a discussão em torno da obrigatoriedade de registro em conselhos profissionais oferece uma oportunidade de atuação estratégica, tanto na prevenção de litígios quanto na defesa judicial.
A análise documental da atividade empresarial, a revisão de contratos de prestação de serviços técnicos, bem como a elaboração de pareceres jurídicos sobre a ausência de obrigatoriedade de registro são serviços altamente qualificados e valorizados.
Advogados que atuam em planejamento regulatório, compliance empresarial e contencioso administrativo precisam dominar os fundamentos dessa relação entre atividade econômica e exercício profissional, além de estarem atentos às modificações legislativas e jurisprudenciais sobre o tema.
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Quando se justifica a exigência de registro?
A obrigatoriedade de registro está justificada, e pode ser exigida pelos conselhos, quando se verifica:
1. Que a atividade principal da pessoa jurídica consiste na execução de serviços técnicos privativos de determinada profissão regulamentada;
2. Que há habitualidade na prestação de tais serviços, não sendo a atuação incidental ou eventual de um profissional habilitado;
3. Que há vínculo direto entre os atos praticados e atribuições legais exclusivas dos profissionais.
Na ausência desses elementos, a exigência deveria ser considerada nula de pleno direito. Fomentar registros obrigatórios fora desses pressupostos agudiza o problema das chamadas reservas de mercado indevidas e restringe indevidamente a liberdade de atividade econômica.
Conclusão
O debate em torno da obrigatoriedade de registro em conselhos profissionais revela muito mais do que uma simples questão administrativa. Ele envolve o equilíbrio entre o poder de polícia estatal e os direitos fundamentais, especialmente a liberdade econômica e a legalidade, exigindo do profissional do Direito uma compreensão profunda das estruturas administrativas e dos limites constitucionais da regulamentação profissional.
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Insights finais
O papel dos conselhos na fiscalização profissional é fundamental, mas precisa respeitar limites legais claros.
Nem toda atividade empresarial relacionada a uma profissão exige, necessariamente, o registro profissional.
O princípio da liberdade econômica e da legalidade impõem contenção à ampliação indevida do poder regulamentar infralegal.
O Judiciário tem reforçado a proteção contra exigências genéricas de registro, exigindo prova efetiva da prestação de serviços técnicos privativos.
O advogado deve atuar de forma estratégica na prevenção de autuações indevidas e na defesa de empresas que enfrentem imposições administrativas ilegais.
Perguntas e respostas
1. Quais empresas são obrigadas a se registrar em conselhos profissionais?
Empresas que exercem, de forma habitual e principal, atividades técnicas exclusivas de profissionais regulados devem se registrar no respectivo conselho.
2. O que posso fazer se a empresa for autuada indevidamente por não ter registro?
É possível propor ação judicial para declarar a inexigibilidade do registro e anular eventuais autos de infração e cobranças administrativas.
3. A simples previsão de CNAE técnico no contrato social obriga ao registro?
Não. O Superior Tribunal de Justiça entende que a simples descrição da atividade não é suficiente – é necessária a demonstração concreta da execução de serviços privativos.
4. Qual a fundamentação legal para recusar as exigências indevidas?
O art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal garante o livre exercício profissional, restrito apenas com base em lei. O princípio da legalidade também fundamenta a vedação às exigências não previstas em lei.
5. Conselhos podem criar normas internas exigindo registros?
Podem emitir resoluções, mas essas normas não têm poder para criar obrigações não previstas expressamente em lei. O Judiciário tem afastado essas imposições quando abusivas.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art5xiii
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-04/crea-nao-pode-exigir-registro-de-produtoras-de-cerveja-artesanal/.