O uso de Inteligência Artificial no Direito e os desafios jurídicos do viés algorítmico
O avanço da Inteligência Artificial (IA) tem impactado profundamente o universo jurídico. De softwares que agilizam petições a sistemas preditivos que “anteveem” decisões judiciais, os operadores do Direito veem, com cada vez mais frequência, as máquinas participando dos processos decisórios. Contudo, este novo paradigma traz riscos significativos. Um dos mais preocupantes é o viés algorítmico: a possibilidade de que os sistemas de IA tomem decisões fundadas em premissas distorcidas ou discriminatórias.
O Direito, enquanto instrumento de justiça e equidade, não pode ser cego a essas distorções. Quando a tecnologia se torna parte do processo decisório, ela precisa respeitar os princípios constitucionais fundamentais, como o devido processo legal, a ampla defesa, a igualdade e a dignidade da pessoa humana.
O que é o viés algorítmico e como ele se manifesta?
Viés algorítmico é uma distorção nas decisões tomadas por sistemas baseados em IA. Essa distorção pode ocorrer de diversas formas: por falhas nos dados utilizados para treinar os algoritmos, por escolhas equivocadas de modelagem ou, até mesmo, por decisões conscientes de inserir critérios discriminatórios (ainda que de maneira indireta).
É comum que esses vieses estejam relacionados a fatores como raça, gênero, classe social ou localização geográfica. Por exemplo, um algoritmo que analisa perfis para concessão de crédito pode penalizar pessoas de determinada região porque os dados históricos indicam inadimplência mais alta naquele local — sem considerar os motivos estruturais ou socioeconômicos.
No contexto jurídico, isso pode ser extremamente grave. Imagine um sistema usado para sugerir penas em sentenças criminais, baseado em decisões anteriores. Caso os dados históricos reflitam decisões judiciais enviesadas, o sistema reproduzirá esse desvio. Em vez de corrigir desigualdades, o algoritmo reforça um padrão histórico de injustiça.
Base normativa: princípios constitucionais e legais afetados
A adoção de sistemas de IA nas esferas pública e privada deve considerar os princípios jurídicos fundamentais que regem o ordenamento jurídico brasileiro. Entre os dispositivos centrais que merecem destaque nesse contexto estão:
Devido Processo Legal (Art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal)
Um sistema baseado em IA que toma decisões sem transparência violaria este princípio, pois o cidadão não teria condições de compreender e contestar adequadamente as razões da decisão automatizada.
Princípio da Igualdade (Art. 5º, caput, da Constituição Federal)
Se a IA estabelece distinções entre indivíduos com base em critérios enviesados — como raça ou gênero — estamos diante de uma afronta direta ao princípio da isonomia.
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018)
A LGPD estabelece, em seu Art. 20, que o titular de dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, inclusive as destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito. Além disso, assegura a explicabilidade das decisões automatizadas.
Transparência e Fundamentação (Art. 93, IX, da Constituição Federal)
Decisões judiciais devem ser fundamentadas. Ao utilizar sistemas de IA no Judiciário, é necessário garantir que a lógica da máquina esteja disponível, auditável e acessível à compreensão humana. Do contrário, temos uma decisão sem fundamentação real, apenas uma “terceirização” da decisão para um sistema opaco.
Responsabilidade civil e decisões automatizadas: quem responde pelo erro da IA?
Um dos grandes desafios regulatórios está em estabelecer a responsabilidade por decisões automatizadas com vício ou erro. Trata-se de questão polêmica e ainda em evolução na jurisprudência brasileira.
As discussões vão desde a responsabilidade objetiva por risco da atividade (art. 927, parágrafo único, do Código Civil) até a possibilidade de responsabilização solidária entre desenvolvedores, operadores e usuários da tecnologia. Em sistemas públicos, a responsabilidade pode recair sobre o Estado, conforme o disposto no art. 37, §6º da Constituição Federal.
O que é incontroverso é que a vítima desses vícios não pode ficar sem uma via de reparação. A falibilidade tecnológica não justifica a ausência de culpa — muito menos de indenização. Por isso, recomenda-se cautela redobrada na implementação de soluções tecnológicas que afetem diretamente direitos fundamentais.
Como mitigar riscos jurídicos do uso de IA
A mitigação dos riscos jurídicos associados ao uso de IA envolve uma abordagem multidisciplinar, mas há diretrizes mínimas que devem ser observadas:
1. Auditoria constante dos algoritmos
A análise sistemática e recorrente dos algoritmos e dados utilizados é essencial para detectar eventuais distorções antes que estas impactem decisões reais.
2. Implementação do princípio da explicabilidade
Usuários e afetados por decisões algorítmicas devem ter o direito de entender, em linguagem acessível, como a decisão foi construída. Este é um requisito de transparência e accountability.
3. Inclusão do contraditório
Mesmo nos procedimentos automatizados, é essencial garantir que o indivíduo possa contestar os critérios utilizados e apresentar argumentos em sua defesa.
4. Conformidade à LGPD
As empresas e entidades públicas devem implementar um programa de governança de dados sólido, com base nos princípios da Lei Geral de Proteção de Dados, garantindo a autodeterminação informativa.
Dado o grau de complexidade técnica que envolve a aplicação desses conceitos jurídicos à realidade tecnológica, é imprescindível que os profissionais da área busquem capacitação aprofundada sobre o tema. Uma excelente forma de alcançar esse nível de especialização é por meio da formação adequada. Para quem busca compreender melhor a regulamentação e os dilemas da tecnologia no Direito, a Pós-Graduação em Direito e Novas Tecnologias é diretamente aplicável a esse cenário.
Papel do advogado frente à automação algorítmica
Diante da crescente automação de procedimentos jurídicos e administrativos, o advogado deixa de ser apenas um intérprete da norma e passa a ser também um questionador da lógica por trás das tecnologias utilizadas.
Para atuar com responsabilidade e eficácia nesse novo ambiente, é necessário compreender noções básicas de ciência de dados, arquitetura de software e, principalmente, os impactos jurídicos do uso de IA.
O profissional jurídico moderno deve atuar também como um guardião da legalidade algorítmica — capaz de identificar ilegalidades mesmo quando travestidas de eficiência tecnológica. Essa atuação não é apenas preventiva. Ela é estratégica: pode evitar que um cliente sofra prejuízos por decisões automatizadas equivocadas ou possa contestar com sucesso uma decisão injusta.
Desafios da regulação futura
As normas atualmente existentes já oferecem elementos relevantes para um tratamento jurídico adequado da IA, mas é clara a necessidade de legislações específicas. Projetos de lei sobre IA tramitam no Congresso Nacional e devem ser observados com atenção pela comunidade jurídica.
Enquanto essa legislação não é aprovada, cabe ao profissional do Direito aplicar o arcabouço normativo já existente, de forma criativa e responsável, alicerçado nos princípios maiores do Direito e atento aos avanços tecnológicos.
Para os profissionais que já atuam diretamente com dados, algoritmos e tecnologia, é recomendável ainda uma formação com foco na proteção de dados pessoais e no papel do profissional jurídico dentro desse ecossistema. Cursos como a Pós-Graduação em Data Protection Officer oferecem ferramentas essenciais para essa atuação estratégica.
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Insights finais
A presença da Inteligência Artificial no Direito é um caminho sem volta. Seu uso aumenta a eficiência e amplia o alcance de decisões e análises, mas também traz sérios riscos caso não sejam observados os pressupostos normativos e éticos.
O viés algorítmico, silencioso e difícil de ser detectado, representa uma verdadeira ameaça à imparcialidade, à justiça e à legalidade. Somente uma atuação jurídica consciente, tecnicamente robusta e eticamente orientada será capaz de evitar que a automação crie, em vez de corrigir, desigualdades estruturais.
O papel dos juristas será fundamental não apenas para interpretar a lei no contexto tecnológico, mas para moldar o futuro de forma justa, democrática e responsável.
Perguntas e respostas
1. O que é o viés algorítmico no contexto jurídico?
É a distorção nas decisões automatizadas produzidas por sistemas de inteligência artificial, que pode afetar negativamente certos grupos de forma desigual, impactando princípios como a igualdade, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana.
2. Quem pode ser responsabilizado por uma decisão injusta tomada por um algoritmo?
A responsabilidade pode recair sobre desenvolvedores, operadores, contratantes e até o Estado, dependendo do contexto da aplicação. A responsabilidade pode ser objetiva ou subjetiva, conforme o caso.
3. A LGPD trata sobre decisões automatizadas?
Sim. O artigo 20 da LGPD prevê o direito de revisão de decisões inteiramente automatizadas e exige transparência sobre o funcionamento desses sistemas.
4. Existe uma legislação específica sobre o uso de IA no Brasil?
Ainda não, mas há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Enquanto isso, utiliza-se o arcabouço jurídico existente, como a Constituição Federal, a LGPD e o Código Civil.
5. Como posso me preparar para atuar nesse novo cenário jurídico?
Buscando qualificação especializada em temáticas que unem tecnologia e Direito, como privacidade de dados, responsabilidade civil algorítmica e fundamentos jurídicos da automação. A Pós-Graduação em Direito e Novas Tecnologias é uma excelente opção para isso.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-18/decisoes-a-cegas-como-as-ias-podem-ser-manipuladas-sem-voce-saber/.