A penhorabilidade da indenização do seguro DPVAT no Direito Civil
Indenização, natureza alimentar e a controvérsia da impenhorabilidade
O sistema jurídico brasileiro, em especial na seara do Direito Civil e do Processo Civil, estabelece proteções para certos tipos de bens e valores, considerando sua natureza alimentar. Um dos pontos nevrálgicos desse debate é a possibilidade de penhora sobre valores recebidos a título de indenização securitária, como as oriundas do seguro DPVAT.
Essa discussão envolve a análise da natureza jurídica desses recursos e sua compatibilidade com a proteção prevista no artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC), que trata das hipóteses de impenhorabilidade.
O que dispõe a legislação sobre a impenhorabilidade?
O artigo 833 do CPC é o dispositivo central sobre bens impenhoráveis. Em seu inciso IV, ele estabelece que:
“São impenhoráveis: os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, bem como as quantias recebidas a título de seguro de vida, salvo para pagamento de prestação alimentícia.”
Essa norma tem por finalidade proteger a dignidade humana, impedindo que valores destinados à subsistência do devedor sejam utilizados para satisfazer obrigações civis. A dúvida que surge é: a indenização do seguro DPVAT se equipara a esses valores impenhoráveis?
Natureza jurídica da indenização do seguro DPVAT
Característica indenizatória e finalística do seguro
A indenização decorrente do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) tem natureza securitária e indenizatória. Ela é destinada a compensar vítimas de acidentes automobilísticos ou seus dependentes em caso de morte ou invalidez permanente, bem como cobrir despesas médicas.
Por sua vez, a natureza da indenização tem grande relevância para decidir se pode ou não ser penhorada. Doutrinariamente, costuma-se dizer que os valores oriundos do DPVAT possuem finalidade compensatória e de sustento.
Nesse sentido, não raramente entende-se que os valores pagos por seguros obrigatórios possuem feições alimentares indiretas, pois visam recompor um dano sofrido, possibilitar algum grau de manutenção da dignidade da vítima ou seus dependentes e garantir uma subsistência mínima diante das adversidades causadas pelo acidente.
Posicionamentos jurisprudenciais distintos
A jurisprudência brasileira já se manifestou de forma oscilante sobre o tema. Por um lado, há posicionamentos que reconhecem a impenhorabilidade do valor indenizatório do seguro DPVAT, em especial quando comprovado que a quantia é de fato a única ou principal fonte de sustento da vítima ou seus beneficiários.
De outro, existem decisões que afastam essa proteção, notadamente quando os valores se encontram depositados em conta corrente comum, quando não possuem clara destinação à manutenção do sustento ou quando o valor é elevado e não destinado ao uso imediato.
O fundamento dessas decisões é de que a natureza dos valores pode deixar de ser alimentar se descaracterizada sua destinação essencial. A doutrina, ao tratar da natureza dos bens, lembra que a função atribuída aos recursos recebidos incide diretamente sobre sua análise jurídica no contexto das restrições patrimoniais previstas no CPC.
Critério da destinação dos valores como ponto-chave
Teoria da natureza x teoria da destinação
O debate sobre penhorabilidade de verbas indenizatórias frequentemente contrapõe duas teorias: a da natureza e a da destinação.
Pela teoria da natureza, bastaria verificar o tipo de valor envolvido. Por esse critério, verbas de cunho indenizatório securitário, como o DPVAT, tenderiam a ser protegidas diante de sua finalidade básica de compensação por danos pessoais.
Já a teoria da destinação propõe uma análise da aplicação efetiva dos valores. Em outras palavras, ainda que uma verba tenha natureza alimentar, sua utilização em contextos não vinculados à subsistência afastaria sua proteção jurídica, permitindo a penhora.
A segunda interpretação é a que tem prevalecido nos tribunais superiores: é a destinação dos valores o parâmetro mais objetivo e eficaz para o reconhecimento da impenhorabilidade.
Momento da penhora e possibilidade de reverter o valor
Outro ponto relevante é que a impenhorabilidade deve ser analisada no momento da constrição judicial. Se no momento da penhora os valores ainda têm destinação claramente alimentar ou são o único meio de subsistência da parte, em tese não poderiam ser penhorados.
Contudo, uma vez transferidos, misturados ou utilizados em finalidades que descaracterizem essa função protetiva, a proteção legal tende a ser mitigada.
A jurisprudência reconhece a possibilidade de reversão da penhora indevida, mas para isso é essencial que se comprove a natureza alimentar dos valores e a necessidade de sua manutenção para fins essenciais de sobrevivência.
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Colisão de princípios e a ponderação judicial
Princípio da dignidade da pessoa humana x princípio da efetividade da execução
O ordenamento jurídico brasileiro é fortemente influenciado por princípios constitucionais. No caso da penhorabilidade de verbas indenizatórias, há um confronto entre dois pilares relevantes: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e a efetividade da jurisdição (art. 5º, XXXV e art. 797 do CPC).
O primeiro sustenta a impenhorabilidade de valores essenciais à subsistência. O segundo, argumenta que o crédito exequendo deve ser satisfeito, sob pena de esvaziamento da tutela jurisdicional.
Cabe ao magistrado o exercício técnico da ponderação, ferramenta própria do pós-positivismo jurídico, que obriga o julgador a contextualizar o caso concreto, avaliando os efeitos da penhora e os limites legítimos de sua imposição.
Meios subsidiários antes da constrição de valores alimentares
Importante lembrar que, mesmo quando há penhora de valores com possível caráter alimentar, é possível — e recomendável — que o juiz promova outras diligências patrimoniais antes.
A utilização do Sistema BacenJud (atualmente SISBAJUD), a consulta a cadastros como o Infojud e o Renajud podem apontar outros bens que possibilitem a efetivação da execução sem sacrificar valores com presunção de impenhorabilidade.
Quando essas alternativas se exaurem e a execução não se mostra frutífera, o julgador poderá avaliar a possibilidade da penhora de valores que, embora protegidos em tese, não demonstram, no caso concreto, vínculo direto com a subsistência do devedor.
Aplicações práticas para a advocacia
Impugnação da penhora e ônus probatório
Quando o advogado se depara com a penhora de valores oriundos de indenizações securitárias — como o seguro obrigatório — é fundamental agir com precisão técnico-jurídica.
A impugnação da penhora, por meio do art. 525 do CPC, ou os embargos à execução (art. 914), devem estar acompanhados de provas documentais robustas, demonstrando:
– A origem dos valores (ex: comprovantes de recebimento do seguro)
– A inexistência de outras fontes de renda
– A aplicação do valor em despesas essenciais
– Situação de vulnerabilidade ou dependência da quantia para a sobrevivência
Atuação preventiva e orientação patrimonial
Além da atuação reativa frente à penhora, a atuação preventiva do advogado é essencial. Isso inclui:
– Orientar o cliente sobre manter os valores recebidos separados de outras contas
– Identificar se esses recursos podem ser protegidos por conta judicial específica
– Fazer comunicação prévia da natureza impenhorável dos valores ao juízo responsável
A advocacia moderna exige não apenas domínio teórico, mas atuação estratégica de acordo com o CPC e experiências jurisprudenciais. Por isso, uma qualificação técnica permanente é indispensável.
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Insights
– Valores indenizatórios securitários devem ser analisados com critério quanto à sua natureza e destinação ao decidir pela possibilidade de penhora.
– A impenhorabilidade não é absoluta e depende da prova da afetação do valor à subsistência da parte envolvida.
– Há avanços jurisprudenciais no sentido da análise casuística, com ponderação entre princípios constitucionais relevantes.
– A atuação do advogado pode ser determinante tanto na prevenção quanto na reversão de penhoras indevidas, exigindo técnica e atualização permanente.
Perguntas e respostas comuns
1. A indenização do seguro pode sempre ser considerada impenhorável?
Não. Depende da demonstração de que tais valores estão destinados à subsistência da pessoa, caso contrário, podem ser penhorados.
2. Qual é o fundamento legal para alegar a impenhorabilidade desses valores?
Artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, que protege valores de natureza alimentar, incluídos os recebidos por liberalidade de terceiros e seguro de vida.
3. Como o advogado deve agir diante de uma penhora indevida?
Deve impugná-la por meio de petição ao juízo da execução, demonstrando com provas a origem e destinação dos valores penhorados.
4. O fato de a quantia estar depositada em conta corrente comum interfere na análise?
Sim. Mistura de valores pode dificultar a comprovação da natureza alimentar, tornando mais frágil a alegação de impenhorabilidade.
5. O juiz pode indeferir a penhora mesmo que o credor esteja com decisão favorável?
Sim. Caso identifique que o valor tem natureza alimentar e que há risco à dignidade do devedor, pode indeferir ou substituir a penhora, conforme os princípios constitucionais.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art833
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-17/indenizacao-paga-pelo-seguro-dpvat-pode-ser-penhorada-decide-stj/.