Importância da prova testemunhal na fase de pronúncia penal

Artigo sobre Direito

A importância da prova testemunhal e seus limites na fase de pronúncia

No processo penal brasileiro, a fase de pronúncia desempenha um papel central quando se trata de crimes dolosos contra a vida, sendo a etapa que determina se o acusado será submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Ocorre, porém, uma tensão recorrente entre os meios de prova admitidos e o respeito às garantias fundamentais do acusado. Um dos pontos que mais gera debate é o uso de relatos indiretos ou meramente enunciativos, especialmente quando inseridos em boletins de ocorrência, como fundamento para a pronúncia.

Neste artigo, exploraremos os limites legais e jurisprudenciais da utilização de testemunhos indiretos — geralmente narrados por autoridade policial com base em informações de populares não formalmente ouvidos — e sua (in)adequação como suporte probatório para uma decisão de pronúncia.

Pronúncia: natureza jurídica e requisitos legais

A decisão de pronúncia é regulada pelos artigos 406 a 411 do Código de Processo Penal (CPP). De acordo com o artigo 413, caput, o juiz, ao decidir sobre a pronúncia, deve se convencer da existência do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação:

“Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.”

Isso significa que, diferentemente da condenação, que exige prova além de dúvida razoável, a pronúncia se satisfaz com um juízo de probabilidade, exigindo-se a demonstração de indícios suficientes.

Contudo, mesmo diante do standard probatório menos rigoroso, o ordenamento não permite que a decisão de pronúncia se fundamente em elementos que não possuam fé pública ou que careçam de qualquer contraditório ou formalidade legal.

O valor jurídico dos relatos indiretos

No âmbito penal, há uma estrutura lógica que define quais elementos são válidos como prova. Relatos indiretos — especialmente aqueles narrados por autoridade policial sobre o que ouviu de terceiros anônimos — não atendem ao princípio da legalidade da prova nem ao contraditório. O valor da prova testemunhal depende da observância da forma legal (art. 202 e seguintes do CPP).

Se o policial relata que “populares informaram” determinada circunstância, mas tais pessoas não foram identificadas nem ouvidas sob o crivo do contraditório, essa informação é, quando muito, um indício frágil — e não pode fundamentar decisões judiciais, sobretudo de natureza acusatória, como a pronúncia.

Princípios constitucionais e sua incidência probatória

O sistema processual penal brasileiro é constituído sobre garantias fundamentais, notadamente o contraditório (CF, art. 5º, LV), a ampla defesa e a presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII). Reforça-se, nesse ponto, a vedação às provas ilícitas, conforme o artigo 5º, LVI da Constituição:

“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

Em comunhão com esses princípios, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm se manifestado reiteradas vezes no sentido de que a decisão de pronúncia deve se basear em provas idôneas, formalmente obtidas, admitindo-se indícios, desde que originados de testemunhas identificadas, ouvidas sob contraditório e com a devida fundamentação judicial.

Boletim de ocorrência como elemento informativo

Boletins de ocorrência (BOs) não são, por si só, meios de prova stricto sensu. Eles integram a categoria de elementos informativos, servindo para iniciar investigações, mas não para justificar decisões judiciais por si.

O entendimento jurisprudencial pacificado é de que o BO pode motivar a abertura de inquérito policial, mas não suporta decisões judiciais, sequer em fase de recebimento de denúncia, quanto menos em fase de pronúncia, quando o juízo já deve ter se debruçado sobre as provas colhidas no curso do processo penal.

A insuficiência de testemunhos indiretos para a pronúncia

Quando uma decisão de pronúncia se baseia tão somente no relato policial que menciona “populares disseram”, sem que estas testemunhas tenham sido formalmente ouvidas, estamos diante de prova ilegítima. A jurisprudência dominante não admite essa forma de prova como suficiente para suportar uma decisão que possa levar um cidadão ao banco dos réus do júri, ambiente onde a acusação se intensifica e o risco de condenação cresce exponencialmente.

Tratam-se de depoimentos por “ouvir dizer”, forma de prova amplamente rechaçada na tradição jurídica brasileira, justamente por sua fragilidade probatória e alto potencial de injustiça.

A função do juiz na fase do iudicium accusationis

Na fase do julgamento da pronúncia, o juiz realiza um exame de admissibilidade da acusação, funcionando como filtro entre a denúncia e a remessa ao júri. Embora não seja exigido convencimento definitivo, espera-se um mínimo de robustez probatória.

A omissão do magistrado em verificar se os indícios se constituem de provas ou de meras notícias descuidadas de contraditório invade, indevidamente, a esfera dos direitos fundamentais do acusado. Logo, relatos de terceiros que não foram formalmente ouvidos não podem ser utilizados sequer como indício, quanto mais como motivação exclusiva para uma pronúncia.

Consequências práticas para a advocacia criminal

O episódio serve de alerta para atuação da defesa criminal. Muitas vezes, há uma naturalização do uso de relatos informais em decisões judiciais, o que gera a falsa sensação de legalidade. Cabe ao advogado criminalista, atento ao devido processo legal, impugnar a validade da fundamentação baseada em prova ilegítima.

Além disso, a identificação de falhas na valoração das provas pode ser decisiva para interposição de recurso em sentido estrito (art. 581, IV, do CPP) contra a decisão de pronúncia, como mecanismo de contenção ao uso de provas não admissíveis.

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Reflexões jurídicas sobre o devido processo legal e o julgamento justo

Não se trata apenas de uma questão técnica sobre validade de provas. O núcleo do debate repousa na dignidade da pessoa humana e no direito de ser processado em conformidade com todas as garantias legais.

Empregar relatos indiretos, não formalizados, como fundamento decisório significa desrespeitar o modelo acusatório que rege o processo penal brasileiro, caracterizado pela paridade de armas e pela imparcialidade do julgador. Se o processo começa desequilibrado, a paridade e a presunção de inocência se tornam meras fórmulas retóricas.

A jurisprudência como guardiã das garantias penais

Tanto o STJ quanto o STF já se posicionaram, em diversas ocasiões, no sentido de que a ausência da formalidade na colheita de provas orais torna os respectivos relatos não só ilegítimos, mas totalmente inservíveis para fins decisórios. O Judiciário, nesse aspecto, funciona como o último escudo protetor contra a arbitrariedade estatal.

Ao reafirmarem que as decisões devem se basear em provas cuja licitude e confiabilidade sejam incontestáveis, os tribunais não apenas protegem direitos individuais, mas reforçam os pilares democráticos do processo penal.

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Insights

A fragilidade do uso de relatos indiretos na fase de pronúncia evidencia a importância do controle judicial sobre a admissibilidade e o valor das provas penais. O advogado que conhece profundamente os fundamentos do processo penal terá uma performance diferenciada ao saber impugnar decisões que se afastam das exigências legais no tratamento da prova.

A correta valoração probatória é um dos pilares da advocacia criminal técnica, estratégica e eficiente. Ignorá-la pode comprometer a liberdade de um cliente.

Perguntas e Respostas

1. O que é a decisão de pronúncia no processo penal brasileiro?

A pronúncia é a decisão judicial na qual o juiz encaminha o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, se convencido da existência do crime doloso contra a vida e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação.

2. Informações prestadas por populares podem basear a decisão de pronúncia?

Não, se não forem devidamente formalizadas por meio de depoimento em sede própria, com contraditório. Relatos informais — inseridos em boletins de ocorrência sem ser testemunho direto — não possuem valor jurídico suficiente.

3. Qual o papel do boletim de ocorrência no processo penal?

O BO é um elemento meramente informativo e não constitui prova judicial. Serve para iniciar investigações, mas não para fundamentar decisões judiciais que restrinjam direitos.

4. Quando a defesa pode impugnar uma decisão de pronúncia?

Através de recurso em sentido estrito, previsto no art. 581, IV, do CPP, quando a pronúncia se basear em provas inidôneas ou ausente de requisitos legais.

5. Qual curso me ajuda a aprofundar meu conhecimento sobre a admissibilidade das provas no processo penal?

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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

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Este artigo foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de uma fonte e teve a curadoria de Fábio Vieira Figueiredo. Advogado e executivo com 20 anos de experiência em Direito, Educação e Negócios. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP, possui especializações em gestão de projetos, marketing, contratos e empreendedorismo. CEO da IURE DIGITAL, cofundador da Escola de Direito da Galícia Educação e ocupou cargos estratégicos como Presidente do Conselho de Administração da Galícia e Conselheiro na Legale Educacional S.A.. Atuou em grandes organizações como Damásio Educacional S.A., Saraiva, Rede Luiz Flávio Gomes, Cogna e Ânima Educação S.A., onde foi cofundador e CEO da EBRADI, Diretor Executivo da HSM University e Diretor de Crescimento das escolas digitais e pós-graduação. Professor universitário e autor de mais de 100 obras jurídicas, é referência em Direito, Gestão e Empreendedorismo, conectando expertise jurídica à visão estratégica para liderar negócios inovadores e sustentáveis.

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