Imigração irregular e Direito Penal: o enquadramento jurídico de tentativas de emigração clandestina
O que é imigração irregular sob a perspectiva penal?
Imigração irregular, no plano jurídico, é uma expressão que designa o ingresso, permanência ou trânsito de estrangeiros em território nacional fora dos requisitos legais previstos na legislação migratória. No contexto penal, o comportamento de tentar ou facilitar esse ingresso, ou ainda de auxiliar terceiros nesse processo, pode configurar distintos delitos, a depender da conduta específica e da sua vinculação a outros tipos penais.
É importante compreender que nem toda conduta de ingresso ou tentativa de ingresso ilícito de estrangeiro será, necessariamente, criminalizada. O Direito Penal atua de maneira subsidiária e somente incide quando a conduta violar bens jurídicos relevantes, como segurança do Estado, paz pública ou integridade de menores vulneráveis.
O Direito Penal como instrumento na proteção de fronteiras
Historicamente, o Direito Penal tem sido empregado por muitos Estados como mecanismo de controle de fronteiras. No Brasil, por exemplo, a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) revogou o antigo Estatuto do Estrangeiro e buscou alinhar a política migratória brasileira aos princípios constitucionais e aos tratados internacionais de Direitos Humanos.
Essa nova configuração legal deslocou o foco de uma abordagem repressiva e securitária para uma dimensão mais humanitária e garantista. Por consequência, certas práticas de imigração irregular deixaram de ser criminalizadas, especialmente quando não envolvem violência, coação, fraude ou intenção dolosa de lesar bens jurídicos relevantes.
Condutas puníveis relacionadas à imigração irregular
Tráfico de pessoas e contrabando de migrantes
Duas figuras penais distintas são frequentemente confundidas: o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes. Esta distinção é crucial, pois seus elementos objetivos e subjetivos são diferentes, bem como a natureza do bem jurídico tutelado.
O tráfico de pessoas, tipificado no artigo 149-A do Código Penal, envolve o aliciamento ou transporte de seres humanos, com ou sem consentimento, especialmente para fins de exploração sexual, trabalho análogo ao de escravo, remoção de órgãos ou outras formas de vulneração da dignidade humana. Trata-se de delito grave, que fere diretamente a liberdade e a integridade da pessoa.
Já o contrabando de migrantes é previsto no artigo 232-A do Código Penal e diz respeito à promoção da entrada ou saída ilegal de pessoa em país estrangeiro. A principal diferença está na ausência de vínculo com exploração: aqui, o sujeito atua, geralmente, mediante vantagem financeira, para facilitar a transposição de fronteiras de forma ilícita.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reiterado que, na hipótese do migrante buscar por conta própria o ingresso em outro país, sem auxílio de organizações criminosas ou mediante coação, não há como criminalizar sua conduta como tráfico humano ou contrabando.
Delitos aduaneiros e crimes conexos
Em algumas situações, a tentativa de imigração irregular pode envolver documentos falsificados, uso de identidade falsa (art. 307 do Código Penal) ou falsidade ideológica em documentos públicos (art. 299 do Código Penal). Nesses casos, é possível haver imputações penais secundárias, desde que presentes os elementos do tipo e o dolo do agente.
No entanto, é necessário cuidado para não confundir meras irregularidades administrativas (como ausência de visto ou passaporte vencido) com crimes contra a fé pública. A Constituição Federal de 1988 e a jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros reforçam o princípio do direito à liberdade de locomoção, inclusive em razão de situações extremas que motivem a migração, como guerra, fome ou perseguição política.
Princípios constitucionais e internacionais aplicáveis
Dignidade da pessoa humana e direito de migrar
A Constituição Federal brasileira adota como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Esse princípio norteia todo o ordenamento jurídico e incide especialmente sobre o tratamento dado aos migrantes, nacionais ou estrangeiros, regulares ou irregulares.
Além disso, o artigo 5º garante a inviolabilidade do direito à liberdade e de locomoção, ressalvadas as restrições legais. Em convergência, a Lei de Migração reconhece o direito à migração como direito humano (art. 3º, I) e assegura aos imigrantes a igualdade de tratamento e de acesso à justiça.
Diversas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, reforçam que a irregularidade documental do migrante não pode ser fundamento, por si só, para tratamento desumano ou criminalização automática.
Princípio da intervenção mínima do Direito Penal
A atuação do Direito Penal deve ser pautada pelo princípio da intervenção mínima. Isso significa que uma conduta só deve ser criminalizada quando não for possível o seu tratamento adequado pelo Direito Administrativo, Civil ou Internacional.
Em casos de emigração voluntária, sem dolo específico de lesão, sem coação a terceiros e sem a instrumentalização da pessoa como meio de obtenção econômica ilícita, não há espaço legítimo para aplicação da pena criminal. A criminalização, nesses casos, violaria os princípios da proporcionalidade e da legalidade estrita.
A jurisprudência penal moderna tem reconhecido que migrantes em situação de desespero, fugindo de catástrofes ou conflitos armados, não podem ser tratados como criminosos por mera tentativa de buscar melhores condições de vida. O reconhecimento jurídico dessa distinção é fundamental para evitar a estigmatização.
Importância da especialização na prática penal contemporânea
Dada a complexidade dos temas envolvidos, o profissional do Direito que atua na seara criminal precisa dominar não apenas os tipos penais e seus elementos, mas também entender os contextos sociais, culturais e transnacionais que envolvem certos comportamentos. O tráfico de pessoas, por exemplo, exige análise de tratados internacionais, cooperação jurídica internacional e conhecimento sobre vulnerabilidade social.
Por isso, a formação continuada em temas de Direito Penal contemporâneo torna-se um diferencial no mercado jurídico. Especialmente em tempos em que os julgamentos envolvem cada vez mais elementos globais, um conhecimento aprofundado ajuda a formar estratégias defensivas e acusatórias mais eficazes.
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Efeitos práticos e jurisprudência recente
A jurisprudência atual tem consolidado a ideia de que migrantes que, individualmente, tentam sair ou entrar em países sem regularização, mas sem dolo de lesar bem jurídico penal, não devem ser criminalizados.
Tribunais superiores já assentaram que, nesses casos, pode haver reprovação ou sanção administrativa, mas não o uso do poder punitivo estatal em sua forma mais gravosa: a pena criminal. A adoção dessa postura promove coerência com a ordem constitucional e os compromissos internacionais assumidos pelo país.
Além disso, essa visão ajuda a evitar o encarceramento desnecessário, a judicialização indevida de situações humanitárias e contribui para um sistema penal mais justo e eficiente.
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Insights finais
A análise da imigração irregular à luz do Direito Penal exige uma abordagem técnica e humanizada. É preciso distinguir entre condutas criminosas e comportamentos de autodefesa de migrantes em vulnerabilidade.
O papel da legislação penal moderna é rechaçar práticas que instrumentalizam seres humanos, como o tráfico de pessoas, mas, ao mesmo tempo, preservar os direitos fundamentais dos que, em desespero, buscam dignidade. Para isso, a interpretação das normas não pode se dissociar dos princípios constitucionais e internacionais.
O operador do Direito precisa estar atento a esse novo paradigma. Assim, irá encontrar no Direito Penal não apenas um instrumento de punição, mas um recurso válido para a promoção da justiça em sua acepção material.
Perguntas e respostas
1. Toda forma de imigração irregular configura crime?
Não. A simples entrada ou saída de uma pessoa do país sem documentação adequada não configura necessariamente crime. Em muitas situações, isso é tratado apenas como infração administrativa.
2. Qual a diferença entre tráfico de pessoas e contrabando de migrantes?
O tráfico de pessoas envolve exploração, como trabalho forçado ou exploração sexual. Já o contrabando de migrantes refere-se ao auxílio para entrada ou saída ilegal de pessoas sem fins de exploração.
3. O migrante pode ser punido penalmente por tentar sair irregularmente do país?
Não, desde que sua conduta não envolva fraude, coação ou organização criminosa. A tentativa de emigração por conta própria, geralmente, não caracteriza crime.
4. Quais princípios constitucionais protegem o migrante em situação irregular?
A dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade de locomoção são os principais direitos fundamentais aplicáveis, além do princípio da legalidade.
5. O advogado criminalista deve estudar Direito Internacional para atuar nesses casos?
Sim, especialmente em casos que envolvem tratados, cooperação internacional ou elementos transnacionais. O domínio desses temas é fundamental para uma atuação efetiva.
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jun-15/ministro-do-stj-absolve-imigrantes-que-tentaram-embarcar-irregularmente-em-navio/.