O Direito à Continuidade do Tratamento Médico na Relação Contratual com Planos de Saúde
Introdução e contextualização do tema
No ordenamento jurídico brasileiro, a prestação de serviços na área da saúde suplementar é regulada de forma estrita, dada a sua relevância social e a assimetria entre as partes na relação contratual. Esse setor é regido por normas específicas, pautando-se principalmente pelas disposições da Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, e pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Um dos pontos mais sensíveis nessa seara é a possibilidade de descredenciamento unilateral de clínicas, hospitais ou profissionais pelos planos de saúde e os impactos disso para o consumidor beneficiário de tratamentos essenciais e contínuos.
O princípio da continuidade e a vulnerabilidade do consumidor
A descontinuidade de tratamentos médicos por descredenciamentos de prestadores de serviços suscita uma análise sob o prisma do princípio da continuidade do tratamento, considerado corolário do direito à saúde (art. 6º da Constituição Federal), bem como do princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil) e da função social do contrato.
A jurisprudência consolidou o entendimento de que, havendo relação de tratamento continuado, sua interrupção abrupta — sem oferecimento de rede substitutiva equivalente — configura violação aos direitos básicos do consumidor, especialmente à dignidade, saúde e segurança, nos termos do art. 6º do CDC.
Esse princípio da continuidade do tratamento também está implícito na Resolução Normativa nº 259/2011 da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que trata da garantia de atendimento nas operadoras e regulamenta prazos máximos. Ainda que a norma admita o descredenciamento, ela o condiciona à substituição da rede sem prejuízo à assistência do usuário.
O contrato de plano de saúde e os limites ao descredenciamento
A relação jurídica entre plano de saúde e usuário é, inegavelmente, uma relação típica de consumo. Em virtude disso, a operadora deve observar limites para alterações unilaterais no rol de prestadores, especialmente quando o descredenciamento afeta diretamente um tratamento em curso.
A cláusula contratual que permite o descredenciamento unilateral, mesmo que prevista originalmente no contrato, pode ser considerada abusiva caso sua execução vá de encontro à função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e aos fins essenciais da prestação do serviço.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui diversos julgados afirmando que é ilícito o descredenciamento de clínica, hospital ou profissional da saúde quando isso comprometer o tratamento do consumidor com vínculo médico em curso. Trata-se, portanto, de tese jurídica dominante que protege a continuidade em contextos em que o rompimento do vínculo configuraria desassistência abrupta e indevida.
Dever de informação e transparência
O descredenciamento também impõe à operadora o dever de informação prévia adequada (art. 6º, III, do CDC). A ausência de informação clara e tempestiva sobre a alteração da rede credenciada é passível de ensejar não apenas a manutenção do tratamento pela prestadora original (até a conclusão deste), mas também indenizações por dano moral ou material.
Além disso, conforme normativos da ANS, especialmente a Instrução Normativa nº 49/2014, operadoras têm o dever de comunicar de forma pública e individualizada o descredenciamento com antecedência mínima de 30 dias, salvo motivo de força maior. Esse prazo é importante para garantir que o consumidor possa se reorganizar e proteger sua saúde.
Tratamentos de alto custo e patologias graves
Em casos que envolvem doenças graves, contínuas ou de alto custo — como câncer, doenças neurológicas, tratamentos psiquiátricos complexos, entre outros — o entendimento jurisprudencial é ainda mais rigoroso.
A descontinuidade abrupta nesses casos pode representar risco imediato e concreto à vida e integridade do paciente. Assim, os tribunais têm reconhecido, por meio de decisões liminares e sentenças de mérito, que a operadora deve manter o tratamento com o prestador descredenciado até sua efetiva finalização ou transferência segura e validada pelo profissional responsável.
Trata-se de aplicação do princípio da precaução, largamente defendido no Direito à Saúde, como mecanismo de prevenção de danos irreversíveis.
Instrumentos legais disponíveis ao consumidor e à advocacia
O beneficiário do plano de saúde tem à disposição diversos instrumentos judiciais e extrajudiciais para proteger seu direito à continuidade do tratamento. No campo judicial, a via mais adequada é a ação com pedido de tutela antecipada de urgência (art. 300 do CPC), visando à manutenção imediata do atendimento.
A liminar deve ser fundamentada com base em prova inequívoca, usualmente representada por laudo ou relatório médico que comprove a necessidade inadiável de continuidade do vínculo com o prestador de serviço.
Também é possível atuar extrajudicialmente, mediante reclamação junto à própria ANS, que possui sistema eletrônico (Notivisa e o canal da Ouvidoria), ou via PROCON. A defesa extrajudicial muitas vezes resulta em soluções mais céleres, em especial diante da ameaça iminente à integridade físico-psíquica do consumidor.
Para que o profissional da advocacia atue com excelência nessa seara, é indispensável o domínio da teoria geral da responsabilidade civil, das normas de defesa do consumidor e dos arcabouços jurídicos do direito à saúde. Um estudo aprofundado nesse campo pode ser feito por meio da Pós-graduação em Prática da Responsabilidade Civil e Tutela dos Danos, que oferece arcabouço técnico e prático para atuação qualificada.
Responsabilidade civil e dano indenizável
O descredenciamento indevido ou não acompanhado de medidas compensatórias imediatas pode gerar responsabilidade civil da operadora de plano de saúde. Os elementos da responsabilidade — ação ou omissão ilícita, dano, nexo de causalidade e culpa (ou responsabilidade objetiva) — usualmente estão presentes nesses casos.
O dano pode ser de natureza patrimonial, como os custos com o tratamento particular em unidade descredenciada, ou moral, pela angústia, insegurança e vulnerabilidade provocadas.
Tanto o STJ quanto os Tribunais Estaduais vêm reconhecendo o dano moral como in re ipsa nesses cenários, ou seja, que decorre automaticamente da ofensa ao direito do consumidor à continuidade do tratamento de saúde.
Parâmetros de equidade na substituição do prestador
A substituição de um prestador descredenciado exige que a operadora garanta equivalência técnica, geográfica e temporal. A unidade substituta deve possuir aptidões médicas similares, estar localizada na mesma região de abrangência contratada e oferecer disponibilidade compatível com a urgência e frequência que o tratamento exige.
Qualquer descumprimento desses parâmetros pode motivar providências legais sustentáveis e decisões favoráveis ao consumidor, reforçando a tese segundo a qual o descredenciamento não pode resultar em descontinuidade ou regressão terapêutica.
Impacto do tema para profissionais do Direito
Este tema extrapola a litigância individual do consumidor e alcança discussões sobre regulação setorial, sob a égide das normas da ANS, dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), direito à vida e à saúde e, ainda, da tutela contra cláusulas abusivas.
Dominar esse conhecimento permite ao jurista se posicionar com segurança em demandas que envolvem não apenas o consumidor final, mas também clínicos e profissionais de saúde vinculados contratualmente aos planos.
Além disso, proporciona atuação estratégica em ações coletivas, demandas civis públicas e ações civis por omissão estatal — quando o SUS se vê impactado por desassistências oriundas das falhas do setor suplementar de saúde.
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Insights relevantes
1. O CDC e a legislação dos planos de saúde garantem o direito à continuidade do tratamento
A ausência de substituição adequada do prestador pode gerar sanções administrativas e responsabilidade civil.
2. O Judiciário tem aplicado o princípio da função social do contrato nas relações com planos de saúde
Cláusulas que permitam o descredenciamento unilateral, sem medidas de mitigação, podem ser consideradas nulas.
3. A atuação preventiva é fundamental
Escritórios e advogados especializados devem orientar os clientes sobre seus direitos ao contratar um plano e ao iniciar tratamentos contínuos.
4. A regulação da ANS tem papel central
O conhecimento das resoluções normativas e instruções é essencial para a atuação consultiva e contenciosa.
5. O tratamento de doenças graves exige um olhar ainda mais rigoroso
O direito à vida e à integridade física prevalece sobre cláusulas contratuais e decisões administrativas isoladas.
Perguntas e Respostas Comuns
1. Um plano de saúde pode descredenciar uma clínica a qualquer momento?
Sim, desde que mantenha outra clínica com características equivalentes, na mesma região e com capacidade de atendimento compatível, respeitando o direito à continuidade do tratamento do paciente.
2. O beneficiário pode escolher continuar o tratamento com a clínica descredenciada?
Sim, e em muitos casos o plano é obrigado a custear esse atendimento até o término do tratamento, especialmente quando envolva terapias de longo prazo ou condições graves.
3. Há responsabilidade civil do plano em caso de dano por descredenciamento abrupto?
Sim. A operadora pode responder por danos materiais e morais decorrentes da descontinuidade de tratamento médico essencial.
4. Existe um prazo legal para a substituição do prestador descredenciado?
Sim. A ANS exige informação ao consumidor com antecedência mínima de 30 dias e substituição imediata e equivalente na rede credenciada.
5. Como o advogado pode proteger o consumidor nesses casos?
Protocolando medidas judiciais de urgência (tutela antecipada) e promovendo a responsabilização civil e administrativa com base no CDC e na legislação específica do setor.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-20/plano-deve-manter-atendimento-em-clinica-que-sera-descredenciada/.