Tributação do Deságio em Planos de Recuperação Judicial: Aspectos Relevantes no Direito Tributário Empresarial
Contextualização do Tema
A recuperação judicial é um dos mecanismos mais importantes do Direito Empresarial no Brasil, previsto na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências), voltado à preservação da empresa e dos empregos, à manutenção da circulação de riquezas e ao interesse coletivo dos credores.
Nesse contexto, o plano de recuperação judicial pode prever o pagamento dos débitos com deságio, isto é, com abatimento sobre o valor original da obrigação. O ponto de tensão jurídica surge quando esse deságio, que representa uma “renúncia” parcial do credor ao que lhe é devido, é interpretado pelas autoridades fiscais como receita tributável para a empresa recuperanda.
A discussão, portanto, gira em torno da natureza jurídica do deságio concedido e de sua eventual submissão à tributação por impostos como o IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
O Que é Deságio e Como Ele Funciona na Recuperação Judicial
Conceito de Deságio
Deságio é o nome jurídico atribuído ao desconto ou abatimento concedido por um credor sobre o valor total de sua dívida no âmbito de uma negociação, especialmente em reestruturações empresariais aprovadas judicialmente. No plano de recuperação judicial, trata-se de uma cláusula comum que visa viabilizar o pagamento dos débitos, levando em consideração a incapacidade momentânea da empresa de honrar integralmente seus compromissos.
Por exemplo, um credor que tem R$ 1 milhão a receber pode aceitar R$ 600 mil pagos em 5 anos. O valor de R$ 400 mil é considerado deságio.
Natureza Jurídica do Deságio
A natureza do deságio não é propriamente de receita nova, mas de alívio financeiro decorrente de uma renegociação com fins extrapatrimoniais (manutenção da atividade econômica e dos empregos). Contudo, para fins tributários, a Receita Federal e o próprio Judiciário por vezes interpretam esse abatimento como “ganho econômico” sujeito à tributação, o que acirra o debate.
Tributação do Deságio: IRPJ, CSLL, PIS e COFINS
Deságio como Receita Tributável
O ponto nodal dessa controvérsia tributária está na interpretação do artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece como fato gerador do Imposto de Renda o acréscimo patrimonial. Ao se considerar o deságio como uma forma de incremento patrimonial, a Receita Federal entende que esse valor deveria ser submetido à tributação pelo IRPJ e pela CSLL.
Nas contribuições ao PIS e à COFINS, a base de cálculo é a receita, conforme o artigo 1º das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003. Se o deságio se qualifica como receita operacional ou não operacional, ele pode entrar no cálculo base dessas contribuições.
Controvérsia Judicial e Doutrinária
Contudo, existe uma linha doutrinária e jurisprudencial relevante que sustenta que o deságio não pode ser tratado automaticamente como receita, pois o seu objetivo central é viabilizar a reestruturação da empresa, e seu surgimento está condicionado à aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores e homologação pelo juiz.
Argumenta-se ainda que:
– O deságio não configura acréscimo de riqueza espontâneo, mas uma negociação imposta por força de situação de crise econômica.
– Trata-se de evento jurídico vinculado a um processo judicial, e não um negócio mercantil comum.
– Sua contabilização pode se dar como ajuste patrimonial, sem impacto direto em receita para fins fiscais.
Esse entendimento sustenta que impor tributação sobre o deságio configuraria ofensa ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF) e à função social da empresa (art. 170, III, CF).
Base Contábil x Base Fiscal: Um Ponto de Atenção
A contabilidade trata o deságio como recuperação de passivo e, portanto, um redutor do montante de débitos. A controvérsia, porém, reside na divergência entre as normas contábeis e as normas fiscais.
Na apuração do lucro real, regras fiscais podem afastar os critérios contábeis. O artigo 177 do Código Civil condiciona a prevalência das normas fiscais sobre as contábeis nos casos determinados por lei. Assim, mesmo que contabilmente o deságio não gere receita, a autoridade fiscal pode entender que ele constitui lucro tributável.
Cabe ao operador do Direito conhecer com profundidade as regras de apuração do lucro real e os ajustes previstos pela legislação específica, o que pode incluir tanto o reconhecimento de receita quanto a exclusão, conforme o caso concreto.
Para profissionais que lidam diariamente com temas dessa complexidade, o domínio técnico das normas de Direito Tributário é fator indispensável. Uma formação sólida nessa área amplia significativamente a segurança na atuação profissional. A Pós-Graduação em Advocacia Tributária é altamente recomendada para quem deseja atuar com segurança nesse cenário de constantes tensionamentos entre a contabilidade e a responsabilidade fiscal.
Planejamento Tributário e Riscos Jurídicos
Utilização Indevida do Deságio em Planejamentos
Há, também, preocupações por parte do Fisco quanto ao uso indevido do deságio como mecanismo para redução artificial da base de cálculo de tributos, principalmente em estruturas de planejamento tributário agressivo.
Por exemplo, pode haver casos em que a empresa “compra dívidas” com deságio ou realiza planos de recuperação apenas para reestruturar passivos tributários e evitar a incidência de impostos, em clara intenção elusiva.
Por isso, os profissionais de Direito devem sempre considerar o princípio da boa-fé e da substância econômica da operação. A tentativa de transformar deliberadamente o deságio em um instrumento genérico de economia fiscal pode ser caracterizada como abuso de forma e ensejar autuações, penalidades e responsabilização dos gestores.
Jurisprudência Atual e Posicionamentos Opostos
Decisões Judiciais
A jurisprudência sobre a matéria ainda mostra-se dividida. Alguns tribunais têm reconhecido que o deságio não se configura como receita, principalmente quando decorrente de aprovação judicial de plano de recuperação. Outros entendem que, por representar redução significativa de passivo, o resultado positivo deve ser oferecido à tributação.
Diante da ausência de pacificação nos tribunais superiores, o risco jurídico permanece elevado para as empresas, o que aumenta consideravelmente o valor da consultoria tributária especializada nesse tipo de operação societária.
Não se pode perder de vista o papel estratégico do advogado tributarista nesse contexto, especialmente quando atua junto a empresas em crise ou investidores interessados em adquirir ativos em situação especial.
Tratamento do Deságio em Diferentes Regimes de Tributação
Lucro Real vs. Lucro Presumido
Outro ponto crucial envolve o regime tributário. Para empresas no lucro real, o reconhecimento do deságio e seus impactos pode ser mais complexo, pois exige escrituração contábil minuciosa, ajustes extracontábeis e análise jurídica apurada.
No lucro presumido, ainda que pareça inicialmente menos impactado, há uma maior rigidez na definição do percentual de presunção da base de cálculo, o que pode tornar a incidência do deságio ainda mais litigiosa, dado que se afasta da apuração efetiva de resultados.
Em qualquer um dos regimes, a atuação preventiva e estratégica é essencial para mitigar riscos tributários, e isso implica uma compreensão ampla das normas de recuperação judicial, do sistema tributário e dos valores constitucionais que regem tais relações.
Implicações Práticas para Advogados e Escritórios de Advocacia
O Papel do Advogado na Reestruturação de Dívidas com Deságio
O advogado que atua em reestruturações empresariais precisa dominar tanto os aspectos formais da recuperação judicial quanto as consequências fiscais que decorrem da homologação de um plano que envolve perdão parcial de dívidas.
Muitas vezes, o sucesso ou fracasso de uma estratégia de recuperação está na estruturação juridicamente defensável do plano e na antecipação dos impactos tributários, o que requer habilidade em ler, interpretar e enfrentar eventuais interpretações adversas da Receita Federal.
Esse domínio técnico pode ser o diferencial na carreira jurídica. Por isso, conhecer instrumentos contábeis, técnicas de valuation e legislação tributária se tornou um pré-requisito para atuação na intersecção entre direito empresarial e tributário.
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Insights Finais
– O deságio em planos de recuperação judicial é um tema de intensa controvérsia entre Fisco e contribuintes.
– A qualificação jurídica do deságio — se receita tributável ou não — depende de múltiplos fatores, incluindo análise contábil, apreciação judicial e regime de tributação da empresa.
– Exigir IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre esse montante pode ofender princípios constitucionais como o da capacidade contributiva e da preservação da empresa.
– Os riscos jurídicos e fiscais envolvidos tornam o estudo aprofundado do tema essencial para qualquer advogado empresarial ou tributarista que atue com empresas em circunstâncias de recuperação.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. O deságio aprovado em plano de recuperação judicial pode ser considerado receita tributável?
Depende. A Receita Federal costuma entender que sim, pois o deságio representaria um ganho patrimonial. Contudo, há argumentos jurídicos consistentes — e reconhecidos por parte da jurisprudência — de que o deságio não representa adição patrimonial real, não devendo ser tributado.
2. Quais tributos podem incidir sobre o deságio?
Em tese, podem incidir IRPJ e CSLL por representarem suposto lucro contábil. Além disso, o deságio poderia compor a base de cálculo de PIS e COFINS, se considerado receita. A discussão depende do regime tributário e do caso concreto.
3. Há decisões judiciais favoráveis ao contribuinte nessa matéria?
Sim. Vários tribunais já reconheceram que o deságio não constitui receita tributável quando decorrente de plano aprovado judicialmente. No entanto, a segurança jurídica ainda é limitada pela falta de posição consolidada nos tribunais superiores.
4. Como a contabilidade trata o deságio em recuperação judicial?
Contabilmente, o deságio é registrado como redução de passivo, mas pode ser entendido como receita não operacional se houver reversão contábil do valor. Essa diferença pode gerar controvérsia com o Fisco.
5. É possível estruturar uma recuperação judicial sem gerar tributação sobre o deságio?
Sim, com assessoria jurídica e contábil qualificada, é possível estruturar o plano e os lançamentos de forma a mitigar riscos fiscais. A análise prévia do regime tributário e dos impactos contábeis é indispensável.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-25/solucao-de-consulta-cosit-no-74-2025-e-tributacao-do-desagio-em-planos-de-rj/.