O Direito Previdenciário e os Distúrbios Psiquiátricos Decorrentes do Abuso de Álcool
Contextualização: Saúde Mental e o Direito à Previdência
A relação entre distúrbios psiquiátricos e benefícios previdenciários é cada vez mais debatida nos tribunais e na doutrina. Dentre os transtornos psíquicos, destacam-se os decorrentes do uso abusivo de álcool, que frequentemente se associam a quadros graves como depressão, transtornos de ansiedade generalizada, psicoses e condições de dependência que comprometem de forma significativa a capacidade laboral do segurado.
Sob o enfoque jurídico, esses distúrbios podem ser enquadrados como incapacitantes nos termos da Lei nº 8.213/91, especialmente quando impossibilitam o segurado de exercer suas atividades profissionais de forma total e temporária, ensejando o recebimento do auxílio-doença ou, em casos mais graves e permanentes, da aposentadoria por invalidez.
O Conceito de Incapacidade no Direito Previdenciário
A essência do sistema previdenciário brasileiro é a proteção do trabalhador em situações de incapacidade laboral. Para fins do auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), o art. 59 da Lei nº 8.213/91 estabelece:
“Será devido auxílio-doença ao segurado que, havendo cumprido, quando exigível, o período de carência, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.”
Assim, a concessão do benefício não exige que a incapacidade seja total e permanente. Basta que a enfermidade inviabilize a capacidade para o exercício da atividade habitual por um período superior a 15 dias.
Distúrbios psiquiátricos devem ser analisados sob esse prisma. O fato de a enfermidade ter como causa o uso abusivo de substâncias como o álcool não descaracteriza, por si só, o direito ao benefício, desde que comprovada a incapacidade funcional pela perícia médica, e preenchidos os demais requisitos.
Distúrbios Psiquiátricos e a Comprovação da Incapacidade
A Importância do Laudo Médico-Pericial
No regime geral da previdência social, a avaliação da existência e extensão da incapacidade é feita por perícia médica do INSS. O laudo médico deve constatar que:
– O segurado está acometido de transtorno que compromete sua capacidade laboral.
– A incapacidade está presente no momento da perícia.
– A motivação da incapacidade decorre da doença, independentemente de sua origem pessoal, social ou psíquica.
Casos de depressão profunda, transtorno de personalidade grave ou síndrome de abstinência alcoólica com crises psicóticas transitórias estão entre os quadros que podem ensejar o afastamento, se houver correlação funcional com a impossibilidade de exercer atividades regulares.
Incapacidade por Condições Psiquiátricas com Origem no Abuso
Apesar de ser um ponto sensível, o fato de a enfermidade mental derivar do vício alcoólico não exclui automaticamente o direito ao benefício previdenciário. A jurisprudência pátria tende a reconhecer que o elemento fundamental é a incapacidade funcional, e não o julgamento moral da origem da patologia.
A jurisprudência do STJ e dos Tribunais Regionais Federais vem consolidando entendimento no sentido de que a dependência de substância psicoativa é uma doença psiquiátrica e, portanto, não pode ser tratada como uma causa voluntária de incapacidade. Isso decorre do princípio do não confisco da dignidade humana, somado à finalidade protetiva da seguridade social.
Requisitos Legais e Configuração do Direito ao Benefício
Período de Carência
Um dos principais requisitos para a concessão do benefício (nos casos em que a carência é exigida) é o cumprimento do número mínimo de contribuições mensais. O artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91 exige do segurado a carência de 12 contribuições mensais para fins de concessão do auxílio por incapacidade temporária.
Contudo, o art. 26, II, da mesma lei, prevê situações em que não se exige carência, como nos casos de acidentes de qualquer natureza ou doenças especificadas em lista do Ministério da Saúde, Trabalho ou Previdência Social. Transtornos mentais decorrentes do uso de substâncias normalmente não estão nessa lista, excetuando-se os casos de acidentes ou situações de agravamento que possam gerar desdobramento jurídico específico.
Qualidade de Segurado
O segurado precisa manter a qualidade de segurado na data do início da incapacidade. Isso significa estar contribuindo ao INSS ou estar no chamado período de graça. Para segurados desempregados, é possível a extensão do período de graça caso haja registro no seguro-desemprego ou em programas de recolocação profissional.
A necessidade de comprovação da qualidade de segurado ativa ou em período de manutenção é um dos principais gargalos enfrentados por requerentes com histórico de uso de álcool, uma vez que muitos estão em situação de vulnerabilidade social ou marginalização econômica. Daí a relevância de uma análise jurídica qualificada e sensível ao caso concreto.
O Papel do Advogado Previdenciarista
Atuação Técnica aliada à Sensibilidade Humana
Diante desse cenário, a atuação jurídica vai além do domínio técnico. A advocacia previdenciária deve considerar a complexidade biopsicossocial das doenças mentais e buscar, com base nos documentos clínicos e perícias, demonstrar a veracidade da alegação de incapacidade.
Cabe ao advogado articular provas robustas, como atestados de médicos psiquiatras, psicólogos, terapias ocupacionais, histórico de internações e medicações utilizadas, a fim de fundamentar a tese de incapacidade.
Além disso, deve-se manter um olhar atento sobre a jurisprudência atualizada, pois os entendimentos variam entre os tribunais, especialmente no que diz respeito à natureza voluntária ou involuntária da condição patológica derivada do uso abusivo de álcool.
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Entendimento Jurisprudencial: A Evolução da Interpretação dos Tribunais
Viés Protetivo e a Perspectiva Constitucional
Decisões recentes da jurisprudência têm consolidado a visão de que o uso abusivo de álcool, e seus efeitos psíquicos, devem ser compreendidos como processos involuntários de adoecimento, muitas vezes condicionados por fatores sociais, genéticos, culturais e emocionais.
A interpretação constitucional do direito à saúde (art. 6º e art. 196 da CF) associada ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF) tem servido como base para confirmar o direito à proteção previdenciária, mesmo nos casos de adoecimento mental relacionado a dependência.
Há precedentes dos Tribunais Regionais Federais que destacam que o transtorno mental crônico, ainda que causado pela dependência, deve ser tratado como uma doença que limita as capacidades funcionais do indivíduo, sendo irrelevante a discussão sobre a eventual “culpa” do segurado em sua origem.
Conclusão: O Direito Fundamental à Proteção Previdenciária
Os transtornos mentais decorrentes do consumo abusivo de álcool devem ser compreendidos, no contexto jurídico previdenciário, como possíveis causas de incapacidade laborativa que justificam o auxílio por incapacidade temporária.
A análise jurídica deve sempre partir da existência concreta de incapacidade atual, com base em elementos técnicos e respeitada a complexidade do adoecimento psíquico.
Em um país onde o acesso à saúde mental ainda enfrenta muitos obstáculos e estigmas, é papel do Direito oferecer proteção e não julgamento. A advocacia previdenciária, portanto, precisa estar munida de sólidos conhecimentos legislativos, doutrinários, jurisprudenciais e humanos.
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Insights Finais
1. Incapacidade não implica irreversibilidade
Mesmo em casos graves de distúrbio mental, o auxílio-doença pode ser concedido de forma temporária, enquanto dura o afastamento. O tratamento psicossocial é fator que pode possibilitar retorno ao trabalho com reabilitação adequada.
2. A perícia médica é determinante
A atuação estratégica na elaboração dos documentos prévios à perícia, inclusive com relatórios médicos bem fundamentados, aumenta consideravelmente as chances de êxito do pleito.
3. Distinção entre doença e culpa
A lógica previdenciária não trabalha com juízo moral. A origem do adoecimento não invalida o direito do segurado à proteção se a incapacidade for comprovada.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. O INSS pode negar o benefício por entender que o alcoolismo é uma escolha pessoal?
Não. A jurisprudência dominante considera que a dependência alcoólica é uma doença reconhecida pela OMS e pela medicina psiquiátrica, não cabendo juízo moral quanto à origem da incapacidade.
2. Quais documentos médicos são mais relevantes em casos de transtorno mental?
Relatórios evolutivos de médicos psiquiatras, laudos psicológicos, prontuários de internações psiquiátricas, receitas de medicamentos de uso contínuo e cartas de terapeutas ocupacionais.
3. É preciso ter vínculo ativo com o INSS para solicitar o benefício?
Sim. O segurado precisa estar contribuindo ou dentro do período de graça para manter a qualidade de segurado no momento do requerimento.
4. O alcoolismo pode ser equiparado a acidente de qualquer natureza para fins de isenção de carência?
Em regra, não. Mas há casos específicos em que desdobramentos do alcoolismo ensejam eventos acidentários ou incapacidades súbitas com viés interpretativo favorável à isenção de carência.
5. A aposentadoria por invalidez é cabível nesses casos?
Sim, desde que a incapacidade psiquiátrica seja permanente e sem possibilidade de reabilitação profissional, comprovada mediante laudo médico-pericial oficial.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-16/alteracoes-psiquiatricas-por-abuso-de-alcool-justificam-auxilio-doenca/.