O Direito à Assistência Jurídica na Lei Maria da Penha: Fundamentos e Aplicações Práticas
Contextualizando a Proteção Integral às Mulheres em Situação de Violência
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, é um dos marcos legislativos mais relevantes no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Com base em tratados internacionais e princípios constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana, a norma consagrou um arcabouço jurídico de caráter especial que impõe deveres ao Estado, inclusive o de garantir à mulher em situação de violência acesso à Justiça e à assistência jurídica integral e gratuita.
Nos termos do artigo 27 da Lei Maria da Penha, “a mulher em situação de violência doméstica e familiar tem direito à assistência judiciária gratuita, nos termos da Constituição e das leis em vigor.” Esse dispositivo não deve ser lido de forma isolada, mas interpretado em consonância com o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, que consagra o direito de qualquer pessoa à assistência jurídica integral e gratuita sempre que demonstrada a insuficiência de recursos.
Essa garantia se torna ainda mais robusta quando inserida em um contexto de hipervulnerabilidade como o da violência doméstica. Nesse sentido, a assistência jurídica passa a ser não apenas um direito, mas um instrumento para a concretização de outros direitos fundamentais: segurança, liberdade, dignidade, saúde e integridade física e moral.
Alcance da Assistência Jurídica no Processo Penal Envolvendo Violência Doméstica
O Papel da Defesa Técnica da Mulher no Processo
Uma dúvida frequente na atuação prática refere-se à amplitude da assistência jurídica fornecida às mulheres vítimas de violência de gênero. Muitos imaginam que essa assistência limita-se à fase inicial do atendimento na delegacia ou no ajuizamento de medidas protetivas de urgência. Contudo, o entendimento jurídico mais consolidado é de que essa assistência se estende a todas as fases processuais, incluindo os momentos em que a vítima atua como ofendida no curso da ação penal.
Ainda que o Ministério Público seja o titular da ação penal pública, isso não elimina o interesse jurídico, psicológico e social da vítima no andamento e no resultado do processo penal. A presença de defensoras e defensores públicos ou advogadas e advogados privados habilitados para acompanhar a vítima no trâmite processual, inclusive nas audiências, é fundamental para garantir o contraditório substancial, a escuta qualificada e a proteção de seus direitos.
Aplicabilidade no Tribunal do Júri e Juízo Competente
O ponto-chave que tem gerado debates técnicos recentes é a extensão dessa assistência à fase do Tribunal do Júri nos casos de feminicídio, especialmente quando o crime tem histórico de violência doméstica ou anteriormente motivado por essa. Como se sabe, o Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, como o homicídio, tentado ou consumado.
Nas hipóteses em que o homicídio da mulher deriva de um ciclo de violência doméstica, mesmo que o processo seja deslocado para o Tribunal do Júri, subsiste a exigência de considerar os dispositivos da Lei Maria da Penha – inclusive em sua vertente assistencial. Isso significa que o direito da vítima (ou no caso de sua morte, de seus familiares legalmente habilitados) à assistência jurídica continua vigente, seja para acompanhar a instrução, seja para pleitear o ingresso como assistente de acusação.
Trata-se, portanto, de uma aplicação integrativa entre a legislação especial e a legislação processual penal comum, em conformidade com os princípios da legalidade, da proteção integral e do devido processo legal.
Assistente de Acusação: Instrumento de Voz da Vítima
Natureza Jurídica e Finalidade
O assistente de acusação é figura prevista no Código de Processo Penal (artigo 268), que autoriza expressamente a intervenção da vítima ou de seu representante, desde que habilitado nos autos, com o objetivo de auxiliar o Ministério Público na busca pela responsabilização penal do acusado.
No contexto da violência doméstica, essa figura assume um papel ainda mais relevante por representar o interesse direto da vítima ou de seus familiares em tempos nos quais a revitimização processual ainda é uma realidade. A assistência jurídica prestada por instituições públicas ou profissionais capacitados permite que a vítima se posicione e seja ouvida no processo sem prejuízo à sua dignidade ou à sua segurança jurídica.
É nesse contexto que a dimensão subjetiva dos direitos da vítima se evidencia. A atuação técnica de um profissional jurídico ao lado da mulher não substitui o parquet, mas amplia a proteção das garantias fundamentais da vítima, muitas vezes omissadas pela estrutura adversarial tradicional.
Ofensa ao Devido Processo Legal e Consequências Jurídicas em Caso de Inobservância
A ausência de garantia à assistência jurídica efetiva pode gerar vícios processuais significativos, especialmente relacionados à violação do contraditório e à fragilização da ampla defesa no polo passivo do sistema de vitimização. Isso pode inclusive levar à nulidade de atos processuais, por ferimento ao devido processo legal, especialmente considerando que o processo penal deve assegurar o equilíbrio entre os autos, o que inclui também os direitos processuais da vítima.
Trata-se de um novo paradigma da jurisdição penal contemporânea, que lentamente se abre à centralidade dos sujeitos vulnerabilizados historicamente afastados do centro das decisões judiciais.
Interseccionalidades: Gênero, Acesso à Justiça e Proteção Estatal
Vitimologia e o Reconhecimento das Necessidades Especiais da Mulher
A perspectiva da vitimologia contemporânea reconhece que a vítima não pode mais ser vista como um mero objeto do processo penal. No caso de mulheres em situação de violência doméstica, essa constatação torna-se ainda mais evidente. Existe um ciclo de silenciamento que o processo penal, se mal conduzido, tende a reproduzir ou perpetuar.
As garantias materiais e processuais da vítima devem caminhar ao lado das garantias do próprio réu. O objetivo da jurisdição penal não é apenas punir, mas entregar justiça material, com salvaguardas institucionais que permitam à mulher não apenas denunciar, mas também participar ativamente da persecução penal.
O reconhecimento do seu direito à assistência jurídica em todas as fases, inclusive quando o crime transita para o Tribunal do Júri, é uma manifestação concreta do acesso substantivo à Justiça, uma das facetas do chamado “mínimo existencial processual” conferido às vítimas.
Normativas Internacionais e o Olhar Sistêmico
O Brasil é signatário de tratados internacionais de proteção às mulheres, como a Convenção de Belém do Pará e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Tais instrumentos impõem ao Estado não apenas obrigações formais, mas deveres substanciais de prover estruturas de proteção, amparo e justiça, sob pena de responsabilização internacional.
Nesse contexto, a ausência de assistência jurídica efetiva, especialmente nas fases decisivas do processo penal, representa violação do dever de prevenção e punição adequado da violência. A responsabilização do Estado por omissão nesses deveres passa a estar no horizonte do controle de convencionalidade e da responsabilização internacional.
Aspectos Práticos para a Advocacia: Atuação Técnica e Estratégica
Para a advocacia, esse cenário impõe novas competências e especializações. O advogado atuante no ramo criminal ou na defesa dos direitos das mulheres deve dominar não apenas o Código Penal e o Código de Processo Penal, mas também aprofundar seus conhecimentos na Lei Maria da Penha, práticas humanizadas de escuta ativa, direitos humanos e técnicas multidisciplinares de atuação.
Inclusive, cada vez mais tribunais têm exigido das defensorias e advogados nomeados capacitação específica para essas causas, especialmente quando se trata da atuação no âmbito do Tribunal do Júri.
Para profissionais que desejam atuar com precisão nesse campo, recomenda-se a especialização em cursos voltados à prática penal e à vitimologia. Nesse sentido, o curso Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal Aplicado oferece uma formação robusta para enfrentar os desafios técnicos e humanitários da advocacia penal contemporânea.
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Insights Finais
A assistência jurídica à mulher vítima de violência doméstica é mais que um serviço jurídico: é um dever constitucional, legal e convencional que reflete o estágio civilizatório de uma sociedade. Garantir esse direito em todas as instâncias – inclusive no Tribunal do Júri – não é apenas uma formalidade, mas um imperativo ético, jurídico e democrático. Profissionais do Direito têm o dever de compreender esse contexto em profundidade para atuar com excelência, humanidade e técnica.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. A mulher vítima tem direito à assistência jurídica mesmo nos casos em trâmite no Tribunal do Júri?
Sim. O direito à assistência jurídica integral e gratuita prevista na Lei Maria da Penha estende-se a todas as fases do processo, incluindo o Tribunal do Júri, quando o crime for resultado de violência doméstica.
2. A assistência jurídica substitui o Ministério Público?
Não. A assistência jurídica não substitui o Ministério Público, mas pode se manifestar por meio da habilitação como assistente de acusação ou como acompanhamento jurídico da vítima nos autos.
3. Quem tem direito à habilitação como assistente de acusação no caso de feminicídio?
Os herdeiros da vítima ou qualquer pessoa com legitimidade legal podem ser assistentes de acusação mediante representação e assistência jurídica regular.
4. O que pode acontecer se o Judiciário não garantir essa assistência?
A ausência da garantia pode resultar em nulidades processuais e, em alguns casos, responsabilização do Estado por violação de direitos fundamentais e compromissos internacionais.
5. Advogados privados também podem prestar essa assistência jurídica?
Sim. A assistência jurídica pode ser prestada por defensorias públicas ou advogados particulares devidamente constituídos, com a devida habilitação nos autos.
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Acesse a lei relacionada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-20/assistencia-juridica-na-lei-maria-da-penha-e-obrigatoria-inclusive-no-tribunal-do-juri/.