Abuso de Poder Digital nas Eleições: Desafios e Enquadramento Jurídico
O avanço das tecnologias de informação e comunicação transformou profundamente os processos eleitorais em todo o mundo, inclusive no Brasil. Com essa transformação surgem novos desafios jurídicos, especialmente no que se refere à identificação e à repressão do abuso de poder no ambiente digital, sobretudo durante o período eleitoral.
Esse fenômeno vem ganhando relevância nos últimos anos e demanda análise crítica no campo do Direito Eleitoral, do Direito Constitucional e também no âmbito do Direito Digital. Este artigo explora os contornos jurídicos do abuso de poder digital nas eleições, seus reflexos práticos e os caminhos legislativos e jurisprudenciais para seu enfrentamento.
Conceito de Abuso de Poder nas Eleições
O abuso de poder em matéria eleitoral é tradicionalmente compreendido como qualquer prática que busca desequilibrar a disputa eleitoral, afetando a igualdade de chances entre os candidatos. Ele pode se dar de diversas formas: abuso de poder econômico, abuso de poder político, e o abuso dos meios de comunicação social.
A Constituição Federal, em seu artigo 14, §9º, reconhece a necessidade de repressão ao abuso do poder econômico e político, assim como à utilização indevida dos meios de comunicação, impondo sanções àqueles que praticarem tais atos.
Segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o abuso configura-se quando há uso indevido desses poderes com o objetivo de beneficiar uma candidatura, viciar a vontade do eleitorado ou comprometer a legitimidade do pleito.
O Surgimento do Abuso de Poder Digital
Com o desenvolvimento exponencial das tecnologias digitais e o uso massivo das redes sociais, surgiram novas formas de manipular a opinião pública de maneira célere, abrangente e, muitas vezes, difícil de rastrear.
O abuso de poder digital pode se manifestar por meio de:
Disseminação em Massa de Desinformação
Emprego de estruturas organizadas que utilizam perfis falsos, contas automatizadas e a prática de impulsionamento artificial para propagar desinformação ou discurso de ódio visando atacar adversários ou enaltecer determinada candidatura.
Uso Indevido de Dados Pessoais
Realização de campanhas microsegmentadas baseadas em coleta ilícita de dados pessoais, inclusive sensíveis, em afronta à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), com o intuito de manipular comportamentos eleitorais.
Influência Algorítmica e Opacidade Tecnológica
Utilização de algoritmos, inteligência artificial e processamento de linguagem natural para influenciar a percepção dos eleitores de maneira não transparente, dificultando a avaliação da origem e da veracidade das mensagens recebidas.
Ausência de Tipificação Específica e Lacunas Legislativas
O arcabouço jurídico brasileiro, apesar de prever mecanismos de responsabilização por abuso nas eleições, carece de uma normatização específica e adaptada às novas práticas digitais.
Atualmente, os abusos cometidos em ambiente digital são combatidos através de hermenêutica extensiva das figuras legais já existentes, como o caput do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990, que trata do abuso de poder econômico e político.
Contudo, como o meio digital possui peculiaridades técnicas que ampliam o alcance e reduzem a transparência das ações abusivas, cresce a demanda por novas figuras jurídicas autônomas.
Responsabilização Legal: Caminhos Interpretativos
Dadas as indefinições legais, o combate ao abuso digital eleitoral se dá por múltiplas vias jurídicas, ainda que com limitações:
Resolução do TSE
Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral têm buscado criar regras para propaganda eleitoral na internet, uso de redes sociais por candidatos, impulsionamento de conteúdo e combate à desinformação. Um exemplo importante está na Resolução TSE nº 23.610/2019, atualizada para as eleições recentes.
Aplicação Subsidiária da LGPD
A LGPD oferece fundamentos relevantes para enfrentar a coleta e uso indevidos de dados pessoais em campanhas políticas. O tratamento abusivo de dados sensíveis pode configurar infração à boa-fé e à finalidade legítima em contextos eleitorais.
Nesse ponto, a compreensão profunda da aplicação da LGPD no cenário político é fundamental para juristas. Vale conhecer o curso Certificação Profissional em Privacidade e Proteção de Dados I, que aprofunda essa interface entre proteção de dados e aplicações práticas jurídicas.
Responsabilidade Penal e Civil
Em situações extremas, as condutas digitais podem configurar crimes contra a honra, violação de sigilo de correspondência, estelionato digital, ou até mesmo associação criminosa para fins eleitorais.
Não raramente, o abuso de poder digital se encontra atrelado a outras formas de ilicitude, como o uso de financiamento não declarado, ou seja, inserido em uma teia complexa de condutas que impõem análise multidisciplinar.
O Papel da Justiça Eleitoral e a Evolução Jurisprudencial
A Justiça Eleitoral tem desempenhado papel central na contenção do uso abusivo das plataformas digitais. Decisões do TSE vêm sinalizando que a manipulação tecnológica pode ser enquadrada, por analogia, como abuso de poder econômico, de comunicação ou até como violação da normalidade e da legitimidade do pleito, nos termos do artigo 14 da Constituição Federal.
Contudo, há controvérsias. Parte da doutrina questiona até que ponto a analogia é suficiente para a punição em um Estado Democrático de Direito, onde a legalidade estrita é o pilar da atuação sancionatória.
Nesse sentido, cresce o clamor da comunidade jurídica por uma nova legislação que enquadre de forma precisa esse fenômeno. A criação de tipos legais autônomos daria maior segurança jurídica e previsibilidade na repressão das condutas.
Jurisprudência Recente
Casos de cassações de mandatos por disseminação coordenada de fake news com uso abusivo de redes sociais têm sido decididos pela Justiça Eleitoral, mesmo sem norma expressa. A jurisprudência caminha para reconhecer que canais digitais, quando utilizados de forma massiva, representam meios de comunicação sujeitos às mesmas restrições já aplicadas à imprensa tradicional.
Ainda assim, essas decisões vêm sendo debatidas quanto à sua consistência legal e à viabilidade de sua aplicação sistemática sem violar garantias constitucionais como a liberdade de expressão.
Desafios para o Futuro do Direito Eleitoral Digital
O Direito Eleitoral enfrenta o desafio de preservar a legitimidade das eleições frente a fenômenos como:
Automação Política e Deepfakes
O uso de robôs de mensagens e inteligências artificiais capazes de simular discursos coloca em risco a autenticidade das manifestações políticas. A manipulação profunda de vídeos e áudios exige normas específicas para sua identificação, contenção e penalização.
O aprofundamento nesse novo cenário exige domínio interdisciplinar do jurista. A maneira como as tecnologias impactam o Direito tem sido objeto de formação especializada. Uma opção de excelência é a Pós-Graduação em Direito e Novas Tecnologias, que prepara o profissional para compreender essas inovações no seu devido contexto jurídico.
Regulação das Plataformas e Accountability
Outro ponto crítico é a responsabilização das plataformas digitais pela veiculação de conteúdos abusivos. Há intenso debate sobre se as empresas de tecnologia devem ser responsabilizadas solidariamente por conteúdos ilícitos ou se apenas medidas colaborativas devem ser exigidas.
Nesse aspecto, discute-se a criação de obrigações positivas de monitoramento e reporte por parte das plataformas, com respeito a direitos fundamentais como privacidade e liberdade de expressão.
Perspectivas Legislativas
Tramitam no Congresso Nacional diversas propostas que tentam enfrentar as lacunas no combate ao abuso digital eleitoral. Entre elas, destacam-se projetos que buscam:
Tipificação de Abuso de Poder Digital
Propõe-se a criação de um tipo específico, que reconheça a prática reiterada de manipulação de massas por meios eletrônicos como infração capaz de ensejar cassação de registro ou perda de mandato.
Regras para Campanhas em Mídias Sociais
Algumas proposições buscam detalhar quais são os limites aceitáveis para anúncios segmentados, impulsionamentos e uso de inteligência artificial no contexto eleitoral.
Proteção de Dados do Eleitor
Visam ampliar o regime da LGPD para aspectos ainda não contemplados explicitamente, como a condução de pesquisas eleitorais e uso de dados públicos para inferência de tendências comportamentais com efeitos sobre o voto.
Conclusão
O abuso de poder digital representa um novo paradigma nos desafios que ameaçam a integridade, a equidade e a lisura dos processos eleitorais democráticos. Mais do que uma questão tecnológica, trata-se de um dilema jurídico que exige compromisso normativo, interpretação constitucional coerente e capacitação técnica dos operadores do Direito.
A resposta jurídica não pode se limitar à adaptação analógica das normas existentes. É necessário desenvolver um marco regulatório sólido, com base principiológica e garantista, que preserve tanto a liberdade de expressão quanto a igualdade na disputa política.
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Insights
1. O poder digital nas eleições altera radicalmente o conceito de mídia e comunicação.
A distinção entre comunicação tradicional e redes sociais torna-se cada vez mais tênue, exigindo novos parâmetros regulatórios.
2. A LGPD desempenha papel central na definição dos limites do uso de dados em eleições.
A legislação de proteção de dados se apresenta como instrumento complementar ao Direito Eleitoral.
3. A Justificativa Constitucional fundamenta o controle dos abusos digitais eleitorais.
A proteção à legitimidade e à normalidade das eleições torna-se a base para a atuação da Justiça mesmo em lacunas legais.
4. Juristas precisam dominar conceitos tecnológicos para aplicar o Direito com eficácia.
A interseção entre Direito e Tecnologia não é mais opcional, mas necessidade prática.
5. A ausência de legislação específica tem sido suprida pela jurisprudência, que porém enfrenta questionamentos teóricos.
A insegurança jurídica pode ser minimizada com a criação de normas específicas e técnicas.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. O que caracteriza o abuso de poder digital nas eleições?
É o uso ilícito e desproporcional de meios tecnológicos para interferir na vontade do eleitorado, desequilibrando o processo eleitoral.
2. As condutas digitais já são puníveis pela legislação atual?
Sim, embora faltem tipificações específicas, o TSE aplica analogicamente normas sobre abuso de poder econômico e de meios de comunicação.
3. Como o uso de dados pessoais pode ser enquadrado como abuso?
Se coletados e utilizados de forma ilícita para manipular o eleitor, pode configurar tanto infração à LGPD quanto abuso eleitoral doloso.
4. Quais são os limites legais para o uso de redes sociais em campanhas?
As resoluções eleitorais regulam impulsionamento, identificação do conteúdo e proibição de uso de bots e perfis falsos.
5. Que formação o advogado deve buscar para lidar com essas questões?
Cursos voltados à intersecção entre Direito e Tecnologia, como a Pós-Graduação em Direito e Novas Tecnologias, são fundamentais para atuar com segurança jurídica neste novo cenário.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm
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Este artigo teve a curadoria do time da Galícia Educação e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.conjur.com.br/2025-jul-19/brasil-precisa-de-lei-contra-abuso-do-poder-digital-em-eleicoes-diz-coelho/.